Iniciativa lançada nesta quarta (17) também desaprova falta de políticas efetivas no combate à Covid-19; posicionamentos despertaram reações entre grupos católicos

 

Raphaela Ramos

 

Dom Joel Portella Amado, secretário-geral da CNBB Foto: Reprodução

 

RIO — A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) lançaram oficialmente nesta quarta-feira (17) a Campanha da Fraternidade de 2021. Com o tema "Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, a iniciativa critica a cultura de violência contra as mulheres, pessoas negras, indígenas e pessoas LGBTQI+.

Também está presente no texto-base da campanha uma crítica a "sinais da necropolítica perceptíveis em setores da segurança pública que é altamente repressiva e violenta contra pessoas negras e pobres", na não regulação de territórios indígenas e quando o "governo brasileiro não adota políticas efetivas no combate à Covid-19".

São citados o assassinato da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes e também o de Paulo Paulino, liderança do povo Guajajara, e outros três guardiões da floresta do território indígena Arariboia, no Maranhão.

Outro ponto mencionado são os "recorrentes" discursos negacionistas sobre a realidade e fatalidade da Covid-19, assim como "a negação da ciência e do papel de organismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS)".

Na cerimônia de abertura virtual nesta quarta-feira, dom Joel Portella Amado, secretário-geral da CNBB, lembrou "os mais de 235 mil" brasileiros que morreram pelo coronavírus, e destacou o compromisso de lutar "até onde for possível" para que a pandemia encontre seu término.

— Não podemos negar que o vírus já tão letal em si mesmo encontrou aliados na indiferença, no negacionismo, no obscurantismo, desprezo pela vida — afirmou. — Sejamos aliados na responsabilidade, na lucidez e na fraternidade.

Em seu discurso, o secretário-geral da CNBB também lembrou a morte de George Floyd, que foi sufocado por um policial nos Estados Unidos no ano passado, e a falta de oxigênio em Manaus durante o colapso do sistema de saúde. Ele criticou as radicalizações, a polarização no Brasil e o desrespeito às pessoas, em especial as mais simples e mais fragilizadas.

— O mundo não pode ser organizado a partir da separação, da divisão, do sectarismo, das polarizações, da destruição, nem muito menos da morte, que é consequência de tudo isso — disse dom Joel.

A Campanha da Fraternidade é realizada pela CNBB todos os anos na Quaresma, período de 40 dias que antecede a Páscoa. Este ano a iniciativa é promovida de forma ecumênica, ou seja, em parceria entre várias Igrejas Cristãs.

 

Campanha despertou reações

Os temas abordados na Campanha da Fraternidade 2021 provocaram reações entre alguns católicos conservadores, que criticaram o posicionamento nas redes sociais. Alguns grupos pediram boicote à iniciativa, que tem como um dos objetivos arrecadar recursos para os Fundos Diocesanos e Nacional da Solidariedade, "os quais apoiam projetos sociais relacionados à temática da campanha".

Em nota, a CNBB afirmou que o texto da campanha foi elaborado em várias reuniões, seguiu a estrutura de pensamento e trabalho do CONIC e passou por revisão da assessoria teológica do conselho.

"Nos últimos dias, reações têm surgido quanto ao texto. Apresentam argumentos que esquecem da origem do texto, desejando, por exemplo, de uma linguagem predominantemente católica. Trazem ainda preocupações com relação a aspectos específicos, a saber, as questões de gênero", informa a nota.

E continua: "A doutrina católica sobre as questões de gênero afirma que gênero é a dimensão transcendente da sexualidade humana, compatível com todos os níveis da pessoa humana, entre os quais o corpo, a mente, o espírito, a alma. O gênero é, portanto, maleável sujeito a influências internas e externas à pessoa humana, mas deve obedecer a ordem natural já predisposta pelo corpo”.

Em artigo publicado no portal da CNBB, dom Manoel Ferreira dos Santos Junior, Bispo de Registro (SP), afirmou que todos os anos algumas pessoas procuram "polemizar" a campanha, e questionou se o grupo que gera polêmicas é grande ou um grupo pequeno "que faz bastante barulho".

"No texto base da Campanha da Fraternidade, são citados diversos grupos de pessoas marginalizadas em nossa sociedade. Neste mesmo texto, são colocadas estatísticas de violência contra estas minorias. A única coisa que o Conselho das Igrejas Cristãs pede é o diálogo, o amor e a vida para os que são diferentes", escreveu dom Manoel.

 

Papa Francisco

Em mensagem enviada à CNBB e divulgada durante a cerimônia de abertura nesta quarta-feira, o Papa Francisco reforçou o tema da campanha, pediu orações pelos que morreram durante a pandemia e destacou o serviço dos profissionais da saúde.

"Precisamos vencer a pandemia e nós o faremos à medida em que formos capazes de superar as divisões e nos unirmos em torno da vida", afirmou. "Neste ano de 2021, com o tema Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor, os fiéis são convidados a sentar-se a escutar o outro e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes um mundo surdo", escreveu o Papa. Fonte: https://oglobo.globo.com