*Karl Rahner

Ao falar do Coração de Jesus recorre-se de um modo ou de outro ao termo "símbolo". O sagrado Coração é um símbolo do amor de Cristo. Não se trata, porém, de um símbolo indicativo que se baseia numa convenção: a bandeira é símbolo.  Há o que se chama o símbolo essencial ou real com uma base ontológica. Rahner procura ligar intimamente o ser ao conceito de sinal, fazendo do significado de si mesmo uma necessidade íntima do próprio ser. Em seguida aplica esta ontologia à economia da salvação em geral, e em particular à SSma Trindade, à cristologia, à eclesiologia e aos sacramentos.  Tendo presente o mistério da Trindade como já revelado e que, como fonte de toda a realidade, imprime nas criaturas um vestígio de si, Rahner propõe o conceito de símbolo essencial e autêntico, como um bem distinto do símbolo puramente indicativo.

O fundamento da simbologia, pela qual uma realidade torna presente a si mesma e aos outros uma realidade diversa e faz com que ela "esteja aqui", encontra-se na unidade e na complexidade do ser em geral. Por isso, o ser é por si mesmo necessariamente simbólico, porque se exprime de modo necessário, para encontrar a sua própria essência.

Mediante o símbolo verdadeiro e próprio, um ser realiza-se a si mesmo noutra realidade, que faz parte da sua constituição essencial. Isto verifica-se sobretudo no ser espiritual, que se compreende através da sua inteligência e se ama mediante a sua vontade, a tal ponto que é mais ou menos perfeito na medida em que é conhecível e conhecido. Desta maneira a ontologia do símbolo une-se à estrutura da entidade espiritual e alcança-se assim o modo supremo em que a entidade [e, em si mesma simbólica.

A ação salvífica de Deus sobre o homem, desde o início até à sua realização, acontece mediante o símbolo em que Deus se revela e se comunica de maneira histórica e compreensível. Exige-o a constituição unitária do homem, que é espírito encarnado. Por isso o corpo é símbolo da alma, dado que ela o informa, nele se realiza a si mesma, adquire consciência de si e se manifesta. Nesta unidade de símbolo e de realidade simbolizada, de corpo e de alma, os membros separadamente não são elementos que se unem uns aos outros apenas a nível material, mas são partes vitalmente unidas a todo o conjunto, embora naturalmente cada uma de maneira diferente.

Partindo da revelação, Rahner lança o fundamento supremo e radical do símbolo real e intrínseco na teologia do Verbo, no âmbito trinitário e do Verbo na sua encarnação para a nossa salvação.

Porém, o Verbo assume na sua Pessoa a nossa natureza humana e torna-se o símbolo absoluto de Deus no mundo, sempre repleto da realidade simbolizada. Além de ser a presença e a revelação daquilo que Deus é em si mesmo, exprime o que Deus é em si mesmo, exprime o que Deus quis ser para o mundo, de maneira irrevocável e indelével.

Convencido de que não pode haver uma teologia que não tenha como sujeito o símbolo, Rahner vê a Igreja como um sinal visível, autêntico e eficaz de Cristo morto e ressuscitado, sinal repleto da graça que o Redentor trouxer de maneira definitiva ao mundo. A Igreja é realmente distinta de Cristo, assim como nele a divindade é, na verdade, distinta da humanidade.

Porém distinguir não significa separar. Na Igreja existe uma profunda unidade entre estes dois aspectos diversos, mas na realidade inseparáveis. Cristo e a graça do Espírito Sano não devem ser procurados fora da Igreja. O Pai, mediante o Filho encarnado, morto e ressuscitado e operante, com o seu Espírito, comunica-nos a vida divina na Igreja, ou seja, simbólica.

No fim dos tempos, não subsistirão mais quaisquer símbolos, como as estruturas oficiais da Igreja, e também os seus verdadeiros e próprios sacramentos, através dos quais o Pai em Cristo se comunicou aos homens, enquanto eles O vêem "como que num espelho, de maneira confusa" (1 Cor 13,13). Rahner declara com vigor que a humanidade de Cristo conserva a sua função simbólica também pela visão imediata de Deus.  Por isso,no ensaio O significado perene da humanidade de Cristo na nossa relação com Deus, ele escreve com toda clareza: A fé dá testemunho de que a humanidade criada de Cristo é o centro indispensável e perene pelo qual toda a criatura deve passar para encontrar a coração da sua validade permanente diante de Deus. Ele é a entrada e a porta, O Alfa e o ômega, pois abarca tudo. Na humanidade de Cristo  a criação encontra a sua consistência. Quem o vê, vê o Pai; quem não o vê, a ele que é o Verbo encarnado, não vê sequer a Deus.

Rahner tira a conclusão da sua visão simbólica real do ser em geral, da única via da salvação em Cristo, cujo Coração significa o centro originário da sua existência humana. Deve existir um ato de culto fundamental, que só se pode dirigir a Deus através deste centro mediador. Neste ato, Cristo não pode e não deve ser apenas um nome simples nome ou um termo que traça na nossa vida religiosa consciente a realidade de Deus, inefável e sem nome. O vocábulo Coração designa verdadeiramente um coração humano, símbolo real, autêntico e verdadeiro de toda a pessoa de Jesus, que está de fato presente nele não só em si mesmo, mas também "por nós", no seu limite humano, na evidência descritível do seu amor que o caracteriza, sem porém o separar do amor de Deus.

Este amor divino que nos surpreende, porque pode esconder na sua origem abismal a graça e a justiça, a indignação e a piedade, só se tornou evidente para nós quando se encarnou objeto e termo, ou melhor, como centro de mediação, através do qual deve passar cada um dos nossos atos que quiserem verdadeiramente alcançar a Deus. Não se pode ser cristão sem atravessar incessantemente no movimento do nosso espírito , suscitado pelo Espírito Santo, a Humanidade de Cristo e o seu centro unificador, a que chamamos Coração. Nesta visão teológica simbólica do cristianismo, que ainda não foi devidamente desenvolvida, a devoção ao Sagrado Coração encontra a sua profunda legitimação para todos os tempos.

É uma devoção que não está a lento caminho do seu termo ou da perda da sua função no seio da Igreja.  A devoção ao Sagrado Coração tem uma longa história. Já a partir da reflexões dos Padres da Igreja e sobretudo dos místicos medievais sobre a ferida do Lado de Cristo, Mas no século XVII, no âmbito de uma sociedade, cuja mensagem cristã era acolhida como uma realidade óbvia e, além disso, não contestada publicamente. Numa sociedade deste gênero, homogeneamente cristã sob o ponto de vista externo, esta devoção foi uma admoestação a considerar com seriedade o cristianismo, a ser devoto de maneira pessoal e viva, partindo do centro mais intimo da existência.

O nosso tempo é caracterizado por um ateísmo não teórico mas prático.  Há um indiferentismo no que diz respeito a todos os valores transcendentes: Uma civilização técnica e informatizada parece ameaçar de tornar quase impossível uma experiência originariamente religiosa.  Rahner não excluía a hipótese de que a devoção ao Sagrado Coração cessasse de ser popular e se tornasse sobretudo própria de pessoas "espirituais e místicas" que nela encontrariam como que num ponto focal, a resposta do único Coração às instancias supremas do seu coração humano. Paulo VI em 1965: "O culto ao Sagrado Coração seja por todos considerado como uma forma extremamente nobre e digna daquela verdadeira piedade de que, na nossa época, de forma especial pelo Concílio  Vaticano II, é pedida com insistência em relação a Jesus Cristo, Rei e Centro de todos os corações, Cabeça do corpo que é a Igreja ... o Princípio, o Primogênito entre os vivos, a fim de que Eele tenha o primado em tudo (Investigabiles divitias Christi).  Em Redemptor hominis João Paulo II definiu o mistério do homem com referência ao Coração de Cristo.

Neste início do novo milênio parece já superada a incredulidade de cunho iluminista que predominou por tanto tempo. As pessoas sentem uma forte saudade de Deus, mas acabaram por perder o caminho do santuário interior, onde acolher a sua presença. Aquele santuário é precisamente o coração onde a liberdade e a inteligência se encontram com o amor do Pai que está nos céus. O Coração de Cristo é a verdadeira sede universal da comunhão com Deus Pai, é a sede do Espírito Santo. Para conhecer Jesus e viver em sintonia com o seu Coração, amando como Ele, a Deus e ao próximo.

*Pensamento de Karl Rahner: Símbolo, simbolismo- Teologia do símbolo. Osservatore Romano. 04/10/2013.