O Papa Francisco, que está ciente das tensões provocadas pela possibilidade de sacerdotes escolherem seu rito, poderia aproveitar o acordo com os lefebvrianos para reservar o antigo rito exclusivamente à Prelazia Pessoal. A reportagem é de Nicolas Senèze, publicada por La Croix, 07-07-2017. A tradução é de André Langer.

Nos corredores do Vaticano, o Summorum Pontificum já é algo do passado. Mais importantes parecem ser hoje as discussões com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, para quem o texto de Bento XVI não foi necessariamente uma boa notícia: saindo do debate da questão litúrgica, o Papa alemão tinha, na verdade, permissão para ir ao fundo das divergências teológicas.

De acordo com a Comissão Ecclesia Dei, encarregada em Roma do diálogo com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, essas divergências poderiam ser, atualmente, eliminadas. Faltaria apenas a assinatura de dom Bernard Fellay no documento apresentado já alguns anos. “Se não assinarem o documento, eles são realmente muito bestas, porque lhes foi estendida uma ponte de ouro”, comenta um observador que leu o texto. O superior geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X deveria assiná-lo após convencer os mais recalcitrantes da Fraternidade. E, provavelmente, antes do verão de 2018, data do próximo capítulo geral no qual o seu mandato será colocado em jogo. Ser nomeado para um cargo vitalício à frente da prelazia evitaria uma reeleição complicada.

O sacerdote não deve escolher o seu rito

Para Francisco, trata-se em primeiro lugar de um gesto de unidade: partidário de uma “diversidade reconciliada” e não de uma Igreja uniforme, ele está persuadido de que, no momento em que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X se diz católica, ela tem seu lugar na Igreja. Resta saber se os lefebvrianos encontrarão seu lugar na Igreja plural de Francisco. “Diante disso, o que os bispos farão nas dioceses com a prelazia lefebvriana?”, pergunta um observador.

Especialista em liturgia, o teólogo Andrea Grillo recorda-se também como, na época da sua publicação, o Summorum Pontificum colocou os bispos em apuros, sentindo-se, de repente, espremidos entre os padres escolhendo o antigo rito e uma Comissão Ecclesia Dei fazendo uma leitura muito ampla do texto. “Ao introduzir uma escolha subjetiva do rito pelo sacerdote, o motu proprio fragilizou a unidade litúrgica da Igreja e criou, às vezes, Igrejas paralelas até nas próprias paróquias. É uma ruptura da tradição”, diz ele.

Próximo ao Papa, ele recorda que, como arcebispo de Buenos Aires, o cardeal Bergoglio pediu a um sacerdote, contrário à forma extraordinária, para que celebrasse para os fiéis tradicionalistas, precisamente para salientar que o padre não deve escolher seu rito.

“Isso não é o comum da Igreja”

Porque, ao mesmo tempo, o Papa argentino compartilha com seu predecessor uma visão muito pragmática do antigo rito. Como Bento XVI falou do “pequeno círculo daqueles que utilizam o antigo missal”, Francisco estima que seu predecessor “fez um gesto justo e generoso para ir ao encontro de uma certa mentalidade de alguns grupos e pessoas nostálgicas e que estavam afastadas”.(1) Mas, ele estima que se trata de uma “exceção” e que “o comum da Igreja não é isso”. “O Vaticano II e a Sacrosanctum Concilium devem ser promovidos assim como são”, afirma o Papa que recusa qualquer ideia de “reforma da reforma”.

De acordo com Andrea Grillo, Francisco contempla inclusive, eventualmente, a abolição do Summorum Pontificum a partir do momento em que o antigo rito seja preservado na Prelazia Pessoal oferecida à Fraternidade Sacerdotal São Pio X. “Mas ele não tomará essa decisão enquanto Bento XVI estiver vivo”, prevê imediatamente.

Enquanto isso, esse Papa – para quem as demandas de alguns, “jovens demais para conhecerem a liturgia pré-conciliar”, escondem uma “rigidez defensiva” – está se preparando para iniciar um novo ciclo de catequese das quartas-feiras, precisamente sobre a liturgia. “Isso mostra a sua disposição de levar esse assunto a sério, afirma Andrea Grillo. Mas será uma oportunidade para falar mais do conteúdo da liturgia do que da sua forma e das rubricas”.

Nota:
1. Entrevista com o Pe. Antonio Spadaro na introdução do seu livro Nei tuoi occhi è la mia parola [Nos teus olhos está a minha palavra]. Rizzoli, 2016. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br