EDITH STEIN (1891-1942).

Frei Cláudio van Balen, O. Carm. Convento do Carmo do Carmo Sion, Belo Horizonte-MG.

             Foi no dia 1 de janeiro de 1922, que Edith Stein, aos 30 anos de idade, foi batizada por Eugeen Breitling, na igreja St. Martinus, em Bergzabern, com os nomes Theresia Hedwig, sendo Santa Teresa sua inspiradora e Hedwig Conrad, grande amiga, sua madrinha. Longa foi a caminhada, mas rápido o caminho. Após encontrar a verdade, ela não pôde deixar de reordenar sua vida. Ela escreveu: “A aceitação da verdade revelada não resulta de uma simples decisão da vontade. Muitos, pois, não se deixam mover, havendo também casos de um “eu não posso” muito misterioso. A hora da graça, então, ainda não chegou”. Quem sabe, ela pensava em seu povo.  Tudo indica que fez do batismo sua resposta à pergunta: “Onde estás?”  (Gên. 3,9) Enveredou pelo caminho de Jesus de Nazaré, sem distanciar-se de suas raízes. “Após meu retorno para Deus, senti-me, antes de tudo, judia”. Em sua conversão, portanto, não há ruptura entre judaísmo e cristianismo; e este não ocupa o lugar daquele nem o complementa.  Sua originalidade é viver a tensão entre as duas tradições que, aparentemente, se excluem. Amigos seus não compreendiam essa experiência de Deus e estranhavam a oração demorada de Edith nas igrejas de Speyer e Beuron.

            A parti do ingresso de Edith na religião católica, a relação entre mãe e filha passa a ser tensa, estremecida, com tristeza e ternura. Entretanto, ela não deixa de acompanhar a mãe na ida à sinagoga e, em sua casa, segue os rituais e o jejum de sua idosa mãe; mas essa participação na tradição familiar não a impede de ir, cedinho, à Missa. E junto aos filósofos, em Freiburg, ela nesse momento sente algo como distância, desde que encontrou em Teresa a verdade “encarnada” que agora tem de ser “feita”. As duas faces da mesma realidade: palavra e gesto - essência do judaísmo - cuja interligação confere uma força misteriosa ao testemunho que irradia junto a alunos e amigos. Colegas e sacerdotes a aconselham a não enterrar seus talentos atrás dos muros de um mosteiro e, sim, de investi-los no serviço às pessoas.

            Em uma encruzilhada de dois caminhos, Edith teve a experiência de Maria: “Uma espada traspassará teu coração” (Luc. 2,35). Ambas aceitaram seguir Jesus sem achar ultrapassada a tradição judaica, pois a verdade, como diálogo, opõe-se à ruptura e se realiza na experiência da cruz como árvore de vida. O Gênesis lembra que a natureza desse diálogo foi confiada à mulher (HaVaH –Eva-  relacionado com  HaLaH -mãe dos viventes- 3,20). (A mesma raiz “HVH” encontramos na palavra HaVeh = dizer, narrar, comunicar, iluminar, esclarecer, ensinar.) A objetividade do diálogo não se resume, de uma vez para sempre, em adotar posição determinada, mas na vigilância e na crítica relativa ao próprio julgamento, às próprias palavras, cultivando uma atenção extremada dirigida para o outro, para o destino do outro e sua história pessoal. Por isto, Edith vigia seu julgamento com respeito à atitude de sua tão amada mãe que não se mostra capaz de aceitar essa sua escolha.

        Como a mulher é portadora tanto da vida como do diálogo, ela não pode assumir uma posição de caráter dialético, marcada pela radicalidade da separação. Mais tarde, como carmelita, ela não hesita em comparar-se a Ester que teve de ouvir de Mardoqueu: “Não pense que você é a única entre todos os judeus a escapar com vida, só porque vive no palácio (mosteiro carmelita)” (Ester 4,13). E ela acrescenta: “Eu sou a pequena Ester, muito pobre e frágil, mas o rei que me escolheu é grande e infinitamente compassivo”.  De trás das grades do mosteiro, ela vai imolar-se por tantos que lutam na escuridão de seu triste destino e ela permite que a cruz se faça caminho de solidariedade. Esse misterioso caminho do sofrimento, da cruz, vale tanto mais, quando associado a um compromisso fraterno de viver o amor como caminho a serviço dos outros. Longe de buscar a si mesma, ela engaja todo seu ser na causa que abraça, para que a verdade se faça caminho e dê passagem à própria vida. O direito é o bem máximo e a justiça se impõe igualmente a todos, possibilitando uma convivência de paz. Aqui a experiência de Deus se faz berço de personalidade exemplar.