Assaltos, flanelinhas e vans ilegais tornam ida ao Cristo uma via-crúcis

'Guias bandalhas' chegam a oferecer entrada R$ 39 mais cara para o Cristo Redentor

Vera Araújo

 

RIO — Ele está de braços abertos, pronto para receber milhares de visitantes todos os anos. Mas, para ver de perto o Cristo Redentor, uma das maiores atrações do Brasil, os turistas são obrigados a enfrentar uma verdadeira via-crúcis, seja qual for o caminho que escolham para chegar ao alto do Corcovado. Quem vai de carro até o Cosme Velho é logo abordado, nas imediações do Túnel Rebouças e da estação do trenzinho, por homens que tentam convencer os visitantes a abrir mão do tradicional passeio pelos trilhos e a embarcar em vans e mototáxis clandestinos. Quem bate pé e diz que vai subir pelo meio mais charmoso é coagido a pagar até R$ 80 para estacionar em vias próximas à estação do Corcovado, como a Rua Efigênio de Sales.

Na última semana, uma equipe do GLOBO passou pelos mesmos percalços dos turistas que lotam a cidade ao tentar subir até o Cristo. Confiante na falta de fiscalização, um dos homens que se identificam como guias turísticos abordou o carro de reportagem, que estava sem o logotipo do jornal, de forma agressiva, tentando vender lugares em vans ilegais — cada um a R$ 31. Para convencer os possíveis clientes, ele omitiu, propositalmente, que o veículo não chega aos pés do Cristo, só até o Centro de Visitantes das Paineiras. A partir dali, todo visitante, com exceção dos que pegam o trenzinho, tem que pagar uma taxa de visitação de R$ 43, que inclui o transporte da van oficial do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que o leva até o o monumento. Vans oficiais também partem do Largo do Machado e de Copacabana por R$ 76, incluindo a taxa de visitação.

NAS BARBAS DA PM

Quem opta pelo trenzinho do Corcovado paga um pouco mais caro, R$ 79. Mas, no caminho, “guias bandalhas” abordam os visitantes e os enganam, afirmando que, nesta opção, a entrada custará, ao todo, R$ 120, com o objetivo de vender passagens em vans clandestinas. A cena “engana turista” acontece todos os dias, em diversos horários, a menos de 10 metros de uma viatura da Polícia Militar. Os turistas que escapam ao cerco e, bem dispostos, resolvem subir a pé até o monumento são até mesmo xingados. Foi o caso dos chilenos Francisca Otárola, de 22 anos, e Matías Cerda, de 21.

— Eles nos abordaram de forma grosseira. Disseram que o Cristo era longe e nos cobraram R$ 130 por pessoa para subir de van. Dissemos que iríamos a pé. Aí chamaram meu amigo de maricón (maricas em português). Fomos insultados! — reclamou Francisca.

““Eles nos abordaram de forma grosseira. Disseram que o Cristo era longe e nos cobraram R$ 130 por pessoa para subir de van. Dissemos que iríamos a pé. Aí chamaram meu amigo de maricón. Fomos insultados!””

Depois do relato dos visitantes, a equipe de reportagem também tentou subir a pé até o Cristo, mas, no caminho, duas pessoas oferecem transporte à repórter, ressaltando que era perigoso chegar ao monumento andando, pois há favelas no trajeto:

— A senhorita está sozinha, né? Então, é perigoso, porque tem a Favela dos Guararapes no meio — explicou um dos vendedores, oferecendo seus serviços ilegais. — Temos mototáxi e van. A senhorita pode pegar a van, que custa R$ 31 por pessoa e deixa perto, no alto das Paineiras. Lá, tem que pagar a taxa de visitação, de R$ 43. O mototáxi cobra R$ 93, mas tem serviço especial, vip, o próprio piloto entra na fila e paga para a senhorita a taxa de R$ 43, que já está embutida no preço. É tranquilo, bem mais rápido e seguro — afirma o “vendedor”.

“Não entendo como um local turístico como o Rio não tem placas em inglês. Estive no Pão de Açúcar e tive a mesma dificuldade”

Quem consegue vencer a insistência dos vendedores e resolve subir de trenzinho encontra problemas na bilheteria do Trem do Corcovado. O preço do bilhete estava acima do cobrado no site da empresa — a concessionária imediatamente corrigiu o valor ao ser questionada pela reportagem. Os turistas que optam para ir no próprio carro até o alto do Corcovado também não se veem livres dos problemas. Embora haja estacionamento oficial por R$ 50, os flanelinhas, ao longo das Paineiras, cobram até R$ 70. Visitantes estrangeiros também ficam confusos com a sinalização, toda em português.

— Não entendo como um local turístico como o Rio não tem placas em inglês. Estive no Pão de Açúcar e tive a mesma dificuldade. Pedi a uma amiga brasileira para me ajudar, pois não sabia chegar aos locais — diz o alemão Lukas Remshagen.

A segurança é outra pedra no caminho dos visitantes. No último dia 22, a equipe de reportagem subiu e desceu até o Cristo incontáveis vezes em um período de cinco horas. Cruzou apenas com um carro da PM no caminho — um outro estava parado na entrada da Rua C. No último dia 24, véspera de Natal, O GLOBO flagrou o assalto a uma turista na Estrada das Paineiras. Um homem abordou a moça, a jogou no chão, e saiu correndo com os pertences da vítima. Dois dias depois, houve um tiroteio no local, quando criminosos armados, em um carro roubado, abordaram turistas argentinos. E levaram os dois carros onde estavam os “hermanos”, furando um bloqueio da PM.

O serviço de relações-públicas do Parque da Tijuca explicou que qualquer empresa de turismo, táxi, aplicativo ou carro particular pode subir até as Paineiras, onde os passageiros devem, então, embarcar nas vans do ICMBio. A Secretaria municipal de Ordem Pública e a a Coordenadoria Especial de Transporte Complementar informaram que vão intensificar as ações na região. A Guarda Municipal alegou que combate flanelinhas e que “a cobrança irregular de estacionamento configura crime de extorsão”, desde que haja flagrante e o autor e a vítima sejam conduzidos até a delegacia. A PM informou, em nota, que “o Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas e o 2º BPM (Botafogo) colaboram com o patrulhamento dentro de sua capacidade operacional”. Fonte: https://oglobo.globo.com