VERÔNICA GOMES DOS SANTOS

SOBRE INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E FAMÍLIA

Em 1998, na cidade de Jundiaí – SP foi aberta a Escola Maria de Magdala, com  o apoio da Pastoral da Mulher, da Prefeitura e da iniciativa privada, destinada a filhos  de prostitutas e ex-prostitutas. Segundo a coordenadoria da escola cerca de 40% das crianças não são alfabetizadas.

A cada ano, o número de prostitutas tem aumentado significativamente estando a cidade de Fortaleza entre os quatro centros de tráfico  de  mulheres  no  Brasil,  perdendo apenas para São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia.

Nas grandes cidades o meretrício cada dia mais cresce e se agiganta, porque a miséria rural alimenta e engrossa a miséria urbana, devido ao êxodo dos campos empobrecidos e o urbanismo insaciável, por sua vez, atua como corruptor por excelência da juventude desprotegida. (TIRADENTES, p.33)

Todavia, em Fortaleza é desconhecida iniciativa semelhante a de Jundiaí. No Art. 2º da LDB encontra-se:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Os filhos das meretrizes têm direito à educação. E é um dever dessas mulheres educá-los, juntamente com o Estado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,  à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

As primeiras ações educativas exercidas sobre os seres humanos são praticadas pela família, no local de moradia, especialmente pela genitora. Para Simon (1999),

O contexto familiar compreenderia relações intrafamiliares conflituosas em função da educação autoritária dos pais,  ou ainda a total alienação e ausência dos pais frente aos filhos.

Dessa forma, Silveira (2000) acrescenta:

O espaço escolar representa oportunidade de resgate e superação das inúmeras carências presentes nesse contexto.

A importância da escola como meio de superação de carências merece destaque. Nesse espaço as crianças podem ser discriminadas, e cabe a instituição rever suas práticas. Se o indivíduo não encontra subsídios para seu crescimento pessoal em casa, e ao chegar à escola se depara com situações não favoráveis para esse crescimento esta não está realizando sua função.

As práticas pedagógicas dessa população em relação aos seus filhos incitam bastante curiosidade e questionamentos. Acredita-se nos pais como os primeiros  grandes preparadores emocionais dos filhos, influenciando no desenvolvimento dos mesmos não só através do trabalho educativo que desempenham, mas também como modelos de identificação, principalmente nos primeiros anos de vida deles.

Alguns pesquisadores percebem um esforço das prostitutas em separar o aspecto familiar do profissional, como mostra Moraes (Apud MELO, 2001):

(...) havia a tentativa explícita de delimitar uma fronteira entre a mulher-mãe e a mulher-prostituta. Muitas prostitutas acabam por querer justificar sua estada na profissão com o argumento de que lá fora são outra pessoa. Não foram poucos os relatos em que afirmam que na Vila [Mimosa] são como as atrizes que desenvolvem uma personagem, não sendo nada parecidas com aquela que estamos entrevistando.

É como se uma atividade fosse separada da outra, como se fossem dissociáveis:  a mãe e a prostituta. Pode-se interpretar como o exercício do meretrício negasse o exercício da maternidade. Preconceitos advindos da elite dominante da sociedade na qual vivemos, ditadoras dos bons modos e costumes, também participam da forma de pensar das prostitutas. Os relatos mostram as dificuldades dessas profissionais em administrar as duas coisas, maternidade e prostituição.

O fato de muitas delas passarem muito tempo longe de seus filhos, para trabalhar mesmo que justifiquem a profissão como artifício de melhor querer e atender as necessidades dos filhos (idem).

Não são raros os casos em que os filhos não têm conhecimento da profissão da mãe. Elas omitem como forma de protegê-los de estigmas,

Isso realmente foi constatado:

No local onde moro não me apresento como garota de programa. Sou dançarina. Minhas filhas sabem que sou dançarina. È claro que faço programa também. Sabe como é. Nem sempre a dança é suficiente para pagar as minhas contas. (Gabriela).

Eu digo que lá em casa que cuido de idosos. Mas se sabem, fingem que não sabem. E eu também não devo nada a ninguém. Uma parte da minha família tá no interior, e minha mãe tá no Rio. (Laura).

Meu filho não sabe que faço programa. Não conto pra ninguém. Falo que sou vendedora ambulante. Assim me livro dos comentários. (Amanda).

Elas tentam preservar ao máximo a ocupação,

Certamente, o papel da mulher historicamente idealizado pela sociedade e, sobretudo da mãe exerce forte influência sobre o exercício da profissão e consequentemente na postura diante dos  filhos (idem).

Segundo Moraes (Apud MELO, 2001):

(...) assim como acontece em outras situações, este aparato influenciou as vivências maternas e familiares destas mulheres e também produziu ambigüidades na assunção da identidade, fazendo com que elas assumissem diversamente discursos de resistência e defesas diante das concepções que negam às prostitutas o desempenho do papel materno (p.68).

A autora apresenta mais algumas interessantes considerações:

outras elaborações interpretativas também são acionadas por elas para reduzir a oposição entre o papel de mãe e de prostituta. É uma forma de buscarem atitudes compensadoras frente à negação da sua maternidade. Defendem-se deste mecanismo acusatório através de comportamentos que revelam excessivos cuidados e zelos para com seus filhos (...) (idem, p. 68).

Em grande parte de entrevistas feitas com prostitutas mães, detecta-se que a justificativa mais presente é o sustento dos filhos, como dizia Juliana (SOUSA, 1995),

“No meu caso, o que me levou a me prostituir foi porque eu tinha um filho pequeno e não tinha emprego no momento, e pensei em dar um tempo até arranjar um trabalho. No entanto, passei mais de dez anos lá dentro, ainda estou, porque aqui e acolá eu vou, não deixei totalmente. E eu só fui enquanto arranjava outro emprego; arranjei e continuo na batalha.”  (p.156)

Entretanto não é o único. “As motivações para as mulheres ingressarem na indústria do sexo são as mesmas de sempre, as principais considerações sendo o  dinheiro as condições de trabalho (ADLER, p.382)”.

Um dos motivos que me levaram a entrar nessa vida de profissional do sexo, foi porque eu era muito compulsiva, comprava tudo que vinha na minha frente, fiz várias dívidas, fiz tratamento hoje não sou mais tão consumista, mas sair da vida  de garota de programa é difícil. (Aline)

Em uma das vezes que conversei com Amanda, ela me disse: Eu faço outras coisas, vendo perfume, vendo roupa, eu me viro de todo jeito. Eu gosto de vender porque tem dia que eu saio daqui sem nada. Ela ainda revelou que já fez muita coisa na vida, mas o que ela pensa sobre outro emprego:

Outro emprego só é bom porque tem carteira assinada. Tem direito a férias e tudo mais. A gente que tá nessa se ficar doente tem que ter dinheiro guardado, mas é difícil porque tudo que a gente pega quer logo gastar. Já tentei sair dessa vida mas a gente que tem filho pra sustentar não dá. Precisamos de dinheiro todo dia. Mas se a gente ficar doente tem que ter um dinheiro guardado, porque se não tiver... mas é difícil guardar dinheiro.

Gabriela dá aulas de pole dance para mulheres, em geral, que queiram aprender a dança, gerando assim uma renda extra. Laura iniciou um trabalho numa pousada, mas achava que o trabalho era muito pesado e salário muito baixo.

Outros estudos confirmam isso: o fato é que, para a grande maioria  das mulheres, seja qual for a sua classe, educação e perspectivas de carreira, a prostituição ainda representa a opção mais lucrativa. Nem toda mulher pode se tornar uma primeira-ministra.”(ROBERTS, 1998, p.383).

Em MELO (2001) observa-se que

(...) colaboradoras iniciavam seus discursos apresentando dificuldades, problemas financeiros e necessidades. Porém, no decorrer das entrevistas, deixavam escapar alguns pontos que demonstravam a existência de outros fatores envolvidos, tais como prazer, outras oportunidades, etc.

É a necessidade que arrasta essa grande quantidade de mulheres ao universo da prostituição. Necessidade de dinheiro, de prazer, por sexo ou drogas.

Martin (Apud MELO, 2001) refere-se a essa questão apresentando o termo estereótipo da necessidade, que diz respeito à postura dessa profissional. Postura que tem como base um discurso simplista, utilizado como uma forma de comover os interlocutores e a coloca como vítima do destino e da sociedade, não restando outra opção que não a prostituição.

Diante das inúmeras vezes que se escutou tal explicação, surgiu a curiosidade e  o interesse em compreender como é, então, que as crianças são instruídas. Se há realmente um investimento no sustento e educação dos filhos, e se as mães estão satisfeitas com o retorno. Se, ir a batalha é suficiente e efetivamente decisivo para uma vida melhor, tão sonhada pelas mães para seus descendentes.

*PROSTITUTAS MÃES E A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS: CORPO, CENA E DISCURSO NO CENTRO DE FORTALEZA - CE

(DISSERTAÇÃO DE MESTRADO)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO- PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA LINHA DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO.

FORTALEZA – CEARÁ 2011

Fonte: http://www.repositorio.ufc.br

(Leia na íntegra em nosso Blog. Clique aqui:

http://mensagensdofreipetroniodemiranda.blogspot.com.br/2017/05/prostitutas-maes-e-educacao-de-seus.html)