Frei  Emanuel Boaga, O.Carm. In Memoriam

 

Depois da Bula Cum nulla  de Nicolau V e da transformação das pinzocheras professas solenes em monjas de clausura, na Itália e na Espanha as pinzocheras continuaram a vida florescente de professas solenes isoladas, ou que, refutando a clausura, viviam por vezes em comum (por exemplo já em 1498, as pinzocheras de Santa Maria da Esperança em Veneza,).

Não vivendo em clausura, ocuparam o terceiro lugar na escala dos grupos que formavam então a Ordem (religiosos, monjas, irmãs pinzocheras). Em diversas partes da Itália adotaram o nome de Terceiras, termo que se liga à divisão tripartida da Família espiritual.

Surge uma duvida a respeito da vocação das pinzocheras isoladas ou monjas-bizzoche di casa, fenômeno que dura geralmente até o século XVII-XVIII, ainda que pudesse haver nelas fortes motivações devocionais. Pensa-se que, no contexto da época, o celibato feminino podia ser incentivado ou até mesmo imposto pelos próprios pais das jovens, para as outras exigências não estritamente ligadas a uma genuína vocação ou devoção. Pode-se dizer que ha um paralelo entre esta vocação e a dos rapazes que eram encaminhados pela família para os estudos sacros em vista de um patrimônio eclesiástico ou de uma boa posição social . Aquelas que permaneciam na família recebiam uma certa quantidade de dinheiro (não propriamente com o valor de um dote ou parte devida da herança, mas chamado de legítima - por ser concedido a filha legitima). Ao invés, o Padre assegurava à família os proventos da sua atividade e do patrimônio eclesiástico de que usufruía. A monja isolada, renunciando ao matrimônio não constituía problema para o dote e herança, assumindo um papel de criada, submissa ao pai e aos irmãos.

Existem casos de monjas bizzoche di casa, que não sendo mais necessárias às famílias, por não terem descendência , após a morte dos irmãos achavam-se isentas dos votos e contraiam matrimônio  . Muitas vezes, na documentação da época, a vida deste tipo de mulher é descrita como sendo uma luz ambígua:  andam por toda a parte e até se pode  sentir muito mal cheiro por onde andam pois vivem falando de tudo e de todos, fazendo mexerico aqui e ali.  Em vista disto, no decorrer do tempo, o termos bizzoca, pinzochera e bigotta  assumem um sentido irônico, irrisório, negativo e de desprezo.

O nome Terciária ou Terceira gerava confusão: não se podia considera-las como seculares, pois não o eram, como no caso de terceiras de outras Ordens Mendicantes. Eram verdadeiras religiosas de profissão solene, agregadas aos conventos dos frades, e observantes da Regra e das Constituições dos frades.

Tal confusão, no clima geral do tempo, crescia também em ambientes não carmelitanos. Por conseguinte, depois do Concilio de Trento, houve uma série de decretos de Pio V que esclareceram com rigorosa interpretação o pensamento de Trento sobre a vida religiosa destas Terceiras: não se reconhecia mais como solenes os votos das pinzocheras ou Terceiras que não vivessem em clausura e, por isso, estas não eram verdadeiras religiosas, mas seculares. Em seus confrontos os bispos se mostravam reservados ou cheios de suspeitas: o Arcebispo de Trani, Scipione della Tolfa, com base nas intervenções de Pio V e Sixto V ameaçou com gravíssimas penas de suspensão a divinis  e de exílio a todos os regulares de qualquer Ordem que tratassem em qualquer modo com as bizzocare, que por sua vez também seriam despojadas do próprio hábito de forma ignominiosa.

Aos Decretos  de Pio V e de Sixto V a Ordem não reagiu de modo uniforme. Nos documentos da época que se referem às Pinzocheras ou Terceiras que usavam o hábito carmelitano, nem sempre é claro até que ponto estas gozavam dos privilégios e imunidades eclesiásticas concedidas pela Ordem a suas beatas. Com base na referida documentação, pode-se dizer que a Ordem mesmo segue duas direções:

-A manutenção dos três votos, a serem emitidos não mais segundo a Regra da Ordem (coisa a ser feita só pelas monjas de clausura) mas segundo um regulamento e estatuto proprio;

-Eliminou-se o voto de pobreza, tornando-se o de castidade segundo o próprio estado celibatário ou matrimonial (e, portanto, permanecia a possibilidade de contrair matrimônio).

Tal distinção dá origem a dois grupos de terceiras:

-As terceiras celibatárias com voto expresso de castidade (impedidas neste caso de contraírem matrimônio), e que observavam regulamentos próprios. Têm pleno gozo dos privilégios da Ordem Terceira, da qual acabam monopolizando o título;

-As mulheres não obrigadas ao celibato (as casadas), que eram consideradas como classe inferior às primeiras e  que foram praticamente, com o tempo, assimiladas ás co-irmãs da Ordem (ou seja, agregadas á confraria da Ordem).

Estas co-irmãs da Ordem não emitiam a profissão e, portanto, eram seculares. Contudo, participavam da fraternidade da Ordem, aceitando compromissos de vida espiritual não diferentes daqueles aceitos pelos terceiros Dominicanos e Franciscanos. As co-irmãs são a variante feminina dos confrades da capa branca, que tinham sua própria regra, e que na Espanha foram chamados de terceiros. Em 1476, Xisto IV tinha permitido aos Carmelitas de organizá-los como e segundo o modelo da Ordem Terceira de penitência dos outros Mendicantes.

Nos fins do século XVI estamos portanto diante de quatro grupos:

-Religiosos,

-Monjas, mulheres com voto expresso de castidade e impropriamente chamadas de terceiras que viviam isoladas ou em grupos;

-Co-irmãs e confrades de Hábito da Ordem, aos quais com maior exatidão deveria corresponder o nome de Terceiros ou Terciários.

 Deste último grupo se aproxima e se assemelha, ainda que em forma confusa, uma outra espécie de agregados: os membros das Confrarias do Escapulário.