O padre Salvatore Perrella leciona há mais de 30 anos em uma Faculdade Pontifícia e é considerado um dos maiores especialistas em teologia mariana, aquela que estuda e aprofunda a figura de Nossa Senhora. Por isso, ele fez parte da comissão internacional desejada por Bento XVI para avaliar a credibilidade das aparições de Medjugorje A reportagem é de Carlo Di Cicco, publicada no sítio Tiscali.it, 19-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O site Tiscali.it encontrou-se com ele na Faculdade Marianum de Roma, onde, há alguns anos, ele é decano da Faculdade de Teologia. Sobre Nossa Senhora, ele diz coisas interessantes que, normalmente, não se ouvem por aí, salienta que não é difícil falar de Nossa Senhora: está tudo no Evangelho, o seu sentido, a sua grandeza, a sua humanidade, a sua vida por Jesus e pelos outros.

Ora, no entanto, embora tenha havido o Concílio Vaticano II, que, sobre ela, disse coisas importantes, mais do que em todos os outros concílios da história cristã, segundo o Pe. Perrella, “Maria é vítima da boataria popularesca que absolutamente quer que ela seja uma figura popularesca da fé. Dói-me ver como Santa Maria é tratada, capturada nas banalidades da existência. Maria foi chamada por Deus para viver o extraordinário no ordinário, e isso pressupõe dela mais do que amor, inteligência, humildade e esforço”. 
Antes de entrar no mérito das aparições de Medjugorje, Perrella, como premissa geral, pede que “se abandone a tradição cristã popularesca de considerar Nossa Senhora como a Barbie da fé. E hoje realmente se exagera. Maria não é uma Barbie, nem mesmo uma empregada da fé”.

decisão do Papa Francisco de mandar para Medjugorje o arcebispo de Varsóvia, Dom Henryk Hoser, como enviado da Santa Sé, com o encargo de preparar, até meados do ano, um relatório sobre as condições pastorais do lugar, pegou de surpresa, de certo modo, muitas daqueles que já esperavam uma declaração do papa sobre a veracidade sobrenatural das aparições de Nossa Senhora. 

O Pe. Perrella considera importante a decisão de Francisco, que completa o trabalho desenvolvido pela comissão desejada por Bento XVI. Essa comissão, presidida pelo cardeal Camillo Ruini, tinha uma tarefa doutrinal. Há urgência na Igreja, segundo o Pe. Perrella, de redescobrir a Nossa Senhora do Evangelho, em continuidade com o Concílio Vaticano II e com o ensinamento dos papas, começando por Paulo VI. João Paulo II recordou a necessidade de colocar a piedade popular dentro da Tradição da Igreja.

Para Ratzinger, Maria é a mulher do Evangelho, simples, humilde, extraordinária ao colocá-lo em prática. Francisco oferece uma mariologia popular não popularesca. Ela nasce do afeto. Ratzinger reúne razão e coração, que nem sempre se encontram. Francisco indica um percurso formativo para uma educação integral na fé. E o caminho da educação à fé sempre reúne os dois aspectos: Evangelho e testemunho.

Mas não se pode deixar de perguntar ao especialista porque, para esse fim, é necessário definir se as aparições de Nossa Senhora são verdadeiras ou imaginárias, e por que as pessoas acorrem em massa aos lugares onde se presume que esses fenômenos extraordinários ocorram. “Perguntar-se por que isso ocorre – responde Perrella – é um ponto importante. Falta às pessoas uma presença afetuosa para confiar, falta uma mãe, há uma carência de afeto, de maternidade. Nas palavras de Garimberti, precisamos que o céu nos cubra de beijos. Isso falta muito também no nosso mundo atual, onde prevalecem sentimentos de agressão, indiferença, não escuta, não consideração, estranheza. Francisco nos recorda a dimensão do amor, da misericórdia, da acolhida, do dom. Todos nos lembramos do encorajamento dado por ele à mulher que amamentava na igreja. Ele volta para a imagem da limpeza profunda, em que o seio não é vergonha. Nós perdemos o sinal da piedade popular, enquanto as pessoas precisam saber que há uma presença amiga em um mundo de indiferença, de ódio. É assim que eu explico esse boom de aparições de Nossa Senhora, que recebem tanto interesse e apelo popular. É claro, é preciso dizer que a Igreja institucional não gosta das aparições, parece intimidada. O caso de Medjugorje é uma prova disso. É um grave problema da Igreja, mas também uma reserva de possibilidades.”

Por isso, é necessário um esclarecimento: o primeiro passo foi a comissão desejada por Bento XVI. A Igreja tem o dever de salvaguardar a verdadeira piedade mariana. E a comissão realizou um exame aprofundado que exigiu um longo esforço para captar o que Deus quer nos fazer conhecer. Discernir o que é verdadeiro, o que é falso, o que é mero negócio, que papel tem o dinheiro.

Francisco abriu um segundo ato. Ele quer investigar como o suposto evento é celebrado, recordado, manipulado e como apresentá-lo às pessoas, perguntando-se também o que as pessoas vão fazer em Medjugorje. Francisco decidiu um ato “inteligente, que nasce da sua experiência pastoral. E, ao escolher um bispo conservador comparado com ele, mostrou a plena liberdade do seu gesto, manifestando que o seu único interesse como pontífice é o de responder à pergunta se Maria mostra o rosto de Deus. O que virá depois não sabemos o que e como será. Sabemos que, somente depois de ter verificado como encontrar a reta fé, buscando o rosto de Cristo, Francisco poderá tomar uma decisão, guiado unicamente pela lógica do bem dos fiéis”.

A partir da visita do enviado papal, poderiam vir à tona também coisas negativas, que “não se devem ao fenômeno, mas ao usufruto que se faz dele”. Será preciso refletir, porque nos encontramos diante de uma tipologia diferente do fenômeno das aparições em comparação com as aparições tradicionais e confirmadas, como Lourdes e Fátima. 

Em última análise, pensa Perrella, “as iniciativas do Papa Bento e do Papa Francisco sobre Medjugorje são salutares para sair da boataria pagã sobre a fé. E, para esse fim, era necessário verificar a credibilidade sobrenatural do evento e a sua pastoralidade”. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br