A Câmara de São Miguel do Oeste (SC), por 10 votos a 1, cassou o mandato da vereadora Maria Tereza Capra (PT) porque a parlamentar denunciou que um grupo de munícipes bolsonaristas teria feito uma “saudação nazista” em frente a um quartel do Exército, pouco depois da derrota eleitoral do então presidente Jair Bolsonaro para o petista Lula da Silva.

Ou seja: a Câmara de São Miguel do Oeste achou que era o caso de punir com nada menos que a perda do mandato uma parlamentar que exerceu seu direito de expressar indignação com aquele gesto que lhe pareceu infame. Para o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, a vereadora petista “propagou notícia falsa”, além de “atribuir aos cidadãos de Santa Catarina e ao município de São Miguel do Oeste o crime de fazer saudação nazista e de ser berço de uma célula neonazista”.

Numa cidade que votou em peso em Bolsonaro (foram 65% no segundo turno), presume-se que não seja nada popular denunciar como simpatizantes do nazismo os inconformados com a derrota de seu “mito”. Daí a cassar um mandato conferido pelo voto direto, que é o castigo mais significativo que um parlamentar pode sofrer, vai uma imensa distância.

É um caso exemplar do duplo padrão moral bolsonarista: os mesmos campeões da liberdade de expressão, que denunciam a “ditadura” do Judiciário quando este procura pôr cobro aos abusos e crimes que cometem nas redes sociais, são aqueles que, sem mais nem menos, decidem que uma vereadora não pode falar o que pensa – a despeito de a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões e palavras ser garantida pelo artigo 29, inciso VIII, da Constituição.

O fato é que a saudação dos bolsonaristas, registrada em vídeos que circularam amplamente por meio das redes sociais, é tão semelhante ao infame sieg heil nazista que as embaixadas da Alemanha e de Israel no Brasil e o Museu do Holocausto sentiram-se compelidos a repudiar aquela manifestação.

No frigir dos ovos, é irrelevante a interpretação que se faça daquela saudação. O que importa é notar a falácia do discurso bolsonarista sobre liberdade de expressão. Em nome de uma suposta defesa de uma garantia fundamental consagrada pela Constituição, tanto Bolsonaro como parlamentares bolsonaristas e um séquito de apoiadores já disseram, nos mais diversos meios, as maiores barbaridades.

Nessa visão absolutamente deturpada da garantia constitucional, decerto os insultos e ameaças de morte recebidos por Maria Tereza Capra e por outras duas vereadoras catarinenses não seriam mais do que o exercício do direito à manifestação de “opinião” ou das prerrogativas do mandato parlamentar. No mesmo sentido, acampar diante de quartéis para pedir um golpe militar e ameaçar o presidente da República, ministros do Supremo Tribunal Federal e seus familiares também seriam “livres manifestações” cobertas pelas “quatro linhas” da Constituição.

O episódio de São Miguel do Oeste resume, portanto, o espírito do bolsonarismo: em nome da “liberdade de expressão”, o que esses liberticidas reivindicam é o monopólio da irresponsabilidade. Fonte: https://www.estadao.com.br