Frei Joseph Chalmers  O. Carm. Ex- Prior Geral

Recordem-se da experiência de Elias. Apenas obteve a vitória para Yahvé, a rainha Jezabel o ameaçou e imediatamente as preocupações dentro de Elias o desanimaram e foi-se ao deserto, lugar tradicional de silêncio. Deus fala a Elias através do anjo para que possa continuar seu caminho. Elias tem dificuldade para ouvir a voz de Deus no meio de todos seus problemas, pero finalmente é levado até o Horeb. Quando chega, Deus lhe pergunta o que está fazendo. Elias responde que está cheio de zelo pela glória do Senhor, Deus dos exércitos; ele diz a Deus que é o único fiel em todo Israel. Deus não responde a isto, mas que diz-lhe que suba à montanha. Ali, Elias encontra Deus, pero não do modo que ele esperava, nem sequer do modo que sua tradição religiosa lhe havia ensinado a esperar Deus. Elias deve calar todas as vozes internas que lhe dizem que Deus é assim e assado, para poder receber verdadeiramente a Deus. Quando Elias se encontra com Deus, na modo que Deus se manifesta e não como ele esperava, está aberto a escutar a verdade que o livra das ilusões. Ele pensava que Deus necessitava dele porque era o último profeta que restava. Deus responde-lhe que há outros 7000 profetas que não se ajoelharam ante Baal. Então, liberado de suas ilusões, recebe uma nova missão da parte de Deus, que será cumprida por seu discípulo Eliseu, que recebe uma porção dupla do seu espírito.

Na nossa viagem de fé há momentos em que, seja em âmbito individual ou Provincial, somos levados ao deserto. Às vezes caminhamos pelo deserto seguindo a chamada de Deus e, outras, estamos nele por causa das circunstâncias. O deserto é árido e pode ser um lugar espantoso. O quê significa esta experiência? Temos feito o possível para ser fiéis à chamada de Cristo e segui-lo. Temos trabalhado em Paróquias ou Colégios durante muitos anos e, contudo, por algum motivo o futuro nos parece obscuro. Os sacerdotes e os religiosos perderam seu status social na sociedade e vem a tentação de não seguir adiante porque não vale a pena. Deus, então, nos envia um mensageiro. Este mensageiro pode aparecer de qualquer forma e nos anima a comer e beber porque a viagem é longa. Somos convidados a comer o pão da vida e a beber nos poços do Carmelo, quer dizer, na tradição carmelita, que deu vida a tantas gerações antes de nós, e isto por causa da vida nova que está surgindo em muitas partes da Ordem. Talvez estejamos rígidos por demais para reconhecer tudo isto, então o mensageiro de Deus nos anima de novo a comer e beber. É um grande desafio reconhecer o que Deus está nos dizendo em nossa vida diária e, sobretudo, reconhecer a voz de Deus através da voz inesperada de outra pessoa.

 Não sei se Deus provoca tudo o que sucede ao nosso redor, porém creio firmemente que Deus está no meio dos acontecimentos, bons ou maus. Deus utiliza tudo, pequeno ou grande, bom ou mau, para desafiar nosso modo normal de estar no mundo, da mesma forma que desafiou Elias para que abandonasse todas as expectativas que tinha sobre o modo como devia ir ao seu encontro. Estas expectativas estavam profundamente enraizadas em Elias e também nossas expectativas estão profundamente enraizada em nós. Antes que podamos receber a Deus, tal como Ele realmente é, temos que aprender a abandonar todas estas coisas. É um processo doloroso, uma verdadeira noite escura, mas essencial, a fim de que possamos chegar à luz do dia e estar preparados para o encontro com Deus.

Nossa tradição carmelita fala de uma viagem de transformação. Os acontecimentos da vida não estão desprovidos de significado. No centro de todo acontecimento, Deus nos está chamando para dar um passo adiante no caminho. Deus nos está chamando a dar um passo adiante em nossa maneira normal de julgar os outros, inclusive nós mesmos e as situações, para começar a ver as coisas da perspectiva de Deus. O fim da nossa viagem é nossa transformação, a fim de estar em condições de ver as coisas como se tivéssemos os olhos de Deus e amar tudo o que vemos como se tivéssemos o coração de Deus. Necessitamos comer e beber porque de outra forma a viagem será demasiada longa para nós. Encontramos o alimento diário para a viagem na celebração da Eucaristia, na meditação da Palavra de Deus e na nossa tradição carmelita.

Nossa fé, esperança e caridade, as três virtudes cristãs fundamentais, estão ao início da nossa viagem, baseadas no que temos aprendido dos outros. Os motivos humanos para crer, esperar em Deus e amar como Cristo mandou, não são suficientes em nossa viagem. Podemos esquecer tudo, pois a viagem é muito precária e o seu final não é certo; podemos recusar o mensageiro e ficarmos onde estávamos ou, podemos continuar a viagem no meio da noite. Um elemento essencial para a nossa viagem para a transformação é a noite escura. Esta nunca foi entendida como algo deprimente ou impossível, mas como um convite para abandonar nossos modos humanos e limitados de pensar, amar e agir, a fim de que podamos pensar, amar e agir segundo os modos divinos.

São João da Cruz descreve de maneira magistral os diversos elementos da noite, mas estes não são iguais para todos. Cada pessoa experimenta a noite de um modo diferente, pois está posta para ajudar ao indivíduo em sua purificação. A noite escura não é um castigo pelo pecado ou pelas infidelidades, mas é um sinal da proximidade de Deus. A noite escura é a obra de Deus e conduz à plena libertação da pessoa humana. Por este motivo teríamos que dar as boas-vindas à noite, a pesar da dor e da confusão. A noite escura não é somente para pessoas individuais, mas para os grupos ou sociedades interas.

A viagem de transformação é habitualmente longa porque a purificação e a mudança da pessoa humana são muito profundas. Esta não é somente uma mudança de idéias ou de opinião, é uma completa transformação em nossa relação com o mundo que nos rodeia, com os outros e com Deus. Existe um provérbio: não julgue nenhuma pessoa até não tenha caminhado um quilômetro e meio com sapatos dela. Jesus disse aos seus seguidores que não julguem e o motivo é muito simples: não podemos ver as cosas da perspectiva de outra pessoa e por isso não conhecemos os motivos de suas ações. O processo de transformação cristã conduz a pessoa humana a uma mudança profunda de perspectiva: do seu ponto de vista, ao ponto de vista de Deus. Isto inclui uma purificação profunda e um esvaziamento de todos os nossos apegos para que possamos ser cheios de Deus.

Certamente devemos planejar e trabalhar para sua realização. Temos de fazer tudo isto numa atmosfera de oração para tratar de discernir a vontade de Deus e não somente o que quer a maioria, ou pior, o que nós queremos fazer de maneira egoísta. Inclusive se oramos antes de tomar as decisões, não há uma garantia de êxito. Sabemos por amarga experiência como surgem problemas para invalidar nossos planos e obstaculizar nossas intenções.

Esta experiência não deve tornar-nos em fatalistas, negando os planos para o futuro porque tememos o fracasso. Temos um chamado a trabalhar com Jesus Cristo para a construção do Reino de Deus. Para chegar a converter-nos em cidadãos do Reino de Deus, temos que mudar. Deus está realizando uma obra prima na vida de cada um de nós e está levando a cabo o seu desígnio de salvação através do nosso trabalho ou do trabalho da Província. Um artista não gosta de mostrar sua obra antes que esteja acabada, por isso não podemos ver o que Deus está fazendo antes do tempo apropriado. Deus está trabalhando em nosso mundo e em nossa vida. Cooperemos com Deus e continuemos a nossa viagem até a transformação. A Virgem nos acompanha nesta viagem como nossa Mãe, Irmã e Patrona. No duvidemos: “Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais penetrou no coração do homem o que Deus preparou para os que o amam.” (1 Cor. 2,9).