STF decide que provedores estrangeiros devem entregar dados requisitados pela Justiça, como qualquer empresa local

 

No dia 23 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que as autoridades nacionais podem solicitar dados diretamente a provedores de internet estrangeiros que prestam serviços no Brasil. Ao ratificar a constitucionalidade do art. 11 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), a decisão do Supremo assegura um ponto fundamental do Estado Democrático de Direito. Todas as plataformas digitais e empresas de tecnologia que atuam no País, mesmo que suas sedes ou seus provedores estejam situados no exterior, se sujeitam à lei brasileira.

A autora da ação, uma federação de empresas de tecnologia, defendia que o acesso judicial a dados de usuários da internet por provedores sediados no exterior deveria, necessariamente, seguir os trâmites previstos no Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT, em inglês), assinado entre o Brasil e os Estados Unidos. O argumento da ação era um tanto absurdo. Tentava-se usar um acordo de cooperação entre dois países, firmado precisamente para facilitar investigações criminais, como uma forma de dificultar o acesso da Justiça brasileira a dados relacionados a serviços prestados no País.

Corretamente, o MLAT prevê que as solicitações relativas a questões penais devem passar por uma autoridade central designada por cada país; no caso do Brasil, o Ministério da Justiça. Essa sistemática, que se aplica a informações e eventos ocorridos no exterior, é o reconhecimento da soberania de cada país sobre seu respectivo território.

No entanto, a hipótese de solicitação de dados analisada pelo STF era diferente, referindo-se a fatos ocorridos no Brasil. E aqui está a importância do Marco Civil da Internet, que define quando atos praticados no mundo digital estão sujeitos à jurisdição brasileira. Segundo o art. 11 da Lei 12.965/2014, toda operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros e dados feita por provedores de conexão ou de aplicações de internet, “em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional”, deverá respeitar “a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros”.

Atuando como terceiro interessado na ação, a empresa Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, defendeu no STF que o MLAT seria o “procedimento correto” para obtenção de dados controlados por empresas norte-americanas. É realmente peculiar que uma empresa que atua tão intensamente no País (são cerca de 116 milhões de contas no Facebook, 99 milhões de perfis no Instagram e 147 milhões de usuários de WhatsApp no Brasil) pretenda que a Justiça brasileira, ao precisar de algum dado relativo a essas contas, tenha de recorrer a um acordo de cooperação internacional.

Seja qual for o setor de atuação, toda empresa que opera no Brasil está sujeita à lei e à jurisdição brasileiras. Tentar escapar dessa realidade (ou limitar sua incidência) não é apenas uma manobra judicial pouco honrosa. Representa um desrespeito ao País. Fonte: https://www.estadao.com.br