Frei Joseph Chalmers O. Carm. Ex-Prior Geral da Ordem do Carmo.

As Constituições das monjas carmelitanas afirmam: “Desde sua chegada à Europa, no século XIII, a Ordem tinha algumas mulheres unidas a seu espírito de modo particular e que logo consagraram suas vidas com os mesmos votos religiosos que os homens da Ordem faziam então. O documento papal ‘Cum Nulla’ de Nicolau V (1452), ao aprovar uma situação já existente, estabeleceu os fundamentos para um desenvolvimento sistemático do ramo feminino do Carmelo, de modo que a ‘Bem-aventurada Mãe de Deus’ pudesse ser venerada pelas religiosas assim como era pelos homens da Ordem” (Const. 19 citando uma carta das monjas de Ten Elsen ao Bem-aventurado John Soreth de 14 de outubro de 1453, em AOC, 11 (1940-42), 41). Aos poucos surgiu um movimento mundial de mulheres dedicadas em servir a Deus e ao próximo, vivendo uma alegra vida de oração e de penitência. Este modo de vida produziu muitas santas mulheres, a maioria desconhecida, exceto para Deus. Contudo, a mais famosa filha do movimento enclausurado carmelitano é a grande Santa Tereza de Jesus. Ela retomou os elementos tradicionais e, com grande originalidade, retrabalhou-os em suas muitas fundações. Vivendo numa era de grande efervescência e transformações, ela incorporou o melhor do passado numa visão nova e criativa da vida contemplativa, uma visão que influenciou todas as monjas carmelitanas. Na verdade, todos os carmelitas olham para Santa Tereza como uma fonte sem-par de inspiração e guia para a vida espiritual. Nas Constituições das monjas, as palavras de Santa Tereza são usadas para expressar o chamado que receberam de Deus: “sentimo-nos ‘chamadas à oração e à contemplação. Este chamado explica nossa origem. Somos descendentes dos homens que sentiram este chamado, daqueles santos padres no Monte Carmelo que em profunda solidão e desprezo pelo mundo, buscaram este tesouro, esta pérola preciosa de contemplação’ (Santa Tereza de Jesus, O Castelo Interior, V, 1, 2)” (Const. 61).

As monjas carmelitanas enclausuradas lembram a toda a Igreja as exigências absolutas do amor de Deus. Elas deram uma resposta radical ao chamado de Deus doando inteiramente suas vidas à oração. O objetivo deste modo de vida é a contemplação. Por isso mesmo, as monjas enclausuradas são muitas vezes chamadas de “monjas contemplativas”. A contemplação está no coração do carisma carmelitano. Vivendo desta maneira radical, elas dão testemunho da centralidade da contemplação para todos os carmelitas, e suas vidas silenciosas são testemunho ao mundo de que apenas Deus é suficiente para responder aos desejos infinitos do coração humano.

Ao longo do tempo encontramos muitos modos de compreender a contemplação. Às vezes ela foi confundida com certas experiências extáticas e emocionais na oração. A contemplação pode ou não incluir tais experiências mas, muitas vezes, parece desenvolver-se num ambiente de trevas e de aridez. Uma contemplativa tem um relacionamento maduro e íntimo com Deus. Os relacionamentos humanos que chegam à verdadeira intimidade passaram por diversos estágios e os dois lados amadureceram. É claro que no relacionamento humano-divino, Deus nunca muda, mas nós sim e realmente devemos mudar. Os relacionamentos humanos podem nos ensinar muito sobre nosso relacionamento com Deus, mas eles têm seus limites. É Deus quem nos procura e convida para nos guiar na jornada de transformação para o grande objetivo da vida humana que é a união com Deus, onde nos tornamos semelhantes a Deus. A vida na clausura carmelitana é totalmente concentrada em responder ao chamado de Deus para crescer neste relacionamento.

Nossa Senhora era uma verdadeira contemplativa no sentido de que sempre estava no mesmo nível que Deus, mesmo se ela nem sempre compreendesse o que estava acontecendo. Ela “conservava no coração todas essas coisas” (Lc 2,51) e buscou a vontade de Deus nos eventos de sua vida. Ela é o modelo para a vida contemplativa.

A Igreja sempre enfatizou a importância do exemplo da Mãe de Deus para as contemplativas. Por exemplo: “As irmãs revivem e perpetuam na Igreja a presença e o trabalho de Maria. Acolhendo a Palavra na fé e no silêncio reverente, elas se colocam a serviço da Encarnação e, unidas a Cristo Jesus em sua oferta de si mesmo ao Pai, elas se tornam cooperadoras no mistério da Redenção. Assim como na sala de cima Maria em seu coração, com sua presença orante, velou pelas origens da Igreja, agora a jornada da Igreja também é confiada ao coração amoroso e às mãos orantes das enclausuradas” (Verbi Sponsa, 4).

Ao longo de sua vida, a freira carmelitana permanece diante de Deus rezando por este nosso mundo tão carente. Na cena do Evangelho descrevendo a festa de casamento em Caná (Jo 2,1-11), Maria é um modelo maravilhoso para a oração da irmã carmelitana. Nossa Senhora disse simplesmente a Jesus: “eles não têm vinho” e depois deixou, confiante, tudo em suas mãos. Suas palavras aos anfitriões da festa: “Façam tudo o que ele mandar”, ecoa ao redor do claustro das irmãs e além dele, para o mundo. Talvez o momento na vida de Nossa Senhora que representa mais perfeitamente a vocação da freira carmelitana é quando ela permanece silenciosamente aos pés da cruz. Seu silêncio foi mais eloqüente que muitas palavras.

Para o carmelita, o profeta Elias também é um grande modelo de vida contemplativa. A Palavra de Deus em primeiro lugar o transformou e, com zelo devorador, ele proclamou esta Palavra a seus contemporâneos. Ele permaneceu diante de Deus, pronto para servir e obedecer a qualquer custo. Elias desafiou o povo a parar de mancar com as duas pernas (cf. 1Reis 18,21) no sentido de servir a dois deuses. Cada ser humano deve fazer uma escolha. O contemplativo está consciente da tentação sutil para evitar todas as implicações de responder ao chamado de Deus e de substituir nossa própria vontade pela de Deus. Aquele que foi consumido pela Palavra de Deus se recusa a aceitar tranqüilamente qualquer tentativa de manipular o nome de Deus para propósitos humanos. No Monte Horeb, Elias estava aberto a encontrar Deus de formas novas e inesperadas e a compreender que Deus está presente mesmo quando tudo diz o contrário (cf. 1Reis 19,9-13). A monja carmelitana tem uma vocação contemplativa e profética. Ela não é chamada a pregar em público, mas o testemunho de sua vida lembra a todos nós da importância de escutar a palavra de Deus na brisa suave ou no silêncio absoluto (1Reis 19,12). Ao ouvirmos sua voz, seremos transformados para sempre.

O objetivo da vida enclausurada, e de todas as regras que a definem, é fornecer as condições ideais para receber a contemplação, o dom sublime de Deus. Por meio do dom da contemplação o ser humano une-se a Deus sendo, portanto, purificado e transformado. Uma contemplativa olha para todas as coisas criadas como se fosse com os olhos de Deus e ama como se amasse com o coração do próprio Deus. Esta não é uma ciência exata e, por isso, os místicos tendem a preferir a poesia à prosa ao tentar descrever esta experiência. A contemplação não é um dom apenas para o indivíduo, mas sim para o mundo. A contemplação transforma de tal maneira a pessoa, que ela passa a ver a partir da perspectiva de Deus. Isto envolve uma profunda conversão do coração principalmente quando o contemplativo percebe claramente a injustiça e a falta de unidade em nosso mundo e esforça-se ainda mais para que os valores do Reino de Deus se tornem uma realidade.

A aventura da vida humana é um processo de crescimento no amor, e uma parte essencial deste processo é a purificação do coração. Sem passar por este processo doloroso, não podemos amar em verdade. A purificação é dolorosa porque através desta noite escura todas as nossas pretensões e ilusões devem sucumbir. Percebemos nas profundezas de nosso ser que vivemos apenas pela graça de Deus. É fácil dizer isso, bem diferente é compreender. Primeiro devemos passar pela noite escura. A noite escura não é uma punição, mas um sinal do amor de Deus por nós e um sinal de que Deus está nos libertando para nos tornarmos o que fomos criados a ser. A escuridão é mais intensa quando o amor de Deus alcança as partes mais íntimas de nosso ser. Quanto mais escura a noite, mais próximo estamos do amanhecer.

O papa elogiou o modo de vida contemplativo e declarou seu grande valor para a Igreja e para o mundo. O valor deste modo de vida é que aqueles, chamados conscientemente a ele, entram num processo de purificação e de transformação. São João da Cruz nos diz, “... é mais precioso aos olhos do Senhor e para a alma e de grande benefício para a Igreja uma única gota de amor puro do que todos os outros trabalhos juntos” (Cântico Esp. B, 29, 2). Um ser humano que foi completamente purificado e de quem a presença de Cristo transparece, pode fazer muito mais do que podemos imaginar. Assim, o mosteiro carmelitano reflete o amor e a presença de Deus no mundo.

As Constituições das monjas carmelitanas tratam desta questão quando dizem: “A monja carmelitana, fiel à rica tradição da Ordem, é de serviço inestimável ao povo de Deus vivendo na presença do Senhor, pela oração ardente e pelo zelo apostólico. Ao imitar Elias, de quem o Carmelo recebe sua inspiração, ela segue o caminho profético como um bem característico, percorrendo um caminho orientado para a vida interior, ouvindo a Palavra de Deus. Ela é uma testemunha especial para o Deus vivo e para as exigências supremas de Seu Reino. Em união íntima com Maria, o livro onde nossa Regra está escrita porque em Maria a Palavra está escrita, a monja se propõe a viver o mistério de sua vida interior e de sua intrínseca união com Deus em Jesus Cristo” (Const. 22). E continuam dizendo: “De fato, uma autêntica vida contemplativa é necessariamente apostólica. Por isso, o espírito apostólico permeia o todo de nossa vida de tal modo que a oração e o sacrifício são animados pelo zelo eclesial e missionário, de acordo com o exemplo de nosso Pai Santo Elias: ‘Tenho tido muito zelo pelo Senhor, o Deus dos exércitos’” (Const. 92).

A vida enclausurada parece ser um mundo muito pequeno e é uma tentação constante, para aquelas que vivem este modo de vida, reduzi-la a isto. Contudo, ela tenciona ampliar o coração da pessoa chamada a este modo de vida de modo que ela possa abraçar o mundo todo. Santa Teresinha de Lisieux exclamou com alegria: “Descobri onde é o meu lugar na Igreja, o lugar que Deus apontou para mim. Ser nada mais que amor, profundamente no coração da Mãe Igreja; isto é, ser tudo ao mesmo tempo” (Man. B, 3v). Ela descobriu sua vocação pessoal e eu penso que esta é a vocação de todas as monjas carmelitas. Tudo que elas fazem, dizem ou pensam no pequeno mundo do mosteiro tem um significado eterno e universal. No passado encorajei um maior contato entre os frades e as monjas para fomentar um senso maior de família entre nós já que somos irmãs e irmãos. Temos um dever sagrado de ajudar-nos uns aos outros de modo prático mas, acima de tudo, de modo que possamos viver nossa vocação em sua plenitude. O modo mais importante pelo qual as irmãs podem ajudar aos outros membros da Família Carmelitana é por meio da oração e do sacrifício diário. A partir de sua perspectiva contemplativa, elas podem nos lembrar de nossa vocação profética comum de dar testemunho do amor de Deus pelos pobres.

Não temos os meios para julgar o valor da oração e como ela ajuda aos outros. É uma questão de fé e sabemos pelos Evangelhos o quanto Jesus valorizava a fé. A oração e o sacrifício de Santa Teresinha pelos outros são bem conhecidos. Ela acreditou que foi apenas o amor que tornou possível para os apóstolos pregarem e para os mártires derramarem seu sangue (Man. B, 3v). Toda Família Carmelitana está unida em oração e, através da oração, abrindo-nos, como apenas ela o faz, à presença e à ação de Deus em nossas vidas.

*RUMO À TERRA DO CARMELO- UMA CARTA DO PRIOR GERAL PARA FAMÍLIA CARMELITANA. 25 de maio de 2002, Festa de Santa Maria Madalena de’ Pazzi.