Por Dom Zanoni Demettino Castro

Arcebispo de Feira de Santana

No momento em que se repercute a fala do ancora do Jornal da Globo quando anunciava o resultado das eleições nos Estados Unidos e fora flagrado numa declaração racial, nada respeitosa e profundamente preconceituosa, ao afirmar que o que o buzinaço que estava acontecendo naquele instante era “coisa de preto”, somos chamados, neste novembro negro,  a refletir sobre a vida, a fé, a cultura e a tradição do povo brasileiro afrodescendente, a refletir sobre “coisa de negro”.

Sob o manto de Nossa Senhora Aparecida os Bispos da América Latina e do Caribe, em sua V Conferência, constataram que a história dos afrodescendentes “tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social”(DAP96). Embora vivamos num novo tempo, numa nova época em que não se admitem etnocentrismos, xenofobismos e preconceitos, os afrodescendentes “são discriminados na inserção do trabalho, na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações cotidianas”. As consequências dos 300 anos de escravidão ainda não foram suficientemente reparadas. Os números estatísticos são nítidos: há “um processo de ocultamento sistemático dos valores, da história e da cultura dos afrodescendentes (DAP 102) .A formação superior, que deveria ser um direito garantido a todos, tem sido uma meta quase impossível de ser alcançada, dificultando ao negro o acesso às esferas de decisão na sociedade” (DAP 533).

Esta realidade deve ser enfrentada. Como cristãos acreditamos que os valores do Reino de Deus são imprescindíveis no processo de gestação de um novo modelo cultural, quando os afrodescendentes  “assumindo uma atitude mais protagonista” conscientes do poder que têm nas mãos e da possibilidade de contribuírem na construção desse novo modelo cultural, a nova sociedade, justa e solidária(DAP 75), sinal do reino definitivo, anunciado e realizado por Jesus Cristo.

Nesta clima de reflexão e aprofundamento nos alegra a realização de dois grandes acontecimentos: o IX CONENC que acontecerá de 18 a 21 de janeiro de 2018 em Maringá no Paraná e o XIV EPA, Encontro de Pastoral Afro americana, em Cali na Colômbia com o tema “A espiritualidade Afro-americana e os desafios do século X

Creio que em nosso agradecimento a Deus, podemos fazer nossa a belíssima canção do Pe. Valmir Neves: “Senhor venho ofertar coisa de negro, coisa de negro, afinal, coisa de negro. O suor de cada dia, o peso de nosso trabalho, as mãos tomadas de calos, coisa de negro. O que faço não é certo. Meu grito nunca fez eco. Senhor, sou negro. E não nego. Venho ofertar minha dor. Senhor meu canto gemido. Dele nunca vou esquecer. Entre salmos e benditos. Venho vos oferecer.”

Peçamos à Maria, a Soberana Quilombola, Mãe de Deus e nossa Mãe, que neste ano em que comemoramos os 300 anos do encontro de sua imagem no Rio Paraíba, interceda por  nós a fim de que o compromisso com o povo negro, assumido na Quinta Conferencia de Aparecida, permaneça firme no horizonte evangelizador de toda a Igreja do Brasil.

Fonte: http://www.diocesedejuazeiro.com.br