Comentário de Frei Petrônio de Miranda, Padre Carmelita e Jornalista/RJ.

Eu não quero esse Jesus Cristo...

Eu não quero este Jesus Cristo que fala alto nos palanques e na TV, corre, condena, grita e transforma a sua mensagem em poluição audiovisual. Não, o meu Jesus não é o Jesus do marketing, dos grandes shows, da corrida pelo ibope. Ele não é fashion, não tem cor. Ele ultrapassa as religiões, os ritos, os dogmas, ama a todos sem pré-conceitos, fala pouco, perdoa, contempla e ora. Passa na brisa suave e mora nas favelas, nas florestas, nos morros, nas montanhas e no silêncio da madrugada triste das penitenciárias, dos abrigos e das casas de recuperação dos drogados.

Eu não quero este Jesus dos templos televisivos. Não, o meu Jesus Caminha com o mendigo no silêncio da noite, sorri com o ancião abandonado em um asilo, dorme com os menores nos viadutos das grandes metrópoles. Silencia na dor dos índios, na saudade dos migrantes, nas alegrias e tristezas do agricultor. Ele ressuscita na luta de cada comunidade, no grito dos homossexuais espancados, das prostitutas, travestis, das lésbicas e drogados. Sim, o meu Jesus é trindade e se faz presente em cada grupo social na marcha contra os políticos corruptos e desumanos.

Eu não quero este Jesus Cristo competitivo no mercado financeiro da marca Bombril, com mil e uma utilidades. Eu fujo do sagrado comercial e sexualmente sedutor, consumido e comido nas fartas mesas do sistema econômico. Não, o meu Jesus não tem preço ou marca, Ele não se queima, não se corrompe e não se vende. Ele é frágil, humilde, carinhoso, misericordioso, manso, pequenino e só os puros de coração poderão ver e contemplá-lo.

Eu não quero este Jesus Cristo pop estar estampado nas camisetas, disputando espaço com a Madonna, o Pelé, o Justin Bieber, o Neymar, a Lady Gaga e todos os artistas e personalidades mundiais. Não, o meu Jesus não gosta de ser reconhecido. Ele não é o super-homem, ao contrário, foi condenado e crucificado em uma cruz. O meu herói caminha com os presos políticos, com os mutilados, desesperados e sedentos de paz e igualdade social.

Eu não quero este Jesus Cristo do cinema 3D, HD e digital que enriquece empresários do sagrado e transforma os seguidores em fanáticos. Não, o meu Jesus não tem tablet, aiphone ou iPad. Ele vive escondido em um pequeno casebre castigado pelas enchentes, sofre com a seca, as chacinas, a prostituição infantil e as epidemias, chora com os aidéticos e vive a procura de um pedaço de terra e de um teto para morar. Ele é o mesmo de ontem, de hoje e de sempre, porém, muitos não o aceitam, não o procuram e fecham os olhos para não o ver.

 

Comentário do italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose.

O relato é denso, fruto do testemunho sobre o evento, mas também da meditação da Igreja de Mateus, que aprofunda cada vez mais o mistério de Cristo. Jesus vai com os discípulos aos territórios de Cesareia, a cidade fundada 30 anos antes pelo tetrarca Filipe, filho de Herodes, o grande, aos pés do monte Hermon. E, exatamente lá onde César é venerado como divino, precisamente em uma cidade edificada em sua honra, eis a ocasião para a pergunta sobre Jesus: quem é verdadeiramente Jesus? É ele mesmo quem faz essa pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem”?

Os discípulos relatam que as pessoas pensam que Jesus é um profeta, um dos grandes profetas presentes na memória coletiva de Israel: talvez Elias, que era esperado, talvez Batista, morto por Herodes, mas que voltou à vida (Mt 14, 1-12), ou talvez Jeremias, visto que, como ele (cf. Jr 7), Jesus proferia palavras contra o templo de Jerusalém.

A pergunta de Jesus não tinha como propósito obter como resposta uma fórmula doutrinal, muito menos dogmática, mas pedia aos discípulos para manifestar a sua relação com ele, o seu envolvimento com a sua vida, a confiança que punham no seu rabi. Sim, quem é Jesus? É uma pergunta que devemos nos fazer e refazer ao longo dos dias.

Pedro teve por graça o dom do discernimento, viu bem quem era Jesus e, por isso, pode ser a primeira pedra, aquela que marca a solidez de toda a construção, um homem capaz de reforçar e confirmar os irmãos, também por ser, por sua vez, sustentado e confirmado pela oração de Jesus (Lc 22, 32).

Nessa passagem, aparece a palavra “Igreja”, que retornará apenas mais uma vez em todos os Evangelhos, também em Mateus (Mt 18, 17). Igreja, ekklesía, significa assembleia dos chamados-por este é o nome dado pelos heleno-cristãos às suas comunidades, também para se diferenciarem da sinagoga (assembleia) dos judeus não cristãos. Pois bem, a Igreja tem Jesus como construtor – “Eu construirei a minha Igreja” – e ela lhe pertence para sempre: nunca será nem de Pedro nem de outros, mas de propriedade do Senhor (Kýrios).

 

Comentário de Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta.

A pergunta “quem é Jesus” não pode ser respondida simplesmente com os dogmas. A resposta deve ser prática, brotar do chão da vida. Nossa vida é a que tem que dizer quem é Jesus Cristo para nós. “Que diz tua vida de mim”?

Do esforço dos primeiros séculos da Igreja por compreender a Jesus, devemos fazer nossas, não as respostas que deram, mas as perguntas que foram feitas.

A verdadeira pergunta é: “que é, que significa Jesus Cristo em nossa vida”? Não basta dizer que cremos em Jesus. É preciso nos perguntar: em que Jesus cremos e quem é Jesus para nós?.

 

O Poder das chaves. Comentário do  Pe. Johan Konings, Jesuíta.

Costumamos dizer que o papa detém o poder das chaves. Mas que significa isso? A liturgia de hoje nos ajuda a compreender melhor esse tema.

Pela primeira leitura, aprendemos que o poder das chaves significa a administração da casa ou da cidade. O administrador do palácio do rei, Sobna, será substituído por Eliacim, que receberá as chaves da casa de Davi.

No evangelho, Pedro, em nome dos doze apóstolos, proclama Jesus Messias e Filho de Deus. Jesus, em compensação, proclama Pedro fundamento da Igreja e confia-lhe as chaves do Reino dos Céus. Dá-lhe também o poder de ligar e desligar, o que significa obrigar e deixar livre, ou seja, o poder de decisão na comunidade (em Mt 18,18, esse poder é dado à Igreja como tal).

As chaves do Reino dos Céus significam o ministério ou serviço pastoral; portanto, uma realidade no nível da fé. Nessa expressão, Reino dos Céus não é o céu como vida do além, mas o Reino de Deus (os judeus chamavam a Deus de os Céus). Trata-se do Reino de Deus entendido como comunidade, contraposta às portas do inferno, a cidade de satanás, que não prevalecerá sobre a comunidade cujas chaves Pedro recebe.

Trata-se, pois, de duas cidades que se enfrentam aqui na terra. Pedro é o prefeito da cidade de Deus aqui na terra. Respondendo pelos Doze, administra as responsabilidades da fé e da evangelização. Na medida em que a Igreja realiza algo do Reino de Deus neste mundo, Jesus pode dizer que Pedro tem as chaves do Reino dos Céus, isto é, do domínio de Deus. Ele administra a comunidade de Deus no mundo.

Quem exerce esse serviço hoje é o papa, bispo de Roma e sucessor de Pedro. Mas já os antigos romanos diziam: o prefeito não deve se meter nas mínimas coisas. Pedro e seus sucessores não exercem sua responsabilidade sozinhos. A responsabilidade ordinária está com os bispos, como pastores das igrejas particulares (= dioceses). É o que se chama de colegialidade dos bispos. O bispo de Roma, irmão eleito entre seus pares, deve cuidar especificamente dos problemas que dizem respeito a todas as igrejas particulares. O papa é o Servo da Unidade.

Há quem não goste de que se fale em poder na Igreja, muito menos no poder papal. Mas quem já teve de coordenar algum serviço sabe que precisa de autoridade, pois senão nada acontece. No desprezo da administração pastoral da Igreja pode haver um quê de antiautoritarismo juvenil. Aliás, os jovens de hoje, pelo menos de modo confuso, já estão cansados do antiautoritarismo e percebem a falta de autoridade.

Sem cair no autoritarismo de épocas anteriores, convém ter uma compreensão adequada da autoridade como serviço na Igreja. O evangelho nos ensina que essa autoridade está intimamente ligada à fé. Pedro é responsável pelo governo porque respondeu pela fé dos Doze. Por outro lado, se é verdade que Pedro e seus sucessores têm a última palavra na responsabilidade pastoral, eles devem também escutar as penúltimas palavras de muita gente. Devemos chegar a uma obediência adulta na Igreja: colaborar com os responsáveis num espírito de unidade, sabendo que se trata de uma causa comum, não nossa, mas de Deus. Nem mistificação da autoridade, nem anarquia.