Por Joaquim Ferreira dos Santos

 

Valei-me, Nossa Senhora Aparecida, porque hoje é o teu dia, sublime padroeira do Brasil, e já aqui bem cedo me faço presente para pedir socorro, arroz, esperança, o que tiver sobrado na tua sempre farta dispensa de generosidade e auxílio emergencial.

Eu sei que santo de casa não faz milagre, eu sei que o estado é laico e o jornalismo deveria sê-lo também. Não resisto, porém, à premência do desespero e à coincidência de te ter hoje no calendário. Mendigo das palavras, servo dos teus obséquios, faço em teu louvor os clamores desta oração.  

Eis-me aqui, ó mulher preta dos orgulhos nacionais, na segunda-feira das crônicas ligeiras, te pedindo com a gravidade de um homem genuflexo, a excelsa delicadeza de jogar luz sobre essa mina escura e funda, o trem das nossas vidas.

Se fosse em outubros passados eu subiria os degraus da Penha e lá do alto, os olhos fitos no meu berço suburbano, eu pediria contrito pela conversão dos pecados, a vida eterna e o amém salvador – mas a festa da Penha acabou.

Peço desculpas, Virgem Altíssima, se atropelo a hierarquia celeste e, diante da falta de quadros nacionais, recorro com meu pedido de socorro à tua superior instância. No outro dia, apareceu por aqui um “Anjo” – mas suas asas guardavam apenas um bandido. Tem sido assim. Falta-nos santo.

Nunca tivemos tantos candidatos ao cargo, todos homens e mulheres que se anunciam ungidos pela hóstia do bem, dispostos a cerrar os olhos, dar as mãos e rezar um rosário de aleluias até na abertura das sessões do STF. Zombam da fé, esses insensatos. São padroeiros de si mesmos, santos que ainda estão com a comprovação de inocência percorrendo o devido trâmite legal.

Me perdoe, ó incomparável, o português ruim do pronome abrindo a frase, mas é que o acúmulo de aflições não permite uma prece com melhor homilia e revisão. Tenho pressa em comungar das tuas benesses. Quem me dera a poesia da encíclica papal, a beleza de citar Vinicius de Moraes, o branco mais preto-velho do Brasil, e repetir que a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. Perdão, mas hoje não tem a hóstia consagrada dos verbos mais bonitos. O bicho tá pegando.  

Diz o dito popular, minha Aparecida do Norte, que pra baixo todo santo ajuda e, neste momento de ladeira abaixo nacional, 150 mil mortos pelo vírus, eu deveria seguir o conselho e pedir proteção a gente menos gabaritada do baixo clero - mas é aí que mora o perigo. Os novos santos têm pés-de-barro, são de pau oco. Foi falsificado em alguma universidade distante o currículo em que apresentam seus milagres.

A mentira virou sacramento, a esperteza ganhou o evangelho e atrás do púlpito federal o homem com ar desmiolado aponta o céu como se acusasse Jesus por todo esse horror. É a teologia do deboche. Valei-me, padroeira, porque faz apenas um ano e o Brasil ganhava sua primeira santa, Irmã Dulce, consagrada justamente depois de se examinar a veracidade de seus milagres. 

Pioramos, e por tudo isso eis-me aqui, neste dia sagrado, súdito fiel aos teus pés, na carência pública por atenção. Orai por nós, Aparecida, e não nos deixei cair na tentação de piorar mais ainda. Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com