Por Malu Gaspar

 

Apesar das pressões internas e externas para que tome alguma providência em relação às manifestações golpistas que ainda ocorrem nas portas dos quartéis, a alta cúpula do Exército optou por uma solução salomônica: tentar segurar os seus, enquanto espera que os protestos "morram" naturalmente.

Nos últimos dias, enquanto a reunião do Alto Comando ocorria em Brasília, comandantes de unidades receberam dos superiores hierárquicos a orientação para reforçar entre os subordinados a ordem para se manter longe das redes sociais e dos atos golpistas que pedem a anulação do resultado das eleições e intervenção militar para barrar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

Para o público externo, porém, a orientação é a de se manter em silêncio para esperar que os bolsonaristas se cansem e se desmobilizem - o que, esperam, deve ocorrer de forma natural após a posse de Lula e a saída de Bolsonaro do Palácio do Planalto.

A ordem para a tropa se já havia sido dada em outras ocasiões desde que as manifestações começaram, mas alguns episódios ocorridos nos últimos dias e discutidos no Alto Comando levaram a esse "reforço".

O primeiro foi uma carta apócrifa que circulou nas redes, em que coronéis supostamente pedem o “imediato restabelecimento da lei e da ordem”.

Embora o texto seja apócrifo, é dado como certo no Exército que o grupo de signatários é composto por coronéis e praças de várias patentes.

Outra questão que azedou o clima no Alto Comando foi a campanha de disseminação nas redes bolsonaristas contra três de seus membros: o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, chefe do estado-maior do Exército, Valério Stumpf, e o comandante militar do Sudeste, Tomás Miné Ribeiro de Paiva.

Por estarem entre os três mais antigos do generalato, os dois últimos são cotados para assumir o comando da força no governo Lula. O terceiro entre os mais antigos é o general Arruda, atual chefe do Departamento de Engenharia e Construção.

Considerados moderados, esses generais aparecem em mensagens dos grupos e plataformas digitais identificados por fotos acompanhadas por textos-legendas que os tratam como traidores e “melancias” (verdes por fora e vermelhos por dentro).

Como há vários bolsonaristas na cúpula, criou-se um mal-estar que obrigou o ex-comandante do Exército e também bolsonarista Eduardo Villas Bôas a defendê-los no Twitter, pedindo que a tropa assegure “a tranquilidade necessária para a tomada de decisões por parte de nossos chefes”.

A iniciativa dos comandantes é uma tentativa de se equilibrar entre a pressão dos bolsonaristas, que insistem para que os militares ajam contra o TSE e tumultuem a conclusão do processo eleitoral, e outra ala do próprio meio militar que vê a participação da "família militar" e até de oficiais da ativa nas manifestações como atos de indisciplina que deveriam ser punidos.

O Regulamento Disciplinar do Exército proíbe que militares se manifestem publicamente sobre política, mas no governo Bolsonaro esse cânone militar foi seguidamente desprezado, com o aval do próprio presidente da República. A omissão dos comandantes militares acabou por banalizar manifestações como a divulgação nas redes de um vídeo gravado por um militar da Marinha, que veio à tona nesta semana.

Na avaliação de interlocutores de Lula na área da Defesa, os próprios militares abriram espaço para que os protestos contra o resultado das eleições ocorressem na frente dos quartéis, quando aceitaram assumiram o papel de "fiscalizadores do processo eleitoral" imposto a eles por Bolsonaro.

Agora, estão diante de um problema de difícil solução - ignorar a indisciplina da tropa e ajudar a fomentar a divisão entre golpistas e não golpistas, ou impor o regulamento militar e perder o controle da situação. “É uma saia justíssima de algo que deveria ter sido evitado desde o início”, afirmou um general à equipe da coluna.

Na dúvida sobre o que fazer, vão empurrando com a barriga, e torcendo para que a troca de turno no Palácio do Planalto ajude a acomodar a situação. Fonte: https://oglobo.globo.com 

O cantor e compositor Gilberto Gil é famoso por suas imensas virtudes artísticas, mas é também conhecido por ser absolutamente incapaz de fazer mal a alguém. Isso não impediu que um bolsonarista o importunasse e o ofendesse gratuitamente no Catar, onde o cantor estava para torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo.

Esse episódio, como tantos outros nos últimos tempos, comprova a absoluta incapacidade dos bolsonaristas radicais de viverem numa sociedade democrática. Esses extremistas não conseguem ver o outro como alguém cujas opiniões devem ao menos respeitar, e sim como inimigo que deve ser hostilizado e, no limite, eliminado, como, aliás, provam os diversos crimes políticos cometidos durante a recente campanha eleitoral.

Gilberto Gil é um patrimônio da cultura nacional. Não é preciso ser fã de sua música para reconhecer seu valor, sejam quais forem nossas convicções políticas. É perfeitamente possível gostar de Gil sem concordar com suas ideias ou posicionamentos. Mas bolsonaristas radicais não conseguem enxergar o mundo fora do cercadinho ideológico do qual são prisioneiros voluntários. Nesse cercadinho, mesmo um homem gentil e cordato como Gilberto Gil, aos 80 anos de idade, deve ser vilipendiado como um criminoso apenas porque é eleitor do petista Lula da Silva. E não basta humilhar: a cena do assédio deve ser gravada em celular e disseminada nas redes sociais, para gozo de outros extremistas.

São justamente esses celerados os que hoje se apresentam como campeões da defesa da democracia e da liberdade de expressão. No país que eles idealizam, a julgar por suas atitudes, quem não estiver alinhado incondicionalmente ao bolsonarismo deve procurar outro lugar para morar – do contrário, sofrerá dia e noite a perseguição de camisas pardas inconformados com a existência de gente que não pensa como eles. Isso obviamente não é democracia, muito menos civilização.

Quem hostiliza pessoas públicas em situações corriqueiras da vida social fere um pressuposto da vida democrática: o direito à pluralidade de ideias e visões de mundo. Os agressores, e isso vale também para quem aplaude esse tipo de espetáculo, partem da premissa de que seria correto intimidar supostos adversários políticos a ponto de constrangê-los a não sair de casa, sob o risco de sofrerem assédio e humilhação. Tal princípio é totalmente equivocado, pois ninguém tem o direito de infernizar a vida alheia − menos ainda se o motivo para isso for de ordem política ou ideológica.

De novo, é preciso lembrar que a democracia não só comporta vozes dissonantes, como extrai disso a sua força maior, isto é, a capacidade de solucionar conflitos por meio do diálogo político − e não da guerra. Por óbvio, há limites para quem se vale das liberdades democráticas com o intuito de implodir a democracia. Mas, de resto, as diversas tendências e expressões do pensamento devem, sim, ser toleradas e ter seu lugar assegurado na sociedade, desde que respeitem a lei.

Não há nada, numa sociedade civilizada, que ampare a humilhação pública de quem quer que seja. Logo, é completamente descabido desrespeitar alguém, seja figura pública ou não, com base em sua atuação ou preferência política. Agir dessa forma só contribui para calar vozes e para reduzir o debate público a uma briga de torcidas. É curioso, e não deixa de ser contraditório, que bolsonaristas extremados, cujos discursos exaltam o direito à liberdade, protagonizem ou endossem cenas como as registradas no Catar. Julgar-se autorizado a ofender e atazanar opositores em nome da liberdade de expressão é prova de rematada ignorância cívica e de inegável vocação autoritária.

Que ninguém se engane: a sociedade brasileira só tem a perder com a falta de tolerância e com o desrespeito. Discordâncias políticas são bem-vindas e ajudam o País a avançar. Divergir, no entanto, mesmo quando se tem razão, não dá a ninguém o direito de ofender e tentar calar quem pensa diferente. Cada milímetro de avanço da incivilidade no Brasil é uma chance a menos para que o País resolva seus impasses e caminhe rumo ao desenvolvimento social, político e econômico. Fonte: https://www.estadao.com.br 

Heresia política

Projeto da Bíblia imutável contraria a laicidade e expõe ignorância de deputados

 

 

Funcionários trabalham na gráfica da Sociedade Bíblica do Brasil, em Barueri (SP) - Carlos Cecconello/Folhapress

 

"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." A célebre passagem do Evangelho de Lucas parece se aplicar bem a um projeto de lei que, de forma inexplicável, foi aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados.

Com um único e genérico artigo, a norma proposta pelo deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) veda "qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos, sendo garantida a pregação do seu conteúdo em todo território nacional".

O pastor deputado, vale lembrar, é reincidente em propostas estapafúrdias. Recentemente, quis proibir o uso da palavra "Bíblia" e da expressão "Bíblia Sagrada" fora do contexto tradicional cristão.

As pretensões, agora, soam ainda mais absurdas. Ao propor que as instituições brasileiras protejam o texto sagrado de uma religião específica, o dispositivo afronta o princípio constitucional da laicidade do Estado —vale dizer, o poder público não se mistura com religião, sem apoiar nem discriminar qualquer forma de devoção.

Caberia indagar, por exemplo, se o mesmo se aplicaria ao Corão muçulmano ou à Torá judaica, para ficar apenas nas outras grandes denominações monoteístas.

A tentativa de inscrever em pedra o livro sagrado cristão comete ainda o sacrilégio de tratar as Escrituras como um texto único, que não comporta variações.

A Bíblia é múltipla. Há a versão católica, estabelecida finalmente no Concílio de Trento, no século 16, e a variante protestante, que conta com sete livros a menos e é a utilizada pelos evangélicos —para nada dizer da Bíblia ortodoxa e de outras denominações minoritárias do cristianismo.

Além disso, há diferentes traduções da Bíblia em português, cada qual com suas próprias nuances, vertidas tanto do latim como do grego, no caso do Novo Testamento. Qual deveria ser tombada?

Tantos disparates, lamentavelmente, não foram suficientes para evitar que a proposta recebesse o apoio maciço dos partidos, da direita à esquerda —decerto como uma estratégia para granjear a simpatia de um crescente eleitorado evangélico. Apenas Novo, Rede e PSOL manifestaram-se de forma contrária ao texto absurdo.

Só resta agora esperar que o Senado não cometa o mesmo pecado da Câmara e barre essa heresia à Constituição e ao bom senso.

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Antes de deixar a Presidência, Bolsonaro planta aliados na Comissão de Ética e, por ora, nada permite prever a moderação de seus seguidores antidemocráticos e violentos

 

Por Rolf Kuntz

A semana começou com uma piada pronta, Jair Bolsonaro recorrendo a uma comissão de ética, mas a graça logo sumiu, quando golpistas alinhados ao presidente derrotado intensificaram bloqueios de estradas e violências contra pessoas. As manobras chegaram também à Justiça. A tentativa do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de contestar de novo a eleição foi parte de mais um conjunto de ações antidemocráticas lideradas ou apoiadas pelo chefe de governo. A jogada foi repelida e punida pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, com multa de R$ 22,9 milhões e bloqueio do fundo partidário. Dirigentes do PP e do Republicanos, partidos da coligação bolsonarista, negaram envolvimento na ação e deixaram o PL sozinho na aventura. Faltam, no entanto, autoridades policiais empenhadas em reprimir o banditismo bestial voltado até contra crianças.

Banditismo foi praticado por quem impediu um pai, em Mato Grosso, de levar um menino de nove anos para uma cirurgia no olho. “Que fique cego”, disse um dos manifestantes armados. O garoto foi finalmente levado, depois de horas, por um caminho no meio de uma fazenda. Em Goiás, um bloqueio de estrada retardou o envio de um coração a São Paulo para transplante. Em Rondônia, uma mulher deixou de assistir aos momentos finais da mãe porque manifestantes dificultaram sua passagem. Ainda em Mato Grosso, estudantes tiveram de caminhar quilômetros para fazer a prova do Enem, porque seu ônibus foi impedido de passar.

O mesmo banditismo político tem dificultado a vida de brasileiros em todo o País, principalmente depois da derrota eleitoral de Jair Bolsonaro. Já não é fácil distinguir ideologicamente quem bloqueia estradas, quem protesta nas cidades contra o resultado das urnas e quem se manifesta, diante de quartéis, pedindo intervenção militar. Qual a justificativa, nesta altura, para contestar a contagem dos votos? Que indícios fundamentam a dúvida? Que argumentos técnicos são invocáveis?

Se argumentos técnicos e legais se tornam irrelevantes, insistir no protesto deixa de se confundir com o mero exercício de um direito básico. Já não se protesta para expressar uma dúvida legítima. Protesta-se para acompanhar quem rejeita o resultado oficial da eleição. Se todos se misturam dessa forma, são todos, na prática, igualmente perigosos para a democracia. Desejável para alguns, a quebra institucional pode ser apenas um risco imaginável para outros. Mas, se esse risco é aceito, quem de fato se exclui, na prática, do campo dos extremistas, dos indivíduos dispostos a admitir um golpe?

Essa pergunta é especialmente importante, neste momento, por seu sentido prático. Com ou sem banditismo explícito, a ação dos extremistas é inegável e, obviamente, bem vista pelo presidente Jair Bolsonaro e por seus companheiros. Para ele, a disputa eleitoral de nenhum modo se encerrou com o resultado oficial. Enquanto puder contestar as urnas de alguma forma, ele insistirá nesse jogo. Ao tentar uma ação perante o TSE, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, claramente cumpriu uma tarefa ditada por seu líder atual.

A mesma tarefa é cumprida, de modo mais barulhento, mais escandaloso e de forma criminosa, por quem bloqueia ruas e estradas e se impõe pela força aos demais cidadãos. A omissão de autoridades policiais tem facilitado a movimentação golpista. Criticada por alguns como excessiva, a ação do ministro Alexandre de Moraes tem criado algumas das poucas barreiras montadas, até agora, contra pressões golpistas.

Mas o presidente derrotado já vai além da contestação das urnas. Ao nomear aliados para a Comissão de Ética Pública da Presidência, com mandato de três anos, ele de alguma forma se infiltra na gestão de seu sucessor. Bolsonaro recorrendo à ética, ou a uma comissão de ética, seria apenas mais uma piada pronta, se a sua reação à derrota acabasse por aí. Outro presidente aceitaria o resultado da eleição, lamberia as feridas e trataria de se preparar para novas disputas. Para o atual chefe de governo as coisas devem ser mais complicadas. Para admitir sem esperneio a vitória do oponente, na disputa eleitoral, é preciso ser mais adaptado ao jogo democrático. Além disso, deixar a função pública envolve o risco de enfrentar a Justiça comum, sem os possíveis benefícios do foro especial.

Discípulo de Donald Trump, Bolsonaro provavelmente se esforçará, com a colaboração de seus filhos, para continuar mobilizando forças antidemocráticas. Trump tem tido algum sucesso nesse tipo de mobilização, embora tenha fracassado em todas as tentativas de contestar a vitória eleitoral do democrata Joe Biden. Seus seguidores mais entusiasmados, assim como os de Jair Bolsonaro, parecem dar pouca importância ao fracasso de seu líder diante das instâncias oficiais.

Mas o sucesso de Trump em manter tantos seguidores pode ser instrutivo para os brasileiros comprometidos com a democracia. Seria imprudente, agora, imaginar um quadro muito menos perigoso a partir de 1.º de janeiro. Melhor esperar um pouco mais antes de relaxar.

*JORNALISTA Fonte: https://www.estadao.com.br

Após fala do presidente eleito sobre eventual responsabilização de igrejas por mortes decorrentes da falta de imunização contra Covid-19, líderes religiosos acusaram o petista de perseguição religiosa e de revanchismo devido ao apoio do segmento a Bolsonaro

 

Por Fernanda Alves — Rio de Janeiro

Declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre eventual responsabilização de igrejas evangélicas por mortes decorrentes da falta de vacinação contra a Covid-19 repercutiram negativamente entre lideranças religiosas. Pastores de diversas denominações criticaram o petista e o acusaram de perseguição religiosa após o segmento não apoiá-lo para o Palácio do Planalto.

A fala de Lula ocorreu durante uma reunião fechada com representantes de associações médicas e instituições de saúde. O encontro virtual, que durou cerca de três horas, tinha como objetivo discutir a vacinação de Covid-19.

“Eu pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe delas: ‘Olha, qual é o comportamento de vocês nessa questão das vacinas? Ou vamos responsabilizar vocês pela morte das pessoas?”, disse Lula na reunião.

A fala tem impacto negativo na estratégia política do próprio presidente eleito, que internamente fazia movimentos para se reaproximar de parlamentares e pastores que até outro dia compunham a principal base de apoio de Jair Bolsonaro, mas que também já apoiaram Lula no passado.

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, divulgou um vídeo em suas redes sociais onde ataca o PT e diz que o presidente eleito tem “preconceito com a igreja evangélica”.

“O PT não tem moral de cobrar nada sobre pandemia e nem sobre a Saúde, essa que é a verdade. (...) Que moral o Lula tem para cobrar alguma coisa? Vai lavar essa sua boca de cachaça. você só está aí porque tem amiguinho no STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou você. Você foi condenado em todas as instâncias por corrupção. Quero ver que líder evangélico que vai receber esse crápula”, disse Malafaia no vídeo.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, que chegou a ser convidado para um encontro com Lula logo após a divulgação do resultado das eleições e não aceitou, foi mais uma das vozes críticas às declarações de Lula.

“Descondenado, a ampla maioria das igrejas não tem nenhum interesse em recebê-lo! Prove qual igreja evangélica que falou contra a vacina! Você só tem preconceito e ódio!”, publicou em sua conta no Twitter.

Pastor da Assembleia de Deus Ministério Madureira, uma das maiores denominações evangélicas do Brasil, o deputado reeleito Otoni de Paula (MDB-RJ) afirma que a fala de Lula indica que ele desconhece a realidade das igrejas.

— Ou Lula não conhece as igrejas ou age com revanchismo porque a maioria dos evangélicos caminhou com Bolsonaro. A Assembleia de Deus Ministério de Madureira, por exemplo, foi grande incentivadora da vacina, até porque era necessário que os membros estivessem vacinados para retornar aos cultos. Tanto que determinou, em uma de suas convenções, o incentivo e engajamento à vacinação. No mais, é estranho essa cobrança dos pastores e não de outros setores ou líderes da sociedade. É injusto o presidente eleito colocar essa pecha de negacionista na igreja — criticou Otoni.

Fundador e líder da Catedral do Avivamento, igreja ligada à Assembleia de Deus, o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) afirmou, em vídeo publicado em suas redes sociais, que "Lula se revelou" e classificou a postura do petista como "rancor de não ter tido nosso apoio na eleição".

— Lula se revelou. É uma loucura. É a esquerda sendo esquerda, inventando histórias para culpar quem se mostra contra eles. Lula está ameaçando os evangélicos por rancor de não ter tido nosso apoio na eleição — disse Feliciano, em mensagem ao presidente eleito.

 

Contraponto

Filho do pastor R.R. Soares, fundador e líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, o deputado David Soares (União-SP) foi em direção diferente e preferiu não confrontar a declaração de Lula. Questionado, ele afirmou que sua igreja “é 100% a favor da imunização” e que tomou quatro doses da vacina contra a Covid-19. David também disse ter visto apenas trechos do que disse o petista, mas deixou as portas da congregação abertas para sua visita.

— O presidente, tendo contato com as lideranças das igrejas, verá que apoiamos a vacinação por completo. Tomara que ele as procure — afirmou David que, como o pai, apoiou a reeleição de Bolsonaro. Fonte: https://oglobo.globo.com

Molecagem

O PL mostra-se tacanho e golpista ao defender que as urnas cujos votos rejeitaram Bolsonaro não devem ser computadas no resultado final. Não cabe na democracia tal molecagem

 

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

Neste ano, o PL elegeu 99 deputados federais e 8 senadores. Com o resultado, a legenda de Valdemar Costa Neto terá, a partir de 2023, a maior bancada da Câmara e do Senado, com 14 senadores ao todo. No entanto, o partido parece não apenas indiferente ao apoio recebido nas urnas, como também alheio à responsabilidade que o voto confere em uma democracia, portando-se como um grupo golpista. Na terça-feira, o PL pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a anulação dos votos de 279,3 mil urnas eletrônicas no segundo turno, sob a alegação de “mau funcionamento” do sistema.

A ação do PL é um deboche do início ao fim. No sábado passado, ao anunciar a propositura do pedido de anulação, Valdemar Costa Neto reconheceu a lisura e a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. “Eu disputo eleições desde 1990 e as urnas estão aí desde 94. Nunca tive preocupação com isso”, disse. No entanto, a “insistência de Bolsonaro para ver esse assunto” teria levado o partido a descobrir algum possível questionamento perante a Justiça Eleitoral.

“Eles insistiram comigo, aí insisti com o pessoal, eles foram lá e descobriram isso aí”, disse o presidente do PL, escancarando a seriedade e a motivação da descoberta do suposto problema envolvendo 279,3 mil urnas eletrônicas. E qual foi o gravíssimo problema encontrado pelo PL a justificar a anulação de todos os votos depositados nessas urnas? Não se sabe. A rigor, não foi apresentado nenhum problema ou fraude. A legenda disse apenas que as urnas anteriores a 2020 têm o mesmo número de patrimônio. Como isso pode ter interferido no resultado do pleito a justificar o extravagante pedido de anulação dos votos, ninguém explicou.

Eis a irresponsabilidade do PL. Um devaneio golpista de Jair Bolsonaro é suficiente para que a legenda peça à Justiça Eleitoral a anulação dos votos de 279,3 mil urnas eletrônicas, urnas estas que funcionaram perfeitamente nas eleições de 2018 e no primeiro turno de 2022. Segundo o pedido do PL, o problema nas urnas – que ninguém sabe exatamente qual foi – teria ocorrido apenas e tão somente quando o candidato do PL à Presidência da República perdeu.

Perante tão evidente disparate, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, determinou que o PL apresentasse um relatório completo sobre as eleições, e não apenas sobre supostas irregularidades no segundo turno. Afinal, como menciona o despacho da Justiça Eleitoral, as urnas foram usadas nos dois turnos e, portanto, o pedido deve, por princípio, abranger todo o pleito, sob pena de indeferimento.

A pronta resposta do TSE ao PL foi muito oportuna. Não cabe dar nenhuma margem a esse tipo de golpismo, cujo objetivo é criar confusão e instabilidade. Neste momento, o País precisa justamente do oposto. Todos, muito especialmente as autoridades e lideranças políticas, têm o dever de respeitar plena e incondicionalmente a voz da população manifestada nas urnas.

A resposta do PL à demanda da Justiça Eleitoral é irrelevante, pois a iniciativa do partido, em si mesma, não passa de uma rematada farsa, arquitetada para satisfazer a psicopatia golpista do bolsonarismo, movimento liberticida do qual o PL se tornou hospedeiro. Antidemocrática e irresponsável, a ação do PL revela, de forma cristalina, o valor que o bolsonarismo confere ao voto do eleitor. Quando os votos não são favoráveis a Jair Bolsonaro, então não valem nada.

É desolador que o presidente da República – eleito precisamente pelo voto depositado nas urnas que agora contesta – e o maior partido do Congresso manifestem tamanho descompromisso com o regime democrático e com o interesse público. Revelam-se assim não apenas tacanhos, incapazes de reconhecer uma derrota eleitoral, mas inaptos a funções públicas num regime democrático. Não cabe no Estado Democrático de Direito tal molecagem, tal desprezo pelo eleitor, tal indiferença com a lei.

Em sua inépcia, a ação do PL reitera uma vez mais a lisura das urnas eletrônicas. Não há rigorosamente nada a contestar. O que falta a alguns é a honradez de aceitar a vitória do adversário – mas isso não é um problema técnico, e sim de caráter. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

O uso da religião nas eleições é só a ponta de um processo maior de reenquadramento (‘reframing’) da esquerda em chave moral.

 

Nicolau da Rocha Cavalcanti, O Estado de S.Paulo

Neste ano, a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro apresentou Luiz Inácio Lula da Silva como inimigo da religião. Segundo esse discurso, a eleição do candidato do PT à Presidência da República colocaria em risco a liberdade religiosa no País.

Utilizar o tema na campanha foi arriscado. Se existe um assunto em que Lula tem um histórico muito positivo, ele é justamente a defesa da liberdade religiosa. Pelo visto, Jair Bolsonaro apostou na ignorância de seu eleitor em relação aos fatos ocorridos no segundo mandato de Lula.

Em 13 de novembro de 2008, sob a presidência de Lula, o Brasil firmou com a Santa Sé o acordo relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. No ano seguinte, o Congresso aprovou o tratado e, em 2010, o presidente Lula editou o Decreto n.º 7.107/2010 promulgando o Acordo Brasil-Santa Sé. Trata-se de um tema difícil e complicado, cheio de percalços e ressentimentos históricos. Eventual incompreensão sobre o assunto poderia gerar alto custo político para o presidente da República. No entanto, de forma corajosa, Lula assumiu o risco e fez com que o Acordo Brasil-Santa Sé fosse assinado e aprovado. Em todo o mandato de Jair Bolsonaro, não houve nenhum ato do governo federal em favor da liberdade religiosa tão arriscado politicamente. Sempre que Bolsonaro falou de religião foi em benefício político próprio.

O Acordo Brasil-Santa Sé, que, entre outros pontos, protege o ensino religioso facultativo, é um tratado sofisticado juridicamente, que respeita o caráter laico do Estado brasileiro. O texto não concede tratamento privilegiado à Igreja Católica, nem muito menos atribui status de verdade à sua doutrina. Afinal, o Estado laico é incompetente para se manifestar sobre temas religiosos. O Acordo Brasil-Santa Sé apenas concretiza no âmbito católico o conteúdo das disposições constitucionais sobre a liberdade religiosa.

Sem entrar em questões religiosas, o Acordo Brasil-Santa Sé reconhece que, para o exercício da liberdade religiosa, é preciso haver uma proteção jurídica das igrejas. Reafirma-se, no artigo 3.º, “a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as instituições eclesiásticas (…), desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras”.

No artigo 7.º, o Brasil compromete-se a adotar, segundo seu ordenamento jurídico, “as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo”. Bastaria a leitura desse artigo, assinado enquanto Lula era chefe de Estado, para pôr por terra as acusações de Bolsonaro de que o candidato petista teria a pretensão de perseguir a prática religiosa no País.

O Acordo Brasil-Santa Sé aborda, com grande respeito à natureza específica do fenômeno religioso, um dos aspectos mais sensíveis (também do ponto de vista financeiro) do funcionamento das igrejas. O tratado reconhece que “o vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as dioceses ou institutos religiosos e equiparados é de caráter religioso e, portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica”. Com esse artigo, Lula e o Congresso Nacional, que depois aprovou o acordo, proporcionaram segurança jurídica para a operação das igrejas e, consequentemente, para a vivência religiosa.

Na sessão legislativa em que a Câmara aprovou o Acordo Brasil-Santa Sé, foi também aprovado um projeto de lei aplicando disposições similares às do tratado a todas as religiões. Depois, a proposta de uma Lei Geral das Religiões foi arquivada no Senado, onde era relator o então senador Marcelo Crivella.

Tudo isso foi realizado num governo do PT, que, segundo Bolsonaro, perseguia igrejas. Relembrar esses episódios ajuda a mostrar como é fácil, em campanha eleitoral, distorcer a realidade. Mas a questão é mais profunda. O uso da religião nas eleições é apenas a ponta de um processo maior – operado pelo que se convencionou chamar de “extrema direita” – de reenquadramento (reframing) da esquerda em chave moral, e não política. O elemento constitutivo da esquerda seria o “discurso desviante” dos intelectuais, dos artistas, das universidades, dos organismos internacionais. Sob esse enfoque, resistir à esquerda deixa de ser simples escolha política, para se tornar um imperativo moral-religioso de defender o que intitulam ser o “Brasil profundo”, uma peculiar imagem de país construída a partir de suas próprias referências e preferências. Como se vê, trata-se também de um processo de exclusão do outro e de sua cidadania: quem pensa diferente torna-se menos brasileiro, menos patriota.

É urgente qualificar o debate público. A política não pode ser uma arena de pânico, e sim diálogo de razões públicas. É legítimo fazer oposição a Lula, mas dizer que ele persegue as religiões é descumprir o 8.º mandamento da lei de Deus.

*ADVOGADO. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

'Nunca vi conflito entre religião e música porque fiz meu noviciado no Brasil', diz Cristina

 

Por O Globo

A freira italiana Cristina Scuccia, que emocionou os jurados do The Voice Itália em 2014 e ganhou o programa, anunciou, neste domingo, que deixou a vida religiosa para tentar a carreira de cantora. Depois de experimentar a fama, Cristina atualmente trabalha como garçonete na Espanha.

Na época do programa, Cristina estava entre as freiras do convento das Irmãs Ursulinas da Sagrada Família, em Milão, e venceu com sua performance de What a Feeling, música-tema do filme Flashdance (1983). Nas audições às cegas, ela cantou “No One”, da Alicia Keys. “Não consegui falar por vários minutos”, disse a jurada Raffaella Carrà, depois de descobrir que a voz pertencia a uma freira.

Mais tarde, elogiada por cardeais italianos, ela chegou a produzir um álbum e entregá-lo ao Papa Francisco.

Agora, oito anos depois, Cristina decidiu largar oficialmente o hábito para tentar seguir a carreira de cantora. De salto alto e terno vermelho, piercing no nariz e longos cabelos escuros, ela disse em um talk-show:

— Acredito que é preciso ouvir o coração com coragem. A mudança é sinal de evolução, mas é sempre assustadora porque é mais fácil se ancorar nas próprias certezas do que se questionar. Existe certo ou errado?

Cristina fez questão de pontuar que ter deixado a vida de freira não significa que ela tenha renunciado à sua fé.

— Escolhi seguir meu coração sem pensar no que as pessoas diriam sobre mim —, acrescentou.

Questionada sobre a decisão de participar do programa em 2014 sendo uma freira e se haveria um possível “conflito” entre música e religião, Cristina contou que tudo foi de comum acordo com as outras freiras e que o fato de ter realizado seu noviciado no Brasil a ajudou a ter uma outra visão sobre isso.

— Nunca vi o conflito entre essas duas realidades porque fiz meu noviciado no Brasil e ver freiras, padres e religiosos cantando no palco lá é muito natural. O Brasil purificou um pouco essa paixão em mim, tornou-se esse presente que eu tenho para dar. Ainda acredito no poder da música para transmitir mensagens importantes como esta —, disse. Fonte: https://oglobo.globo.com

Liberdade de expressão não é vale-tudo

Após quatro anos de bolsonarismo, é preciso recompor noção e exercício da liberdade de expressão. Há uma ideia equivocada sobre a palavra, como se fosse território da impunidade

 

Notas&Informações, O Estado de S. Paulo

Em 1988, o País restabeleceu, por meio da Constituição, a liberdade de expressão, de imprensa e de opinião. A censura da ditadura militar – definindo o que podia e o que não podia ser publicado, exposto ou escrito – ficava, assim, definitivamente extinta. Para impedir eventuais retrocessos no futuro, inseriu-se no texto constitucional uma cláusula pétrea sobre o tema: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”.

Dessa forma, no Estado brasileiro, sempre será “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (art. 5.º, IV), como sempre será “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5.º, IX). A garantia dessas liberdades de forma permanente é fonte de paz e tranquilidade. Que cada um possa se expressar, comunicando aos outros o que acredita, é aspiração humana fundamental: é parte essencial da dignidade humana, é elemento necessário do regime democrático.

Mas, justamente para que todos possam exercer suas liberdades fundamentais, a liberdade de expressão não é uma autorização para dizer impunemente o que bem entender. Há limites. A Constituição assegura, por exemplo, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” – ou seja, a liberdade de expressão não dá direito a ofender. Por isso, o Código Penal prevê os crimes de calúnia, injúria e difamação. Todos têm direito a expressar sua opinião política, mas ninguém tem direito a caluniar, injuriar ou difamar quem quer que seja.

Outros exemplos de crimes previstos na lei penal envolvendo a comunicação são a injúria racial, a incitação ao crime, a comunicação falsa de crime e o ultraje ao culto religioso. Nada disso significa reduzir a liberdade de expressão. É antes o reconhecimento de que a palavra é importante e produz efeitos.

Todo esse arcabouço jurídico sobre a liberdade de expressão – suas garantias, seus limites e suas consequências – vem sofrendo um intenso e, em certa medida, inédito ataque nos últimos anos. A ameaça não é fruto de tentativas de emenda constitucional, inviáveis de prosperar em função da cláusula pétrea. O ataque é mais sutil e mais perigoso. Ele decorre de uma compreensão equivocada da ideia de liberdade de expressão, como se a palavra fosse território sem lei, isto é, como se houvesse um direito a falar o que bem entender, em um contexto de irrestrita irresponsabilidade.

O quadro atual é desafiador. Essa compreensão equivocada da liberdade de expressão não está mais restrita a pequenos grupos extremistas. Ela se difundiu. Fez-se cultura. A própria expansão da internet e das redes sociais, com a oferta de novos espaços de expressão, gerando novas percepções de liberdade, contribuiu para reforçar a ideia de que a palavra estaria imune não apenas a um controle prévio, mas à própria lei.

Tudo isso foi intensificado por Jair Bolsonaro ao longo de seus quatro anos na Presidência da República, ao transformar essa equivocada compreensão da liberdade de expressão em bandeira eleitoral. Não haveria limites, tampouco parâmetros objetivos. Sob o pretexto de liberdade, estaria assegurada ampla impunidade. Inúmeros, os exemplos envolvem desde negação de dados científicos e insinuações criminosas contra inimigos políticos até desinformação contra o regime democrático e o sistema de votação.

Agora, o País tem pela frente o desafio de resgatar a liberdade de expressão em sua dimensão de garantia e direito de todos. Ela não é instrumento de ataque de alguns que se acham mais espertos ou violentos. Nessa tarefa de recompor a noção e o exercício dessa garantia fundamental, o Poder Judiciário tem um papel especial, seja para evitar a impunidade de quem cometeu crimes, seja para ater-se aos limites de sua jurisdição – sempre lembrando que ao Estado não cabe organizar o debate público ou ser árbitro das ideias presentes numa sociedade. A liberdade de expressão é para valer, sem exceções. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

‘Não percam a fé, é só o que eu posso falar agora’, disse o ex-candidato a vice de Bolsonaro a militantes em Brasília

 

 

Por Johanns Eller

Uma declaração enigmática do general da reserva Walter Braga Netto (PL), vice na chapa derrotada de Jair Bolsonaro, deixou o bolsonarismo em polvorosa nesta sexta-feira. Após visitar o presidente no Palácio da Alvorada, o ex-ministro da Defesa conversou com apoiadores bolsonaristas e pediu que “não perdessem a fé”, sem elaborar.

A declaração de Braga Netto, que foi gravada, foi imediatamente recebida nas redes pró-Bolsonaro como um recado implícito aos apelos por uma virada de mesa eleitoral ecoados em protestos golpistas na porta de quarteis Brasil afora.

“Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”, disse Braga Netto aos militantes que permaneciam na entrada da Alvorada com adereços alusivos à bandeira do Brasil.

“A gente está na chuva, no sufoco”, interpelou uma bolsonarista com a voz embargada, tentando segurar o choro. “Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”, completou o ex-vice de Bolsonaro. Fonte: https://oglobo.globo.com

Os golpistas que sequestraram e estiolaram as cores nacionais ainda vão dar muito trabalho. As instituições que se preparem.

 

Eugênio Bucci, O Estado de S. Paulo

No feriado de 15 de novembro, data da Proclamação da República, subiu um pouco o número de pedestres que se concentram em frente a quartéis de algumas cidades brasileiras para requisitar um golpe de Estado. Tem sido assim desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proclamou o resultado das urnas, dando a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva. A turma que não se conforma exige que as baionetas anulem a eleição. Uma das faixas desfraldadas em São Paulo, diante da sede do Comando Militar do Sudeste, ao lado da Assembleia Legislativa, anteontem, resumiu bem o espírito do pessoal: “Nação brasileira implora por socorro – SOS Forças Armadas”.

Como nomear esse tipo de coisa? Com acerto, a imprensa vem se valendo de adjetivos precisos: “atos golpistas”, “manifestações antidemocráticas” ou “inconstitucionais”. É o que são, de fato. Na linguagem do jornalismo, o emprego de qualificativos criteriosos dá mais objetividade, e não menos, ao que se descreve. Um ato público que solicita uma ruptura violenta da ordem democrática só pode ser definido como golpista, assim como um cidadão que tem nacionalidade brasileira e dispõe de passaporte brasileiro só pode ser definido como um cidadão brasileiro. As aglomerações às portas dos quartéis trazem uma pauta de reivindicações inconstitucionais e ilegais. Logo, são golpistas. Dar o devido nome aos fatos, com substantivos e adjetivos, é um dos deveres mais valiosos da imprensa – e é exatamente esse dever que a imprensa está cumprindo quando chama de golpistas as manifestações golpistas.

Não adianta dizer que são apenas reuniões “pacíficas” e “ordeiras”. Não são, não senhor. Do mesmo modo que uns minguados caminhoneiros bloquearam estradas pelo País afora, num levante criminoso e até agora muito mal explicado, esta turma quer estrangular as vias do Estado Democrático de Direito. Mais do que os caminhoneiros sabotadores, querem inviabilizar o País. O seu propósito não tem nada de “pacífico”, não tem nada de “ordeiro”. Quanto aos quartéis, em vez de se esgueirar na ambiguidade melíflua, deveriam se considerar ofendidos com o assédio da barbárie que se amontoa ao redor de seus muros.

O que mais chama a atenção, contudo, é o mau gosto infantiloide que há nisso tudo. As imagens mostram adultos em trajes auriverdes perfilados sobre o asfalto para brincar de “marcha-soldado”. O golpismo da temporada tem uma nota pueril, por mais que seja perverso. Uns batem continência. Outros marcam passo, desengonçados e balofos, como escoteiros da terceira idade. Sempre aparece alguém tocando corneta (e mal). Como crianças amedrontadas, pedem “socorro” à força bruta para dar cabo de assombrações que não existem. Um lá fez discurso e disse que os apartamentos de mais de 60 metros quadrados serão ocupados e repartidos pelo novo governo. Delírios imobiliários. O atual presidente (agora empenhado no abandono de emprego) se reuniu com Geraldo Alckmin e pediu a ele que ajudasse a livrar o Brasil do “comunismo”. Delírios reacionários. Um fantasma ronda a imaginação devastada dos crianções envelhecidos: o fantasma do fantasma do fantasma do comunismo.

A vestimenta dos circunstantes também merece registro. O pendão nacional virou um adereço prêt-à-porter que as senhoras mais ricas usam como um lenço, uma écharpe tropical. Os homens tendem a vestir a mesma peça como se fosse uma capa de super-herói, e há os que improvisam um capuz quando chuvisca. O lábaro emoldura o bárbaro estrilado.

Que espetáculo desconcertante. Quando vemos as vagas em verde-amarelo pela televisão, a cena parece saída de um daqueles filmes de zumbis. Os tipos que se movem na tela, implorando a intercessão da brutalidade, lembram mortos-vivos políticos adornados pelo estandarte pátrio e armados de telefones celulares. Deserdados pela ditadura militar extinta, transitam num limbo entre a tirania defunta e a ordem democrática em formação. Eles não souberam se desprender do que a História já cuidou de sepultar e não se sensibilizam com o que a Nação presente tenta construir.

Com ares de comédia, o que vem se desenrolando é uma tragédia. Seria um erro zombar da situação. Dia destes, em Nova York, ao ser importunado por alguém que o perseguia na calçada com um celular dizendo frases de morto-vivo político, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso virou o rosto para trás, sem diminuir o passo, e disparou: “Perdeu, mané. Não amola”. A tirada do magistrado soa sardônica, mas o impasse é grave. As forças que procuram fazer regredir a roda da História nacional não estão aí a passeio. Por um triz, não ganharam as eleições. Suas performances são cafonas, sua estética é jeca e seu discurso, infantil, mas nunca, desde a redemocratização, estiveram tão organizadas e tão determinadas como agora.

As pequenas multidões de camisa amarela que agora acampam nas cercanias da soldadesca têm lá o seu quê de ridículo, mas o que elas expressam é mais profundo e ameaçador. Os golpistas que sequestraram e estiolaram as cores nacionais ainda vão dar muito trabalho. As instituições que se preparem.

*JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Ex-integrante do governo Bolsonaro, Regina Duarte aderiu a uma tática infame utilizada pelos nazistas para atacar eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva. A atriz compartilhou uma publicação em seu perfil no Instagram com um “incentivo” para que petistas e pessoas que votaram em Lula coloquem uma estrela do PT na frente de seus estabelecimentos, para que sejam identificados.

Paralelamente, grupos bolsonaristas fazem circular listas de estabelecimentos de simpatizantes de petistas para serem boicotados pelos patriotas e cidadãos de bem do Brasil.

No início da década de 1930, nazistas passaram a identificar estabelecimentos judeus com o desenho de uma estrela, a Estrela de Davi, além de espalhar avisos na Alemanha para que patriotas e cidadãos de bem não comprassem ou utilizassem serviços dos estabelecimentos marcados.

Com o tempo, essa atitude da Alemanha acima de tudo progrediu para a destruição desses estabelecimentos com violência e, posteriormente, prisão e assassinato em massa dos judeus em campos de concentração. Cerca de 5 milhões foram exterminados no genocídio nazista, que ficou conhecido como Holocausto nos livros de História.

Deveria ser uma lição para nunca ser esquecida e repetida. Entretanto, a tática está sendo disseminada nas redes sociais bolsonaristas com o mesmo objetivo de discriminação.

Regina Duarte foi secretária especial de Cultura do governo Bolsonaro e se manteve fiel apoiadora dele durante a campanha eleitoral. Nas redes sociais, ela segue compartilhando notícias falsas, ignorando a marcação e bloqueios do Instagram, e dando seu apoio a manifestações antidemocráticas por um golpe de estado no país.

As manifestações antidemocráticas tem chocado o Brasil ao reproduzir gestos nazistas, fotografados entre simpatizantes do candidato derrotado, apesar da recusa dos envolvidos em admitir essa intenção. O período do 2º turno das recentes eleições presidenciais também trouxe à tona vários fatos preocupantes, relacionados ao nazismo, envolvendo estudantes brasileiros.

Em outubro passado, a polícia prendeu um grupo de jovens acusados de neonazismo, em Santa Catarina, com quem foram encontradas bandeiras nazistas e armas de fogo. Eles estavam envolvidos em disseminações de mensagens de ódio contra minorias e ataques a eleitores de Lula. Fonte: https://www.msn.com

Tenho o direito de manifestar minhas preferências políticas

 

A atriz Cássia Kiss participa de manifestação no centro do Rio de Janeiro - Gabriel Rangel - 6.nov.22/AgNews

 

Cássia Kis

Atriz

Nos últimos dias, muito se tem falado a meu respeito. Falado mal, diga-se. Inclusive entre colegas de ofício a quem sempre respeitei como criaturas humanas e como profissionais, a boataria tem sido grande.

Pois bem: sejam pessoas que creem piamente no que dizem, sejam pessoas simplesmente maliciosas, ou ainda pessoas que seguem um rastilho de pólvora e repetem o discurso alheio sem se inteirarem dos fatos, desde já digo a todas elas o seguinte, neste espaço para mim aberto pela Folha: estão perdoadas, do fundo do meu coração.

Quem escreve estas linhas não é a Cássia protagonista de novelas da TV, mas a Cássia que assumiu o protagonismo da sua própria vida, com serenidade, após reencontrar na fé católica o barro de que é feita. Não busquei confrontos, mas também, na minha idade e com as minhas cicatrizes, não quis parecer o que não sou. Simples assim.

Embora eu não deseje o mal de ninguém, nem por isso aceito as pechas equivocadas que alguns têm lançado sobre mim. E por quê? Porque aprendi o valor de uma boa reputação, construída com trabalho e amor ao longo de muitos anos. E também porque aprendi que com a verdade não se brinca. Portanto, não posso simplesmente dar de ombros perante os murmúrios que atingem tanto a pessoa como a artista. Sei que a vida não é o palco, por isso procuro vivê-la com veracidade, não como se estivesse num teatro de máscaras. No meu caso, não estou representando ao me defender de falsos rumores com potencial destrutivo.

Dizem que, por assumir uma posição política conservadora, eu estaria "envergonhando" a classe artística. Se fosse apenas isso, tudo bem. Mas o zum-zum-zum chegou além, pois me atribuem intenções que não tenho, palavras que não disse e crises que não criei. A pressão sobre mim —verdadeiro assédio moral— ganhou contornos policiais, pois me chega a notícia de que estou sendo formalmente acusada de "homofobia" por um grupo de ativistas do Rio de Janeiro. Não, meus caros, não sou nem nunca fui homofóbica; sou no máximo mentirofóbica e idiotofóbica.

Meus detratores dizem que política e religião não se misturam, porque o Estado é laico. Mas eles estão justamente politizando a minha fé, talvez imaginando que rezar o terço, ir à missa aos domingos e me confessar com um sacerdote sejam atos políticos. Estão enganados. Ocorre que a Cássia que reza é a mesma cidadã que tem o direito constitucional de manifestar suas preferências políticas. Uma só pessoa, duas coisas diferentes.

Aos fãs, aos amigos, aos familiares, aos colegas de profissão e também aos inimigos de última hora, digo: neste momento de turbulência, a dor de ver gente boa virando-me a cara é superada, sim, pela alegria de encontros memoráveis com pessoas de carne, de ossos e de fé.

Não há um só dia em que eu não seja parada na rua por brasileiros comovidos com o meu proceder, e só trago isso a público para mostrar que existem corações pulsantes fora da bolha das redes sociais, fora dos pasquins de fofocas que se alimentam de escândalos. Corações e mentes do mundo real. A propósito, a solidariedade desses desconhecidos supre a falta de apoio de pessoas que, me conhecendo há tempos e tendo partilhado comigo ótimos momentos, tanto na vida pessoal como na profissional, não levantam a voz em minha defesa, talvez por medo de serem mal vistas.

É a vida. A vida como ela é na realidade, não como é pintada nos contos de fadas.

Dei o nome a um dos meus filhos de Joaquim Maria, em homenagem a Machado de Assis, nosso escritor maior, a quem sempre procurei fazer jus com o meu trabalho de atriz. E é pensando no Bruxo do Cosme Velho que procuro ver o lado irônico, e até cômico, de toda essa situação trágica.

Portanto, chamem o Simão Bacamarte! Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Existe no Brasil uma profunda crise cívica, que, com sua Babel de informações distorcidas, gera frustração e exasperação.

 

Nicolau da Rocha Cavalcanti, O Estado de S.Paulo

No ensaio A Torre de Babel, o filósofo político Michael Oakeshott descreve assim a conhecida história bíblica: “Eram dadas ordens que não eram obedecidas por não serem entendidas; temperamentos tornaram-se animosos; a exasperação espalhou-se; e a frustração atingiu tal dimensão que as pessoas de Babel não mais eram capazes de tolerar a presença umas das outras. Assim, não foi por meio de um dilúvio, mas por uma inundação de palavras sem sentido que o império de Nemrod foi destruído. (...) E o nome de Babel, que originalmente significara Cidade da Liberdade, adquiriu seu significado histórico: Cidade da Confusão”.

A descrição acima pode ser aplicada aos dias de hoje. Existe no Brasil uma profunda crise cívica, que, com sua Babel de informações distorcidas, gera frustração e exasperação. Há um déficit de confiança nas relações sociais: o outro – quem pensa diferente – deixou de ser merecedor da presunção de boa-fé; não se concede uma saída honrosa para a voz discordante. Nota-se também uma carência de ponderação, de equilíbrio: todas as afirmações são taxativas; não há tons intermediários. E há ainda uma ausência de afetividade, de sensibilidade: não basta discordar do adversário, é preciso torná-lo desprezível aos olhos de todos.

A população negou um novo mandato a Jair Bolsonaro, desvelando um horizonte mínimo para a reconstrução da racionalidade pública. Mas sua derrota política não soluciona, por si só, nossa crise cívica, que, alimentada pelo bolsonarismo, é anterior a ele. Não nos enganemos. É necessário requalificar nossas relações sociais, para que se possa reconstruir, pouco a pouco, um ethos de paz e de civilidade.

Destaco três aspectos que me parecem decisivos na reconstrução de um tecido social plural – respeitar o valor da verdade, o valor do outro e os limites da convivência –, consciente de que crises cívicas, por sua própria natureza, não se resolvem exigindo que os outros se comportem de determinada maneira. Elas são solucionadas pela difusão de uma nova confiança, de um novo equilíbrio, de uma nova sensibilidade. Os pontos a seguir não são, portanto, regras ou ordens para os outros. São caminhos possíveis, aptos a serem trilhados apenas livremente, sem nenhuma coação.

A convivência demanda respeito aos fatos. Nem tudo é opinião, nem todas as opiniões têm o mesmo valor. A liberdade de expressão não significa igualar todas as expressões. Uma mentira, ainda que seja dita um milhão de vezes, ainda que seja dita por alguém que admiramos, continua sendo mentira.

A ignorância produz desassossego. Respeitar o valor da verdade é incentivar o estudo, o diálogo, a leitura, o jornalismo. É ampliar o contato com outras perspectivas. É não repassar informação sem contexto. É não usar dados duvidosos para pavimentar nossa narrativa. É ajoelhar-se perante a complexidade do mundo. É não tornar absolutas nossas ideias. É não levar muito a sério nossa própria retórica. As redes sociais fazem com que nos inflamemos com o eco do nosso discurso.

Em segundo lugar, conviver é respeitar o outro, mesmo que ele use outra cor de camisa, mesmo que ele tenha outra cor de pele. Restabelecer o valor do outro é não normalizar a ameaça ou a agressão, física ou psicológica, como reação à discordância. É não chamar de bandido o ministro do STF simplesmente porque ele deu uma decisão contrária às minhas convicções. É não presumir má-fé. É não responder com o fígado. É olhar no olho. É não lacrar. É não aplicar contra o adversário as táticas que não queremos que sejam usadas com nossos amigos.

Por último, mas não menos importante, a convivência pede limites de interferência sobre a vida alheia. A laicidade do poder público – a separação entre Estado e religião – não foi resultado de reflexões abstratas. Ela nasceu de uma necessidade primária: a paz social. O novo standard de pluralismo gerado pela reforma protestante trouxe uma consequência política muito concreta: não há paz possível se o governante quer impor suas pretensões de verdade, de bem ou de virtude. No entanto, parece que nos esquecemos disso. O comportamento alheio nos escandaliza cada vez mais e queremos, indo muito além dos limites da lei num Estado Democrático de Direito, ditar como os outros devem viver, votar, amar ou mesmo sentir.

O integralismo produz conflitos sociais. A vitória numa eleição – seja no Executivo, seja no Legislativo – não dá direito de impor aos outros nossa concepção de vida, nossa ideia de moral, nossa leitura da Constituição. Quem diz estar de luto por discordar de quem será o próximo governante não entendeu nada do que é o âmbito de poder estatal. Num Estado totalitário, talvez possa fazer sentido esse sentimento. Num regime democrático, é uma resposta rigorosamente desproporcional.

O País está cansado. É tempo de respeitar o outro, de cuidar das palavras, de proteger a liberdade de todos e de cada um. É hora de serenidade. O fato de que não possamos submeter o governo e o mundo às nossas ideias não nos dá direito à histeria e, muito menos, à agressão.

*ADVOGADO. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Após vitória de Lula, pessoas de origem nordestina sofrem seguidas ameaças em Santa Catarina

 

Felippe Aníbal

Assim que viu que a jovem de vestido vermelho, o senhor de cabelos grisalhos saiu irritado da fila da padaria dentro de um supermercado em Florianópolis, Santa Catarina, na manhã de segunda-feira (31) – dia seguinte ao segundo turno da eleição, que terminou com a vitória de Lula (PT). Com o dedo em riste, o idoso avançou em direção a ela gritando uma série de desaforos. Atônita, a universitária M.E. ouviu o desconhecido dizer que ela “deveria morrer” ou “voltar para o Nordeste”. Escutou os insultos, quieta, sem reação, até que o desconhecido saísse. Na fila do pão, nem clientes nem funcionários do mercado tentaram defendê-la. Tampouco lhe dirigiram uma palavra de consolo que fosse.

Para M., o episódio da padaria foi uma escalada na onda de intolerância contra migrantes nordestinos ou seus descendentes deflagrada após o primeiro turno da eleição, quando os nove estados do Nordeste registraram votação majoritária em Lula – cenário que se repetiria no segundo turno. Aluna da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – onde ingressou pelo sistema de cotas raciais –, M. já tinha sido alvo de abordagens criminosas ao longo do período eleitoral, inclusive dentro do campus. Na última semana de outubro, ao cruzar o portão da universidade, um homem que tinha um bottom com insígnia da SS – organização paramilitar ligada ao Partido Nazista alemão – se aproximou dela e gritou: “Sua suja!” e “Volta para o Nordeste!”. A universitária fugiu apressadamente para o prédio em que estuda. M. se vê como uma mulher negra, mas diz que muitos a consideram parda, já que ela tem ascendência indígena. 

“É bizarro. Só pelo fato de eu não ser branca, as pessoas já inferem que eu vim do Nordeste e que votei no Lula, como se fosse algo pejorativo ou como se eu merecesse morrer por causa disso. É assustador”, contou a universitária de 22 anos, que nasceu no Recife, Pernambuco, mas que mora em Santa Catarina desde os dois anos de idade. “Eu não sei o nome, nunca tinha visto essas pessoas. Tenho receio de denunciar, porque também só sofremos preconceito por parte da própria polícia”, acrescentou. 

Na semana anterior ao segundo turno, M. estava na UFSC quando começou a circular no campus uma carta com ameaças a diversos grupos: “Nós iremos destruir todos vocês. Gays, negros, mulheres feministas, gordas, amarelos. Iremos limpar a universidade e fazer um mundo melhor para nossos filhos e netos.” Assinado por “SS” – uma provável referência à organização nazista –, o texto fazia referência direta às eleições: “Bolsonaro vai ganhar novamente e vai ser o fim de vocês nas [universidades] federais.” Antes disso, nas semanas que sucederam o primeiro turno, a UFSC já tinha sido alvo de pichações com alusões ao nazismo – inclusive, pedindo a morte de judeus.

A UFSC acionou a polícia. Em nota, a universidade afirmou que, além disso, está “fortalecendo mecanismos internos de ação, com a criação de uma Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional”. O reitor Irineu Manoel de Souza publicou um vídeo em que afirma que não haverá tolerância à discriminação e que a universidade dará “a resposta precisa e os encaminhamentos necessários para que a universidade siga num ambiente de paz, prosperidade, em um ambiente acadêmico humano”. 

Por meio de nota, a Delegacia de Repressão ao Racismo e a Delitos de Intolerância da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC/PCSC), da Polícia Civil de Santa Catarina, afirmou que está verificando a procedência das informações. As autoridades já vêm investigando células neonazistas em Santa Catarina, inclusive com atuação dentro da UFSC. Em outubro, quatro alunos foram presos em uma operação policial.

Enquanto as manifestações de intolerância avançam, M. mudou sua rotina. Como outros três episódios de ameaças verbais ocorreram na rua, ela abandonou as longas caminhadas em parques da cidade, como costumava fazer. Agora, tem ficado quase exclusivamente em casa – só tem saído em ocasiões indispensáveis e para ir à universidade, mas sempre acompanhada de “amigos brancos”. A universitária tem receio de que os episódios avancem para ataques com violência física. 

“Eu percebi que esses ataques só acontecem quando estou sozinha ou com amigos pretos. Quando eu estou com meus amigos brancos, isso nunca acontece. Sempre que eu tenho que sair sozinha, tem acontecido alguma coisa: gente me chamando de suja, mandando voltar ao Nordeste. Sempre com raiva, agressividade”, acrescentou a jovem. “Na eleição de 2018, já tinha acontecido parecido. Eu estava com minha amiga na rua, andando de braços dados. Escutamos [alguém gritar] que quando o Bolsonaro ganhasse não aconteceria mais, porque poderiam dar um tiro na gente. Mas agora está ainda mais pesado”, contou.

Acerca de 145 km dali, no município de Penha, Santa Catarina, a diarista S.C., mãe de M., também foi vítima de um episódio de intolerância na manhã seguinte ao segundo turno da eleição, quase no mesmo horário em que a filha foi xingada no mercado de Florianópolis. A mulher de 52 anos de idade se preparava para sair e deixar o lixo para coleta do lado de fora, quando um vizinho bateu à porta. De forma agressiva, disse-lhe que, por causa de nordestinos como ela, o país se tornaria “comunista”, com “famílias desorganizadas” e “homossexuais”. 

“Eu não consegui fazer nada, além de chorar”, disse S. “Algumas vezes, eu já tinha conversado pacificamente com esse senhor, que se diz cristão. Numa das vezes, falei que não gostava desse governo [de Jair Bolsonaro (PL)]. Eu evito falar de política. Fico com medo de isso se espalhar. Estou apavorada”, definiu.

O caso só amplificou o pavor que S. vinha sentindo desde a derrota de Bolsonaro nas urnas. Em um grupo de WhatsApp do bairro, voltado a discutir questões comunitárias, diversos moradores começaram a postar conteúdos de intolerância voltados a nordestinos ou descendentes. Alguns enviaram áudios com ameaças. “Esses baiano filho da puta, aí, vota no Lula, daí a merda agarra lá em cima, eles vêm aqui pra baixo vender capa de volante, cinta e carteira [sic]”, disse um. “Quando passar um nordestino vendendo rede, eu quero matar esses demônio [sic]”, ameaçou outro membro do grupo.

  1. é filha de pernambucanos que chegaram a São Paulo a bordo de um caminhão pau-de-arara em 1969 – meses antes de ela nascer na capital paulista. Há vinte anos, a convite de uma prima que morava na catarinense Penha, mudou-se para a cidade em busca de um lugar mais tranquilo para viver. Apesar das diferenças culturais, adaptou-se bem ao município, que tem 34 mil habitantes. Casou-se com um morador local – com quem vive até hoje – e se estabeleceu profissionalmente, trabalhando por dez anos como auxiliar de enfermagem em um hospital. Ao longo dos últimos anos, trabalha como diarista. Assustada, S. nunca tinha visto a onda de intolerância chegar a esses extremos. Ela atribuiu o recrudescimento da violência ao bolsonarismo – o candidato derrotado teve 75,12% dos votos no município.

“Eu estou horrorizada, porque eu sempre fui muito bem-recebida aqui. As pessoas não eram desse jeito. Agora, parece que descambou. Mesmo dentro de casa, eu ouço gente passar de carro e xingar, falar de voltar para o Nordeste. Eu saio para trabalhar e só. Nem ao mercado eu vou mais – meu marido é que tem ido. Eu realmente estou muito nervosa”, disse, chorando. “A cidade é muito pequena, todo mundo conhece todo mundo. Você não tem ideia do terror que é”, completou. 

Além disso, S. teme que o rótulo de “nordestina” a faça perder clientes, ainda que ela quase nunca fale de política no trabalho. A exceção se deu na semana anterior ao segundo turno, quando os patrões começaram a fazer comentários calcados em discurso de ódio, como, por exemplo, que “o Sul sustenta o povo do Nordeste” e que a região teria que se separar do país. “Eu me descontrolei e falei que não era daquele jeito, não”, contou. Apesar dos dias de medo, ela espera que a onda de intolerância perca força e que a vida em Penha volte a ser como era antes.

“Quando eu vim para cá, eu vim porque era uma cidade tranquila. As pessoas daqui não são assim. É um reflexo da eleição”, apontou. “Eu nem entro mais nas redes sociais, porque é aquela enxurrada [de postagens] falando de nordestino, como se a gente fosse a pior raça da face da Terra. É muito duro, muito dolorido tudo isso e passar por tudo isso. Se a gente olhar a história, vai ver que o nordestino é um povo incrível, de boas pessoas. Nordestino não é vagabundo. Minha família trabalhava demais. Eu tenho muito orgulho das minhas raízes”, disse. 

Em Joinville, Santa Catarina, o discurso de ódio partiu de quem a professora Maria Lúcia dos Santos Neitsch, de 63 anos, menos esperava. Na manhã da última sexta-feira (4), a educadora estava em frente à loja de um grupo de economia solidária, em que ela atua como voluntária, quando um homem em situação de rua lhe pediu dinheiro. Após ela ter negado, o homem gritou: “Sua cearense.” Em seguida, fez um gesto de arma com as mãos – como o atual presidente costuma fazer. Neitsch entrou na loja e fechou a porta de vidro. Quando saiu para ir embora, no entanto, o homem retornou, intensificando as ameaças. Segundo a professora, ele gritou coisas como “sua nordestina”, “vadia”, “miserável” e “volta para a sua terra”.

“Ali naquela rua [localizada no bairro Bucarein] ficam alguns moradores de rua. Eu já tinha visto esse homem umas duas ou três vezes. Ele fica meio à parte, não se dá bem com os outros moradores de rua que ficam por ali”, explicou Neitsch. “Me chamou atenção que se trata de um excluído, mas que mantém esse discurso de ódio. Ele está em um mundo em que as pessoas veem o outro como inimigo. E, para eles, o fato de eu ser nordestina me coloca como inimiga”, disse.

Neitsch relatou que, após ter sido ameaçada, refugiou-se em um supermercado que fica ao lado da loja. De lá, ligou para a polícia. “Mas a pessoa que me atendeu disse que não poderia fazer nada, porque era uma via pública e quando a viatura chegasse o agressor já não estaria ali”, contou a professora. Assim que chegou em casa, ela compartilhou um texto em suas redes sociais, narrando o episódio. Ao longo dos últimos dias, Neitsch recebeu muitas mensagens de apoio e solidariedade. Uma pessoa de seu círculo social, no entanto, relativizou o ataque.

“Era um amigo que me mandou um vídeo com um caso semelhante, dizendo que isso é democracia. Classificou essa violência como algo normal. As pessoas estão numa cegueira e numa ignorância que chegam a pensar esse tipo de coisa”, disse.

Nascida em Fortaleza, Nietsch mora em Joinville há mais de trinta anos. Ela conheceu o marido catarinense em um encontro sindical nacional realizado no Rio de Janeiro, na década de 1980. Em Santa Catarina, se estabeleceu como professora, com 33 anos de magistério pela rede estadual de ensino. Mãe de duas filhas biológicas e três “do coração”, ela optou por não mudar nada nem em sua rotina nem em sua forma de ver o mundo.

“A vida no Nordeste era tudo que eu queria, mas vim para cá para ficar com meu marido. Aqui construí minha vida. Esse episódio me faz refletir, mas não me faz perder a fé na humanidade. Continuo acreditando que a gente pode construir um mundo melhor, que a gente vai passar por esse período nebuloso, que o sol vai voltar a brilhar e que está por vir um novo tempo de esperança”, afirmou. Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br 

Derrota de Bolsonaro pode levar alguns de seus adeptos a novos esforços de fé

 

VOLTAIRE DE SOUZA

Crônicas da vida louca

 

 

Fé. Tristeza. Exaltação.

Muita gente ainda não se conforma com a derrota de Bolsonaro.

Alguns pedem intervenção militar.

O pastor Avarildo tinha outra opinião.

—A Deus tudo é possível.

Na Igreja Jesus do Último Dia, a orientação era uma só.

—Orar.

Mas havia um adendo.

—Contribua com os Batalhões de Cristo.

Avarildo aceitava todos os cartões de crédito.

--Vamos fazer romaria até Brasília.

Bandeira, camisa da seleção, Bíblia e botas resistentes.

—Modelo igualzinho ao da Infantaria.

A irmã Rodésia ficou em dúvida.

—Mas a gente vai até Brasília a pé?

—Caminhando e cantando, irmã.

—O senhor também, pastor Avarildo?

—Eu vou acompanhando... no meu jatinho.

—Louvado seja.

—Aleluia.

Um expressivo grupo evangélico pôs os pés na estrada.

—Se tiver bloqueio de caminhão...

—Não tem problema. A gente continua caminhando.

Irmã Rodésia ia no pelotão da frente.

—Aleluia, aleluia. Bolsonaro voltará.

—E Jesus também.

Ela fechou os olhos.

Veio a tremedeira. O transe. O êxtase místico.

—Meu Senhoooor Jesúúúis...

—Calma, irmã.

Ela ficou de joelhos.

—É ele. É ele ali. Não estão vendo?

—Quem? O Bolsonaro?

—Não. Jesus. Está chegando ali na estrada.

—Onde? Onde?

Antes do desmaio, os dedos trêmulos de Rodésia apontaram para a faixa contrária da rodovia.

—Mas será que é Jesus mesmo?

Era o Patriota do Caminhão.

Braços em cruz. Grudado na vidraça de um impaciente veículo de carga.

—É Jesus. Com certeza.

—Chegou a salvação do Brasil.

Muitos religiosos se lembram das palavras de Cristo.

—Eu sou o caminho, a verdade e a vida.

Mas é bom não ter ninguém atrapalhando a visão no para-brisa.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

PT avalia criar secretaria de assuntos religiosos para reabrir diálogo com evangélicos

Futuro governo deve reabrir diálogo com grandes pastores, mas priorizar igrejas pequenas e maior representatividade. Presidente do partido ‘dispensa’ acenos da Universal

 

Aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendem que o futuro governo construa canais próprios de diálogo com lideranças evangélicas, segmento que apoiou majoritariamente a tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro (PL) e no qual se disseminaram ataques e notícias falsas contra o candidato petista. Uma ideia gestada por representantes do PT e pastores que colaboraram com a campanha de Lula é criar uma secretaria de assuntos religiosos, sob o guarda-chuva de um ministério voltado para assistência social ou direitos humanos, além de fomentar uma espécie de federação de igrejas independentes para driblar a dependência de pastores das maiores denominações. Outra proposta é reativar o extinto “Conselhão” com presença de representantes de religiões.

Um dos principais nomes da interlocução da campanha de Lula com religiosos e articulador da carta aos evangélicos, o ex-ministro Gilberto Carvalho tem colocado a reestruturação da relação com igrejas como um dos principais temas do futuro governo. No dia seguinte à vitória de Lula, Carvalho declarou ao podcast Três por Quatro, do site Brasil de Fato, que será preciso “sinalizar com clareza” e ter uma “ação abrangente” com os evangélicos, e considerou o segmento crucial para “reconstruir uma ampla base popular de governo” e chegar à população mais pobre, “que está sendo cuidada pelas igrejas”. Para Carvalho, o foco deve estar “nas pequenas igrejas, que são as que mais crescem”.

Na série Salto Evangélico, em setembro, O GLOBO revelou que há pelo menos 78,5 mil igrejas evangélicas “diversas”, que não pertencem a nenhuma grande denominação, por vezes compostas por uma dezena de templos ou menos. O número é quase o dobro dos 43 mil templos da Assembleia de Deus, maior rede de igrejas do país.

Na entrevista, Carvalho criticou a postura de grandes lideranças, como o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, a quem chamou de “useiro e vezeiro em enviar seus representantes ao Planalto” para negociar apoio nos governos Lula e Dilma. “Erramos em atendê-lo e esquecer a base”, disse o ex-ministro. Ontem, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o partido “dispensa” os acenos feitos por Macedo após a eleição e afirmou que o líder da Universal “é quem precisa pedir perdão pelas barbaridades (ditas) sobre Lula”. Em novo vídeo, após a fala de Gleisi, Macedo afirmou que Lula “em oito anos que esteve no governo não fez nenhum favor” à sua igreja, enquanto ele teria ajudado o petista a se curar de um câncer na garganta com orações.

Dois pastores dissidentes de igrejas que apoiaram Bolsonaro, e que se aproximaram da campanha de Lula, endossam a ideia de uma secretaria de assuntos religiosos: o bispo Romualdo Panceiro, ex-integrante da Universal e que rompeu com Macedo em 2020, e o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, que é amigo do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) e foi escanteado pela Assembleia de Deus do Belém (SP) por apoiar Lula.

— Quando houve o chute em Nossa Senhora Aparecida por um ex-bispo da Universal (em 1995), eu representava a igreja no México, onde havia uma secretaria desse tipo, e fui chamado ao governo porque queriam entender o que tinha ocorrido. Um secretário de assuntos religiosos seria um porta-voz do presidente para todas as religiões, e alguém que poderia assegurar a liberdade religiosa de acordo com o que prevê a lei — afirma Panceiro.

 

Teste em prefeituras

Schallenberger defende uma extensão ministerial para “dialogar com líderes simples e anônimos”. O pastor também pretende incentivar, numa iniciativa à parte do governo, a criação de uma “escola de pastores” e uma federação de “igrejas independentes”, que dê peso representativo a denominações menores:

— Essas igrejas já estão ajudando o Estado a ressocializar presos, a livrar pessoas das drogas, e podem receber melhores condições e recursos para isso. E a secretaria poderia ter interlocução direta com essa federação, sem precisar passar pelos “grandões”.

O modelo já foi testado em gestões petistas municipais. Em entrevista ao GLOBO, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), um dos coordenadores da campanha de Lula, disse que é “plenamente possível” fazer parcerias com igrejas, por exemplo, no atendimento à população em vulnerabilidade. Em Maricá (RJ), a gestão do ex-prefeito e deputado eleito Washington Quaquá (PT) teve um pastor da Assembleia de Deus como secretário de assuntos religiosos.

— Quem comandar a área social do governo precisa trazer as igrejas para participar do projeto de país — diz Quaquá.

Nos governos Lula e Dilma, os evangélicos ficaram à frente de pastas como a Pesca e do Esporte, sem relação direta com agendas caras às igrejas. Na gestão Bolsonaro, pastores ascenderam a ministérios como da Educação, com o presbiteriano Milton Ribeiro, e dos Direitos Humanos, com Damares Alves.

Coordenadora dos Núcleos de Evangélicos do PT, a deputada federal Benedita da Silva avalia que “nenhuma escolha para ministério deverá se pautar por religião”, mas diz que a articulação política tampouco deve tomar os líderes evangélicos num papel de oposição. Benedita vê uma “oportunidade” na Câmara para evitar uma “disputa política pautada em religião”, e defende que o próximo presidente da Frente Parlamentar Evangélica — o mandato do atual, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), termina no início de 2023 — “não deve ser uma pessoa que tenha preferência por ser oposição”.

— Lula nunca deixou de conversar com lideranças de igrejas quando era presidente, é natural que isso se restabeleça. Me parece que o Conselhão é a forma mais consciente de participação de diversos setores da sociedade na discussão das políticas públicas. As igrejas têm compromissos com as causas sociais — afirma Benedita.

 

Relação com igrejas

1-Secretaria de assuntos religiosos - Com modelo em gestões do PT em municípios, órgão ficaria responsável pela interface entre governo federal e igrejas e por assegurar liberdade religiosa. A ideia vem sendo gestada por lideranças do partido e pastores que apoiaram Lula.

2-Presença de religiões em “Conselhão” - Outra forma de garantir representatividade religiosa, defendida pela deputada Benedita da Silva, que é evangélica, seria uma reativação do “Conselhão” criado no primeiro governo Lula com participação de pessoas ligadas a igrejas.

3-Aproximação cautelosa com pastores - Embora petistas defendam diálogo com grandes igrejas que apoiaram Bolsonaro, como Universal e Assembleia de Deus, outros conselheiros de Lula veem retomada de apoio com ceticismo. Ontem, presidente do PT criticou Edir Macedo.

4-Foco na pulverização de templos - Projeto de dar “identidade” e coesão a uma miríade de pequenas igrejas, que têm pouco peso individual mas estão capilarizadas pelo país, busca evitar dependência de grandes denominações para dialogar com a maioria dos fiéis, além de atrair novas lideranças. Fonte: https://oglobo.globo.com

A futura primeira-dama nunca falou demoradamente com a imprensa

 

A socióloga Rosângela da Silva, a Janja, em evento em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

 

socióloga Rosângela Lula da Silva, conhecida como Janja, vai dar uma entrevista para a TV Globo. Ela deve falar com a emissora na próxima segunda (7).

A conversa, com as jornalistas Poliana Britta e Maju Coutinho, vai ao ar no Fantástico de domingo (13).

 

O programa é uma das principais atrações da emissora.

A futura primeira-dama do Brasil nunca deu uma entrevista. Ela chegou a cogitar conversar com a imprensa em determinados momentos, mas a orientação da campanha foi a de preservá-la para evitar polêmicas desnecessárias.

Suas únicas declarações, curtas, foram feitas em comícios, em um ambiente favorável e controlado.

Ela também costumava postar vídeos em suas redes sociais com as imagens dos comícios, e também em cenas em que aparecia ao lado de Lula, ou cantando e dançando.

Os dois oficializaram o namoro quando o ex-presidente deixou a prisão.

O namoro deles foi revelado pelo economista Luiz Carlos Bresser-Peireira, que visitou Lula na prisão em maio de 2019 e ouviu dele a confidência. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Os caminhoneiros buscam substituir-se ao Tribunal Superior Eleitoral, decidindo sobre a lisura do segundo turno.

 

Flávio Tavares, O Estado de S.Paulo

O velho e tradicional refrão de que “após a tempestade vem a bonança” não se aplica ao resultado do segundo turno da eleição presidencial. Algumas tempestades são tão destrutivas em si mesmas que exigem muito mais do que esforço e entendimento para a verdadeira reconstrução.

Os reiterados ataques do presidente da República às urnas eletrônicas – mesmo sem apresentar provas nem indícios – criaram no País um turbilhão confuso, cujas feridas começam a despontar.

Na noite do segundo turno, enquanto Lula da Silva proclamava publicamente que governaria para todos os milhões de brasileiros, em Brasília as luzes do Palácio da Alvorada se apagavam, mostrando que Jair Bolsonaro fora dormir, sem um gesto sequer de dar garantias de uma pacífica transição colaborativa com o futuro governo. Não recebeu sequer o vice-presidente Hamilton Mourão, que esperou em vão na porta da residência presidencial.

Foi o primeiro sinal de que, se depender do atual presidente, irá persistir o clima de atritos e ataques que caracterizaram os debates entre os dois candidatos presidenciais.

Talvez a posição de Lula da Silva tenha sido marcada pela euforia do triunfo, enquanto Bolsonaro exteriorizava apenas o ressentimento típico do derrotado. Essa situação, porém, mostra a pequenez das posições do presidente que, no atual desgoverno, optou invariavelmente pelo confronto e pelo negacionismo. É desnecessário relembrar as posições de Bolsonaro na pandemia, que começou tratando a covid-19 como “gripezinha” e foi adiante até chegar ao disparate de propagar que a vacina “provoca aids”.

Isso, porém, revela o estilo confuso e alienado de Bolsonaro, que no momento dramático da pandemia (que deveria unir o País inteiro) preferiu zombar dos milhares de mortos ao dizer “eu não sou coveiro”. Ou fazer pose de charlatão e receitar cloroquina, contrariando a ciência médica.

Em 2018, Lula (mesmo preso) foi o grande “cabo eleitoral” de Bolsonaro, que se elegeu prometendo reverter o que tinham sido os governos do PT. Agora, a situação se inverteu e Bolsonaro transformou-se no fator que levou votos a Lula para evitar que o atual presidente continue no posto e prossiga duvidando da legalidade democrática.

Em síntese: os votos de Lula foram, mais do que tudo, votos contra Bolsonaro, que, assim, teve dupla derrota. Não foi ao acaso que os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso apoiaram Lula, tal qual Simone Tebet e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles ou o grupo de economistas que elaborou o Plano Real, que pôs fim à inflação galopante.

Bolsonaro passou a ser uma espécie de “inimigo comum”, por suas constantes atitudes de governante que desafiava a democracia ou dela duvidava. A mais notória ou exacerbada fez seus adeptos ameaçarem invadir o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, tempos atrás, numa caricata tentativa de imitar a invasão do Congresso, em Washington, pelos partidários de Donald Trump.

O palavrório tosco e agressivo de Jair Bolsonaro, infestado de palavrões, abriu caminho para criar um núcleo de fanáticos seguidores, como os caminhoneiros. Trata-se de pessoas expostas a um trabalho duro pelas estradas Brasil afora e que, agora, geraram nova tempestade. Obstruíram e fecharam rodovias fundamentais, como a Via Dutra e dezenas de outras ao longo de 24 Estados, além do Distrito Federal, por não reconhecerem o resultado do segundo turno.

Os caminhoneiros buscam substituir-se ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidindo sobre a lisura do segundo turno. Não apontam erros nem equívocos, agem apenas como arruaceiros ou rebeldes sem causa, procurando criar o caos num país de dimensões continentais em que as rodovias são o principal meio de transporte de carga industrial e alimentos.

Mesmo apertada, a vitória de Lula não foi jamais questionada ou posta em dúvida. O único detalhe duvidoso ocorreu no Nordeste do País, reduto lulista, onde a Polícia Rodoviária Federal (PRF) bloqueou estradas no dia da eleição, sob pretexto de “revisar documentos”, contrariando o que o TSE havia proibido. Ou seja, o “detalhe duvidoso” só poderia favorecer o candidato Bolsonaro.

A máquina do poder governamental fez-se evidente nesse detalhe. Fora disso, porém, nada ocorreu que possa ofuscar a lisura do segundo turno.

Alguns detalhes, porém, mostram que a tempestade não acabou e está a caminho do terrorismo. Ao referir-se ao criminoso bloqueio de estradas, o próprio presidente afirmou que “os movimentos populares refletem um sentimento de injustiça e indignação de como se deu o processo eleitoral”. Em várias capitais, fanáticos bolsonaristas gritam defronte aos quartéis pedindo “intervenção militar” para manter o atual presidente, mesmo que tenha perdido a eleição.

O fanatismo é um câncer social capaz de se multiplicar ao infinito e tornar-se devastador. A tempestade que pode gerar tem de ser impedida agora, já e já.

* JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNB. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Bolsonaro enfim se pronuncia sobre a eleição – para se queixar de ‘injustiça’ e justificar a baderna de bolsonaristas; entrementes, Ciro Nogueira inicia transição com os petistas

 

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro afinal se pronunciou, ontem, sobre as eleições em que perdeu para o petista Lula da Silva, no domingo passado. Fiel a seu espírito antidemocrático, não cumprimentou o vencedor. Ao contrário, sugeriu que foi derrotado pelo que chamou de “sistema”, que teria reservado a ele um tratamento “injusto”. Em outras palavras, não reconheceu a lisura do processo eleitoral – como, aliás, fez durante toda a campanha, sem apresentar provas.

Pior: com isso, justificou a baderna dos bolsonaristas golpistas que resolveram trancar estradas desde domingo para protestar contra a vitória de Lula. Segundo Bolsonaro, esses arruaceiros estão movidos por um “sentimento de indignação” – e se limitou a dizer que “os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população”. Não houve nenhum apelo explícito para que a baderna cessasse.

Esse pronunciamento tardio nem era necessário, pois a legitimidade da vitória de Lula não dependia da aceitação formal do presidente. E, a bem da verdade, Bolsonaro já havia se pronunciado sobre o resultado da eleição – não por meio de palavras, mas por intermédio desses camisas pardas que, com a omissão da Polícia Rodoviária Federal (PRF), devidamente cooptada pelo bolsonarismo, resolveram infernizar a vida dos brasileiros para manifestar sua insatisfação com a derrota de seu líder. 

Essa crise foi diligentemente construída ao longo dos últimos quatro anos. Enquanto se dizia um herói da liberdade e da Constituição, farsa que só tapeou quem se deixou tapear, Bolsonaro disseminou um discurso golpista segundo o qual a sua derrota só poderia ter como causa um complô do tal “sistema” – isto é, as instituições que fizeram prevalecer a lei contra seu golpismo. Disso adveio a desqualificação da imprensa profissional e independente, das instituições republicanas e do sistema eleitoral. Aí estão as consequências.

Mas o País, a despeito de Bolsonaro, continua a ser um Estado Democrático de Direito, razão pela qual é absolutamente inaceitável que a PRF não tenha agido com o devido rigor para impedir que essa súcia de bolsonaristas bloqueasse estradas Brasil afora. Todos os responsáveis por esse levante contra a vontade da maioria dos eleitores declarada nas urnas devem ser severamente punidos na forma da lei, a começar pelo diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, apoiador declarado do presidente da República e, no mínimo, negligente em relação aos delinquentes.

Eis o grau de absurdo da situação: o Supremo Tribunal Federal (STF) teve de ser acionado para autorizar que as Polícias Militares nos Estados cumprissem a lei e liberassem as estradas, diante do que o ministro Alexandre de Moraes classificou, corretamente, como “omissão e inércia” da PRF.

Os bolsonaristas vivem a se queixar do suposto “ativismo” do Poder Judiciário, mas o STF só foi chamado para intervir na questão dos caminhoneiros porque o Poder Executivo se omitiu e porque o diretor-geral da PRF se comporta como chefe de uma milícia a serviço de Bolsonaro, e não como chefe de uma instituição armada do Estado brasileiro.

Por fim, mas não menos importante, o procurador-geral da República, Augusto Aras, inerte diante das flagrantes violações da ordem jurídica e dos direitos e garantias fundamentais ao longo do trevoso período bolsonarista, só agiu contra os baderneiros depois de notificado pelo STF, comprovando sua inaceitável subserviência ao presidente. 

Felizmente, ao que parece, noves fora a pirraça de Bolsonaro e a baderna dos bolsonaristas, a transição seguirá seu curso. Logo depois do brevíssimo pronunciamento de Bolsonaro, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, anunciou aos jornalistas que já havia começado as tratativas com a equipe do “presidente” (palavras dele) Lula. Desde domingo, aliás, vários outros políticos ligados ao atual presidente já tratam explicitamente o futuro governo como uma realidade. Ou seja, enquanto Bolsonaro e seus camisas pardas esperneiam contra “injustiças” delirantes, a transferência de poder, para quem interessa, já começou. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br