O arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, ficou na manhã de hoje, 10 de junho, em meio a um tiroteio no Morro de Santa Teresa, num confronto entre bandidos e policiais militares.

O arcebispo estava voltando do Cristo Redentor, no Corcovado, onde participou da cerimônia de lançamento da plataforma digital “Braços Abertos”, de iniciativa da Pirelli, com a finalidade de contemplar os bons e belos exemplos de vida de pessoas, que imitando os braços abertos do Redentor, procuram fazer o bem aos outros.

Ele estava seguindo para o Aeroporto Santos Dumont, onde iria pegar um avião para Valinhos, pois tinha uma gravação na TV Século 21 de um DVD ecumênico, onde os participantes estariam cantando e rezando para ajudar o país e o mundo a caminhar dentro dos valores cristãos.

Reconstrução da sociedade

Dom Orani e seu motorista se refugiaram dos tiros atrás de um carro quando passavam pela Rua Almirante Alexandrino em frente ao Colégio Assunção. Ao lado, outras pessoas se abrigaram atrás dos ônibus e carros.

“Pude ver ali, juntamente comigo, tantas pessoas de bem com o desejo de viver em paz, em um mundo mais tranquilo e fraterno. Muitas estavam indo para o trabalho, e de repente precisaram se proteger contra qualquer possível bala perdida. O acontecimento mostra que a nossa sociedade está doente, não só no aspecto ético como também moral e social. Precisamos reconstruir a nossa sociedade com valores do Evangelho, para que os corações sejam abertos à graça de Deus. Temos necessidade de uma sociedade onde as pessoas se amem, se queiram bem, para que juntas, de mãos dadas, possam construir uma sociedade justa, humana e solidária, onde todos vivam com mais dignidade”, afirmou Dom Orani.

“Foi tudo muito rápido”

O motorista do arcebispo, Erasmo Luiz Brito, disse que se deu conta do tiroteio depois que ultrapassou três ônibus e avistou dois carros da polícia vazios e outros ônibus parados com pessoas correndo e se escondendo.

“Atrás dos ônibus parados estavam muitas pessoas agachadas. De imediato, coloquei o carro em cima da calçada e pedi para o cardeal descer e ficar atrás dos pneus, já que os tiros podem perfurar a lataria. Muito tranquilo, ele sentou e ficou colocando, pelo celular, as conversas em dia. Ele disse que tinha meia hora para chegar ao aeroporto para seu voo das 10h. Foi quando pedi para ele retornar ao carro, e dando marcha ré, mesmo na contramão, seguimos pela Rua Alice, e saímos em Laranjeiras. Foi tudo muito rápido”, contou Erasmo.

Sinais de paz

Depois do acontecimento, em mensagem enviada aos meios de comunicação da Arquidiocese do Rio, o arcebispo insistiu na necessidade de sonhar com um mundo novo, com atitudes concretas.

“Agradeço a Deus por ninguém ter ficado ferido. São situações que compartilho com meu povo. Onde está o povo de Deus, o povo do Rio de Janeiro, eu também estou ali, compartindo das suas aflições. Mas anseio que cada vez mais, juntos, nós sejamos sinais de paz, de fraternidade, de misericórdia. Que o Rio de Janeiro possa ser conhecido não pela sua beleza natural ou por sua história, mas por um povo que se ama, quer o bem e se preocupa um com o outro”, disse Dom Orani.

Testemunha

O paroquiano da Paróquia de Santa Teresa de Jesus, em Santa Teresa, José Alves de Sousa ia para o trabalho de ônibus quando começou o tiroteio. José reconheceu o arcebispo e tirou uma foto.

"Foi um momento de pânico e desespero. Precisei me abrigar atrás do ônibus. Tinha até uma mulher com criança no colo se protegendo. Quando Dom Orani chegou, logo o reconheci e tirei uma foto", contou José.

Desafios pastorais

A foto do arcebispo se protegendo chegou primeiro no celular do padre José Brito Terceiro, pároco local, que ficou preocupado com o acontecimento.

“Eu também tenho dificuldades de celebrar quando há confrontos nas capelas das comunidades dos Prazeres, Fallet-Fogueteiro e Pau da Bandeira-Pereira da Silva que ficam dentro do território da minha paróquia. Como lembrou o arcebispo, ‘todos estamos sujeitos’. É um perigo, um desafio constante que pode acontecer a qualquer hora”, afirmou padre José Brito, pároco da Paróquia Santa Teresa, em Santa Teresa.

Unidade com o povo

A publicação da foto e também de um vídeo sobre o acontecimento viralizou imediatamente nas redes e nos meios de comunicação.

“A ‘Igreja em saída’ se faz cada vez mais presente no meio da grande cidade, assumindo todos os desafios e dissabores que lhe são próprios. No episódio envolvendo nosso arcebispo, percebe-se como a Igreja está inserida na vida do povo carioca, que passa pela mesma coisa todos os dias. Uma Igreja em comunhão na qual o pastor não só tem o cheiro das ovelhas, mas sofre com elas”, destacou o chefe de gabinete do arcebispo, padre Márcio Queiróz.

O reitor do Seminário de São José, cônego Leandro Câmara, disse que a imagem viralizada mostra a dignidade da Igreja que sente com seus filhos, que se fere, como um verdadeiro hospital de campanha. “É a comunhão do pastor com os dramas do seu povo. Não somente está com, mas sofre com ele”, afirmou o reitor.

O vigário episcopal do Vicariato Urbano, padre Wagner Toledo, lembrou que o cardeal já sofreu dois assaltos e, mesmo assim, não se cansa de ficar próximo do povo, em suas comunidades, onde quer que estejam.

“Dom Orani é um pastor que sofre junto com o seu povo, pois passa pelas mesmas tribulações”, disse padre Wagner.

Para o vigário episcopal do Vicariato Norte – onde a área está inserida –, padre Cláudio dos Santos, o “acontecimento com o pastor deve servir como um grande incentivo e exemplo para nós de como devemos agir, ficar ao lado dos que estão sofrendo, acalentá-los diante do medo, exercer a misericórdia! Ele mais uma vez viveu o seu lema “Que todos sejam um”, tornando-se um no meio de todos”. Fonte: http://arqrio.org