Frei Claúdio Van Bale, 0. Carm.

Em sua carta aos PP. Gerais da Ordem do Carmo (25/03/2001). o papa João Paulo II observou que a Espiritualidade do Escapulário é um tesouro importante para a Igreja. Na devoção do Escapulário, Maria é vista como Mãe e Irmã que nos guia na fruição da riqueza espiritual da Boa Nova, inserida na simplicidade cotidiana de nossa vida. Maria da Encarnação sabe familiarizar-nos com o mistério de Deus no bojo dos fatos. Ali, o acesso a ele, veiculado por uma erva, um pássaro ou uma pessoa (Mt 6, 26.30; 25,40), está ao alcance de todos. Essa riqueza brilha com irradiante fulgor na Mãe de Jesus, Padroeira do Carmelo. Sua amabilidade suscita real admiração e, em nosso ser e agir, nos une a seu Filho na solicitude pelos irmãos.

Amar, no jeito de Maria, implica “oração confiante, agradecimento entusiasta e esforço zeloso de nos inspirar nela para uma profunda vivência de fé”. (J. P. II, ib) “Como ela, somos chamados a gerar vida divina, permitindo que ele – Emanuel – cresça em nós a fim de que o revelemos ao mundo”. (Frei Tito Brandsma) No Carmelo, a devoção a Maria produz um estilo de vida autêntico, onde os devotos se sensibilizam pelo significado e função da Mãe de Jesus, seguindo seu eloqüente testemunho de fé a serviço da humanidade e da Igreja. Sob o olhar de Maria, eles deixam revestir-se com a riqueza de Cristo, o mais íntimo de Deus e Irmão universal que liberta da servidão do individualismo e convoca à solidariedade.

Esta rica devoção do Escapulário do Carmo remonta à Idade Média, quando os religiosos carmelitas passaram a ver no simples avental que usavam um sinal de sua prática evangélica e de sua consagração a Maria. Eles consideravam a Mãe de Jesus a mais simples de todos os servidores e chegaram à conclusão, pelo testemunho de Jesus, de que, fazendo as coisas mais de cada dia, prolongavam de alguma forma a encarnação de Deus neste mundo. De fato, o sentido mais profundo da vida cristã é deixar Deus nascer no próprio coração ajudando-o para que não seja levianamente banido do coração das pessoas.

A Senhora do Carmo, farol da “nova evangelização”, encontra especial agrado nos devotos do Escapulário enquanto a seguem mostrando uma postura de ouvinte sempre atento à palavra de Deus (e sua vontade) a ressoar nos fatos, esforçando-se por avaliar sua vida pessoal na perspectiva da fé e, unidos a Jesus, o procuram seguir em silêncio, até debaixo da cruz. Na pessoa do discípulo amado, Maria foi confiada a todo o gênero humano; e, assumida na glória celeste , ela conscientiza todos de seu nobre destino: serem integrados na condição divina com plenitude de vida. Solicitude de Deus por todos que peregrinam neste mundo, Maria simboliza salvação universal a ser integrada nas relações em nossa convivência.

No século XVI, Simão Stock, Superior Geral da Ordem, teve uma experiência de fé muito singela. Graças também a sua devoção mariana, deixou confirmar-se na convicção de que Deus, puro amor, abriga todos em sua bênção que salva gratuitamente. E ao morrer, toda pessoa cai nos braços de Deus e, se o permitir, o Céu lhe será presenteado imediatamente. Foi como se tivesse tido uma visão de Nossa Senhora que o confirmou nesta fé na bondade incondicional de Deus. De maneira nova experimentou o que São Paulo já ensinara: “Absolutamente na nos pode separar do amor de Deus, manifestado em Cristo Jesus”. O Escapulário lembra com singeleza: Deus, longe de se deixar condicionar por nosso comportamento, ele só é capaz de agir segundo as ondulações de seu coração amoroso.

Os carmelitas se mostravam sensíveis à revelação que, sem cristalizar-se continua irrompendo no coração da história e nossa experiência. Para eles, o avental, Escapulário, (“escápula”: cai sobre as omoplatas, ombros) simbolizava dois aspectos essenciais da nossa fé cristã: 1) da parte de Deus, a bondade gratuita que há de suscitar em todos uma confiança ilimitada; 2) da parte da pessoa, a resposta generosa há de envolvê-la em um amor serviçal a favor dos irmãos. Que assim vive, pode estar certo de ser participante da Vida  eterna e que, após a morte (primeiro sábado), melhor pela própria experiência da morte, será introduzido na esfera de Deus, acolhido na Casa do Pai onde, transfigurado, participará de sua divindade.

Progressivamente, o Escapulário recebeu um formato menor, sendo adaptado ao uso por parte de leigos devotos. Sua função é avivar o devotamento à Senhora do Carmo, em uma alegre confiança de fé no seguimento de seu Filho, através de uma postura serena e do serviço solidário prestado ao próximo. A seguir, sob a pressão da devoção popular, em uma cultura patriarcal rica em imposições, proibições e ameaças, a devoção passou a assumir uma perspectiva um tanto mágica mediante promessas, mais ligadas a técnicas devocionais que ao amor de Deus e à resposta humana. E tais promessas eram pretensamente confirmadas por todo tipo de efeitos milagrosos, resultado do simples uso material do “Bentinho do Carmo”.

Agora, neste novo Milênio, conforme a palavra do Papa, a devoção do Escapulário há de ser qual “síntese da devoção mariana na Igreja”. Ela tem de construir um vínculo profundo com Maria no serviço a Cristo nas comunidades eclesiais, onde seu Filho dinamiza nossa presença transformadora em um mundo dilacerado. Maria nos educa na certeza de que em todos os nossos passos estamos sob a bênção divina em vista de boa cidadania; e, na passagem para a outra vida, nos espera infalivelmente o abraço de Deus. Tal certeza há de restituir-nos a criatividade da fé e a solidariedade de uma presença consciente e participativa.

Em resumo, a devoção do Escapulário do Carmo, a mais singela das devoções marianas, representa o que há de mais promissor na Mensagem de Jesus: Deus nos ama com um amor incondicional na condição de “herdeiros do Reino”,  muito mais que simples pecadores; e tudo o que fazemos em nossas tarefas cotidianas, sobretudo em serviços de libertação e promoção, prestados aos irmãos, nos une a Cristo confirmando-nos no amor de Deus. Na perspectiva da fé, em tudo, primeiro o amor de Deus e, em seguida, nossa resposta. Este, de fato, é o caminho da simplicidade do Evangelho, onde nos inspiramos em Maria como mulher atuante que, toda atenta, soube ouvir e orar, distinguindo-se por uma presença compromissada.

O Escapulário do Carmo nada tem a ver com um amuleto ou uma mágica, à disposição dos que fogem de si, da vida e de Deus buscando soluções milagrosas. Antes, é o sinal de Maria que caminha ao encontro de sua gente e com ela se compromete na transparente bondade de Deus, cujo amor merece nossa entusiasta confiança com renovadora adesão. Razão pela qual a devoção do Santo Escapulário tem grande força libertadora e, ao mesmo tempo, engaja as pessoas no exercício da mais pura cidadania. Quem a pratica com pureza de coração, viverá a alegria da Salvação em um clima de filial confiança e na coragem criativa de ser e conviver.