FREI CARLO CICCONETTI, O.CARM.

O grupo de eremitas, "moradores do Monte Carmelo junto à Fonte", apresenta-se logo sob o signo da Autoridade-Obediência: estão sob a obediência de Brocardo e desejam exprimir a sua voluntária e total "obediência" a Cristo Jesus, reconhecendo-Lhe a "Soberania" universal (Regra 1 e 2), sacramentalmente manifestada na sua Igreja e nos seus Pastores. Desde os inícios procuram a aprovação da Igreja. "Alberto, por graça de Deus chamado a ser Patriarca da Igreja de Jerusalém, aos amados filhos Brocardo e outros eremitas, que vivem debaixo da sua obediência junto à Fonte, no Monte Carmelo, saúde no Senhor e bênção do Espírito Santo" (Regra 1).

A Autoridade - um conceito tão irritante e dissonante para a nossa mentalidade - qualificada como "graça de Deus e vocação" desde as primeiras linhas da nossa Regra. O poder de governar é "graça" ou Charis em grego, donde "carisma", "dom" de Deus. Con-corre junto com os outros múltiplos "carismas" para a edificação da sua Igreja (1Cor 12,4-11.28; Ef 4,7.11-16). Aprofunda as suas raízes na Ágape Divina; é expressão de amor. A graça, por defini-ção, é "participação e comunicação da vida divina".

É VOCAÇÃO, posto que ninguém se arroga a autoridade (na Igreja), como o ministério sacerdotal, se para ele não for chamado por Deus. Dele vem toda a paternidade no céu e na terra (Ef 3,15: Jo 19,10-11; Hb 5,1-10). Concretamente, Alberto foi "chamado", isto é, eleito pelos que tinham voz no Capítulo dos Cônegos Regulares do Santo Sepulcro de Jerusalém; mais tecnicamente: o "postula-ram", porquanto não teria tido voz passiva naquela Igreja.

Mas a Vocação, por último, vem de Deus. Deus chama e dá a cada um "um Carisma ou uma diaconia" (1Cor 12,4-11; Ef 4.7.11-16), inclusive, "o carisma do governo" ou a "chamada" ao governo (1Cor 12,28), por meio da Igreja e a favor do Povo de Deus. Esta é a fonte primeira da legitimidade da Autoridade de Alberto, mas não seria suficiente se os eremitas não estivessem eles próprios "em  Cristo", isto é, batizados e membros da Igreja, ou melhor, membros desta Igreja particular, a Igreja de Jerusalém. Na sauda-ção-bênção vem expressa a finalidade da Autoridade, a salvação (ou saúde) no Senhor, os dons do Espírito Santo para o "homem novo".

A Tradição dos Padres da Igreja e da vida monástica mencionada logo em seguida e também ao falar da Oração Litúrgica (2.11) completa esta visão das relações intra-eclesiais, que são parte da experiência fundacional do Carmelo.

A Ordem do Carmo, apresentando a Regra, segundo a qual promete viver na obediência a Cristo, e explicitando de vários modos o seu serviço ou carisma peculiar conforme ao qual se compromete com a Igreja, subscreveu com a Igreja um Pacto público; por isto recebe da Igreja a Autoridade para o exercício fiel do seu carisma. Na ótica do Pacto bíblico que, em união com as promessas de Deus, provê a um "capitulado" (confirmado em "capitulares") da Aliança, a Torah, este "Pacto" também significa a assunção de deveres nos relacionamentos com toda a Igreja. Será sancionado a nível universal nas várias intervenções dos Papas a favor da Ordem e garantido com a observância das suas leis fundamentais. Cada irmão, que com a Profissão religiosa se compromete perante a Igreja e com a Ordem, entra na ótica desta Aliança.

Alberto, Patriarca de Jerusalém, laureado "in utroque jure", na nossa Regra une em um triângulo ideal, com sábio equilíbrio, Bíblia, Teologia (a Eclesiologia recebida dos Santos Padres da Igreja) e o Direito, como código e instrumento de comunhão; não apenas nesta saudação inicial, mas, aqui e ali, em toda a sua "Forma vitæ".

Evocada a fonte da sua Autoridade em relação aos eremitas de junto à Fonte, "estabelece", quer dizer, ordena com Autoridade o que segundo a tradição da igreja é necessário para viver "con-cretamente" em obediência a Cristo. Com evidente ênfase no latim, quer uma Autoridade, um Prior, "um eleito entre eles": "illud in primis statuimus...", porque se queres viver realmente "debaixo da Soberania de Cristo", no seu "obséquio", deves começar por reconhecer, "acima de ti, alguém que o representa", que Lhe faz as vezes (Regra 4.23: cf. Rm 13,1), para que inicies o caminho ao inverso daquele de Adão (Regra 4). A Autoridade do Prior é meio, não é fim: o Prior não visa impor a sua vontade, mas "guiá-los à obediência a Cristo" (Const. n.48).

Nós não temos de ter medo de falar de potestade-poder ou de Autoridade quando sabemos que autoridade "entre nós" não é igual à que "de fato" exercitam os "poderosos" do "mundo" (Regra 22 - cf.Mt 20, 25-26), mas está revestida das qualidades do serviço evangélico.

Ninguém trate de impor um Prior à Comunidade (Gregório IX), por que entre a Autoridade e aqueles sobre os quais preside se contrai um pacto bilateral: os irmãos elegem: eles também exercem desta maneira um poder, uma Autoridade; a pessoa "eleita" aceita e de qualquer maneira exerce um direito, um poder; só então, pelo mútuo consentimento confirmado pela Autoridade Superior, se estabelece a aliança entre a pessoa que foi chamada a se revestir da Autoridade e os irmãos que prometeram obediência. Os teólogos-juristas do tempo enxergavam a eleição para um cargo por parte de uma comunidade, e não apenas a do Bispo na sua Igreja Diocesana, como um "pacto esponsal", uma relação, portanto, ditada pela Caridade, pelo Amor.

A Autoridade "vém de Deus", "os Superiores fazem as vezes de Deus", são um "serviço" e um "ministério" (PC14: câns 618,619). Estas são afirmações válidas até o dia de hoje e que aprofundam as suas raízes na concepção teológica e antropológica da Bíblia, recebida da Patrística e da Tradição da Vida Monástica. Pressupõe-se, naturalmente, a fé, que leva à esperança e ao amor. Para a teologia cristã isto inclusive é válido para a autoridade ci-vil: o homem é o fim e a medida de todas as instituições huma- manas e divinas.

Na Ordem do Carmo, como em outros Institutos Religiosos, a Autoridade está orientada para o bem e o serviço da própria Igreja e, mais diretamente, para o "serviço" daqueles fiéis-súditos que com a profissão religiosa abraçam a vida e a santidade da Igreja na "Forma de Vida" carmelita, aprovada canonicamente pela própria Igreja. A profissão entra na ótica daquela Aliança Esponsal da Igreja, pacto de amizade e de plena identificação com o seu mistério" (1Tm 5,9-15). A Regra e as Constituições são o "capitulado" desta Aliança, o "Código de Comunhão". Vivido e interpretado no interior das ordenações da Igreja. Não quer dizer que se trancam os espaços para a "liberdade de consciência", que permanece sempre a última instância, ou da liberdade "profética" autenticamente tal.

*XVº CONSELHO DAS PROVÍNCIAS. [REFLEXÕES TEOLÓGICAS SOBRE O PODER DE GOVERNO NA ORDEM DO CARMO]