Dois novos livros do poeta, padre e intelectual português dedicados ao tempo e à delicada tarefa de admoestar os que erram.

Conheço há anos José Tolentino Mendonça, um dos maiores poetas e intelectuais portugueses. Seu texto é extraordinariamente suave e profundo, claro e denso, simples e refinado ao mesmo tempo. O comentário é de Gianfranco Ravasi, cardeal italiano, publicado por Il Sole 24 Ore, 21-08-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.

O olhar que ele posa sobre a realidade humana - mesmo quando essa parece um Kleine Narrenwelt, um microcosmo da loucura, como satirizou o Mefistófeles de Goethe - sempre revela duas reverberações. Por um lado, ele opta pelo tom menor, pela escala descendente ao nível mais sutil e oculto, quase um apelo do outro poeta, Paul Valéry, de Tel quel, que convidava, entre duas palavras, a escolher a moindre, a menor, exatamente. Por outro lado, seu olhar prefere a ternura, seus lábios se abrem mais para sorrir, que para atacar, mesmo quando em cena estão os males do mundo ou as culpas do indivíduo.

É levando em conta esta dupla abordagem que sugerimos a leitura de um díptico de livretos recentemente traduzidos ao italiano. Embora tematicamente diferentes um do outro, juntam-se em harmonia exatamente através da inocência, do candor e da doçura do olhar com que lida com a realidade tratada. No primeiro caso, está em cena, nada menos que o tempo da própria vida, isto é, do existir humano, cientes da definição bíblica de Hölderlin: Ein Bild der Gottheit, a vida humana é “imagem da divindade".

Sob o véu da cotidianidade se escondem as teofanias, como ensinou Chagall, colocando os grandes eventos salvífico nas ruelas e nas choupanas do shtetl hebreu da Europa Central. Existem vários estágios pelos quais somos convidados a "libertar o tempo" do peso e da insensatez, adquirindo outras tantas "artes", isto é, aquela sensibilidade "poética", ou seja, criativa, que transfigura em virtude até mesmo a lentidão, o inacabado, a perda, a decepção, o não saber, e, finalmente, a morte.

Um desses capítulos - sempre bem embutidos de referências ou aproximações culturais, muitas vezes surpreendentes (o fotógrafo Orimoto e o seu projeto "Mama", o movimento artístico Fluxus de Beuys, Tonino Guerra que narra Fellini, a psicanalista Melanie Klein...) - é intitulado precisamente "A arte de olhar a vida". E o último aviso ressalta, de modo resplandecente, a atitude com a qual Mendonça intui e percorre a trama da existência: "Não se trata apenas de viver o instante, empresa inútil já que a vida é persistência, duração ... Não é a flor do instante que nos perfuma, mas o presente eterno do que dura e passa, e do que dura e não passa". Mas o arco-íris do nosso tempo tem mil cores, e é sugestivo persegui-las com o autor, para transcorrer do vermelho-fogo da alegria, da felicidade, do desejo até o roxo frio da perda, da incompletude, do não conhecimento, para chegar também ao ultravioleta da morte.

Porque, "em toda a avalanche de conhecimentos úteis e inúteis que conseguimos acumular ao longo de toda uma vida está faltando um fundamental: aprender a morrer".

Além do mais, era já Platão, em Fédon ensinando que os verdadeiros pensadores, amantes da sabedoria, estudam de contínuo sobre o morrer.

Naquele espectro cromático simbólico há também "a arte do perdão", que é não só perdoar, mas também perdoar-se. Um ato, este último, naturalmente necessário, para não cair em depressão, mas também muito confortavelmente praticado, e aqui é citada Alice Munro, que numa autocrítica observava: "Nos repetimos, muitas vezes, que há coisas imperdoáveis, ou das quais nunca nos perdoaremos. Não é verdade: nos perdoamos, e como. Na verdade, não fazemos outra coisa".

E na linha temática do perdão passamos ao outro volume de Mendonça, dedicado à ''admoestação dos pecadores", que é a terceira das sete obras de misericórdia espirituais.

É preciso não esquecer que José Tolentino também é "padre", isto é, sacerdote, capaz de entretecer cultura e fé, homem e Deus, e de encontrar quem não crê, mas se interroga (na verdade, não hesitou em dialogar com um grandioso agnóstico como seu famoso compatriota José Saramago, autor do provocativo Evangelho segundo Jesus, e também da Segunda vida de Francisco de Assis). O ato de "admoestar os pecadores" é muito delicado, porque está sempre à espreita a altiva hipocrisia do fariseu na parábola de Jesus (Luca 18,9-14), pronto a levantar a sobrancelha indignado contra o miserável publicano.

Através de três caminhos de corte espiritual e moral, sempre se referindo à experiência ampla e diversificada de suas leituras literárias, Mendonça nos leva ao horizonte religioso deste ato que pertence sempre na esfera do amor misericordioso, quando praticado com pureza de coração.

Entra, então, em cena Jesus, que para corrigir adota um “método desconcertante", aquele da mesa. Lá, de fato, envolve cobradores de impostos, prostitutas e pecadores e infringe as fronteiras da sacralidade tímida e desdenhosa, enquanto suas mãos se voltam para os mesmos pratos que servem, as palavras se desmancham na espontaneidade e sinceridade. Exatamente por isto, os Evangelhos registram as refeições de Jesus, a ponto tal de atrair o sarcasmo dos bem-pensantes que o chamam de "comilão e beberrão", e aquele que "acolhe os pecadores e come com eles". No entanto, ele sabe distinguir entre bem e mal, entre justo e injusto, e, por isso, toma o difícil caminho da correção e da verdade, que é um gesto de amor, como já ensinava Platão no Euthydemus: "Eu te amo, mas te corrijo com a amizade".

Emblemático, porém, é o seu convite: "Se o teu irmão cometer um pecado, repreende-o; mas se ele se arrepender, perdoa-lhe. E se cometer um pecado sete vezes por dia contra ti, e sete vezes voltar dizendo: 'Estou arrependido', tu lhe perdoarás" (Luca 17,3-4).

Em torno desta "extravagância" de Cristo, padre José Tolentino tece sua palestra sobre a "arte de perdoar", não hesitando em introduzir o tempero do humor e da delicadeza da relação interpessoal, apoiando-se, por exemplo, num conto pouco conhecido de Ray Bradbury, L’estate della Pietà. Mas, também não ignora o verso da medalha, que é aceitar a correção que nos vem infligida por outro. Na base, no entanto, deve haver sempre a nobreza da sinceridade, da humildade e do amor, porque "advertir aqueles que cometem erros significa amar o próximo sem um porquê".

Publicações brasileiras de Tolentino:

MENDONÇA, José Tolentino. Liberiamo il tempo. Bolonha: EMI, 63 p.

MENDONÇA, José Tolentino. Ammonire i peccatori. Bolonha: EMI, 58 p.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br