Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.

             A mais antiga devoção mariana entre os carmelitas é, provavelmente, a invocação da Padroeira. Não significa que a ideia de Mãe, parte da herança cristã comum à toda Igreja, foi ignorada. Mas numa era feudal, a reflexão carmelitana sobre o oratório consagrado à Maria influenciou rapidamente a devoção de Maria como Padroeira do Carmelo como, por exemplo, em Baconthorpe (+ cerca de 1348).  O domínio sobre o lugar é dado a ela.  Os próprios eremitas escolheram este título. A afirmação de Baconthorpe é mais explícita em seu Laus religionis carmelitanae:

            Assim como os profetas no Carmelo ofereceram um serviço místico à Virgem, os irmãos mais tarde, não esqueceram a resposta mística de seus predecessores, mas realizaram-na, pois, no mesmo Carmelo, eles ofereceram seus pescoços em escravidão à Virgem. Por isso, são verdadeiramente chamados “Irmãos de Maria do Monte Carmelo”.

            Como observa Baconthorpe neste mesmo trabalho, existem elos recíprocos:

       Portanto, é mais oportuno aos carmelitas que invoquem Maria, sua especial advogada, após cada uma das horas canônicas, ajoelhados e recitando a antífona “Salve Regina”. Corretamente, esta Ordem é fortemente venerada por tal grande advogada, de forma que cada um possa dizer: “terás o mesmo louvor”.

            Assim, na cultura medieval feudal, Maria é vista como a Suserana do lugar, a sua Padroeira, pois tudo está sob seu domínio. O carmelita é, portanto, um vassalo num incondicional serviço.

  1. Bostius afirmou que tudo que diz respeito ao Carmelo, tanto geográfica como juridicamente, pertence à Maria: as casas, as igrejas dedicadas a ela, os hábitos. A tese principal de seu trabalho é que nada ou ninguém no Carmelo escapa ao domínio de Maria. Tudo pertence a ela como feudo, como heranças, como propriedade dela.

            Talvez seja válido observar que, apesar de parecer próximo a essas ideias feudais, a tradição carmelitana nunca abraçou a devoção de “escravidão à Maria”. Na forma proposta pelo cardeal de Bérulle, isso foi sugerido às freiras descalças francesas, mas foi considerado estranho na época.  Sem dúvida, apesar de alguns carmelitas sentirem-se atraídos pela escravidão mariana de São Grignon de Montfort, tal devoção nunca foi uma corrente forte ou defendida na Ordem. Como podemos ver adiante, existem alguns paralelos no misticismo mariano de Mary Petyt e Miguel de Santo Agostinho.

         A noção de padroeira é tão tradicional e profunda que poderia parecer que pertence à essência do carisma mariano da Ordem. Uma chave para sua compreensão é que, diferente de alguns outros modos de se considerar Maria, o patronato implica num relacionamento de duas vias: Maria protege os Irmãos; os Irmãos servem a Maria. A dimensão deste duplo relacionamento para com Maria é característico do modo de vida carmelitano. No próximo capítulo examinaremos suas implicações mais de perto. A mentalidade feudal do relacionamento do padroado na Idade Média não é mais apropriada hoje em dia. Ele talvez seja melhor considerado hoje na forma de consagração, tema que consideraremos mais adiante.

*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO: Um Estudo da Herança Mariana na Ordem do Carmo.