Do oratório que em sua honra construíram no Monte Carmelo

Os religiosos desta ordem lembravam que Deus havia revelado, de modo especial, na referida visão, como nasceria uma meninazinha que, desde o seio materno, estaria isenta de toda mancha de pecado e, como eles, abraçara livremente a virgindade. Desta Virgem nasceria o Deus-homem (ou melhor, o Homem-Deus).

Observavam como tudo isto já se havia realizado e como o gênero humano, por meio da Virgem, havia recebido do Filho de Deus tão desejado e esperado benefício da chuva, ou seja, da graça divina, e se propuseram honrar, com assídua e especial devoção a esta Virgem há tanto tempo profetizada a seus predecessores, tão esperada e logo apresentada.

Determinaram eleger por Patrona a esta Virgem especial, pois reconheceram que só ela possuía um dom singular parecido com seu Instituto por ser a primeira mulher que abraçou espontaneamente a virgindade. Como os antigos monges que abraçaram esta religião foram os que, por amor de Deus, começaram a viver, por primeiro, a virgindade voluntária e a introduziram entre os varões, do mesmo modo, como já dissemos, a Mãe de Deus foi a primeira que começou depois a introduzir a virgindade entre as mulheres; por isto, como os Religiosos Carmelitas foram os primeiros varões que livremente assumiram viver a virgindade, assim a Virgem Santíssima foi a primeira que entre as mulheres fez voto de virgindade.

Esta igualdade especial entre a Mãe de Deus e os Religiosos Carmelitas em ser as primícias da virgindade voluntária com um voto, muito tempo antes profetizada e por fim realizada, foi a razão pela qual os Carmelitas, enquanto os Apóstolos ainda viviam, chamavam a Virgem Maria sua irmã e, por esta mesma igualdade, chamavam-se a si mesmas de irmãos da Bem-aventurara Virgem Maria.

Não creio que ocorra negar que os membros de uma Ordem Religiosa possam chamar-se com diferentes nomes em tempos determinados e por razões diversas sem que a religião deixe de ser e continuar a mesma. Se negas isto, incorres no erro de que a religião cristã não é agora, entre nós, a mesma que foi no tempo dos Apóstolos e discípulos de Cristo, porque os que, então abraçavam a religião de Cristo, no início de sua pregação e de apóstolos não se chamavam como mesmo nome de agora. Segundo nos disse São Lucas, no princípio, os que abraçavam a doutrina de Cristo se chamavam discípulos e, mais tarde, pela primeira vez em Antioquia, se chamaram cristãos.

Por acaso podemos dizer que a religião cristã era diferente neles do que é agora em nós, porque se chamavam com nomes diferentes? De maneira alguma. Nem deves julgar como absurdo que os Monges que agora vivem no Monte Carmelo são da mesma religião dos que viviam neste monte antes da encarnação do Salvador, embora naquele tempo se chamassem Profetas e Filhos dos Profetas e estes se chamem agora Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria. Chamavam-se, então, como dissemos, Profetas quando cantavam, louvando a Deus, os Salmos e cânticos acompanhando-se de instrumentos musicais.

Quando começou a era evangélica, cessou o rito de cantar a Deus acompanhando-se de todos aqueles instrumentos musicais e se mudou em outro rito como disse o Apóstolo: “Enchei-vos do Espírito Santo falando entre vós e entretendo-vos com salmos, com hinos e canções espirituais cantando e louvando ao Senhor em vossos corações” (Ef 5, 18-19). Como aquele rito antigo de cantar louvores a Deus acompanhando-se de instrumentos musicais já não se usa agora em nossa religião, não se chamam Profetas os que pertencem a esta religião.

Também se chamaram, com muita razão, Filhos dos Profetas quando um Profeta os governava e dirigia, como dissemos; mas agora como nenhum Profeta os governa, deixaram de chamar-se Filhos dos Profetas, como a ninguém que esteja em são juízo lhe ocorrerá dizer que, então, se houvessem chamado Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria quando esta ainda não havia nascido; mas, como se declarou, depois que conheceram a semelhança tão expressiva e tão própria entre eles e a Mãe de Deus por haverem sido os primeiros a oferecer voluntariamente a Deus a virgindade, desde esse tempo se chamaram Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria e em memória da visão que simbolizava o nascimento desta Virgem mostrada em profecia a Santo Elias sob a figura de uma nuvenzinha que subia do mar para o Carmelo, estes monges, no ano 83 da encarnação do Filho de Deus, derrubaram o antigo local chamado Semnion e edificaram uma Capela em honra desta primeira Virgem consagrada a Deus, junto à fonte de Elias no mesmo lugar onde Elias, quando ia orar, viu aquela nuvenzinha como a pegada de um homem que subia do mar para o Carmelo.

Desde este tempo, estes religiosos sempre se reuniam nesta Capela encomendando-se a esta Virgem e rezando todos os dias nas sete horas canônicas a esta Virgem e a seu Filho, com fervorosas orações, súplicas e louvores. Na Capela se reuniam para fazer com simplicidade as exortações e mútuas instruções espirituais e para estudar o modo de salvar as almas.

Esta é a razão pela qual, mesmo os estranhos à Ordem, os chamaram Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo.

* Livro da Instituição dos Primeiros Monges Fundados no Antigo Testamento e que perseveram no Novo.

Por Juan Nepote Silvano, Bispo XLIV de Jerusalém.