Por Natalia Pasternak

O fenômeno das bolhas de desinformação nas mídias sociais é conhecido há tempos. Os algoritmos reforçam a circulação de informação – e desinformação – que reforça os preconceitos e crenças comuns no interior de grupos que compartilham ideologias e estilos de vida. Dentro da bolha, é natural encontrar quem pensa parecido, e mensagens que reforçam essas semelhanças são mais compartilhadas do que mensagens que desafiam e contradizem o consenso interno.

Psicólogos sociais distinguem bolhas epistêmicas de câmaras de eco. Nas bolhas, informação divergente não existe. As pessoas talvez nem saibam que há quem pense diferente delas. Imagine, por exemplo, uma comunidade religiosa pequena e fechada, para cujos integrantes a ideia de existir um ateu no mundo é quase inconcebível.

Nas câmaras de eco, sabe-se que ideias divergentes existem, mas estas ideias são ridicularizadas. Quem as defende é atacado e difamado, há repressão e assassinatos de reputação.

Na bolha epistêmica, vozes relevantes para a diversidade do debate são excluídas acidentalmente, sua existência não é conhecida. Já nas câmaras de eco, a exclusão é deliberada, mas a divergência não só é conhecida como se torna o foco da existência do grupo, que gira em torno do discurso de ódio contra a dissidência. Segundo o filósofo Thi Nguyen, bolhas epistêmicas podem ser furadas com exposição a evidências contraditórias, mas esta intervenção requer cuidado, ou corre-se o risco de a bolha virar câmara de eco.

As câmaras, infelizmente, não têm muita chance de salvação. Tentar penetrá-las para travar um debate honesto é quase sempre inútil. O contexto social da câmara perverte o processo.

Recentemente, decidi deixar o Twitter. Toda a minha produção de conteúdo sobre ciência está em artigos de jornais e revistas, publicações científicas e programas de rádio e TV. Meu uso da plataforma tendia a limitar-se ao compartilhamento destes conteúdos. De pessoal mesmo, só fotos de gatinhos.

Com a troca de controle do Twitter, o ambiente ali deteriorou-se. Perfis que haviam sido banidos por assédio, racismo e homofobia foram convidados a retornar. A monetização do selo verificado e dos impulsionamentos de conteúdo facilitam a multiplicação de câmaras de eco, discursos de ódio, fazendas de trolls e aceleradores de desinformação. Assédio, difamação e calúnia são premiados com aplauso e visibilidade ampliada.

Durante a pandemia, considerei minha presença ali necessária. No contexto particular da emergência sanitária, o Twitter viu-se elevado a referência para o jornalismo, que acompanhava o debate entre cientistas na plataforma. Com a normalização da Covid-19, que deixa de ser uma crise, o meu trabalho volta a ser de nicho, de alertar contra o uso de pseudociência em políticas públicas e a circulação de crenças perigosas na sociedade. Sair da plataforma foi para mim, portanto, uma decisão técnica e também particular.

Técnica porque o colapso acelerado da plataforma em câmaras de eco em guerra constante, impermeáveis a fatos e argumentos, reduz muito seu valor como ferramenta de trabalho. É como um motor de carro que faz muita fumaça, muito barulho e quase não transmite energia para as rodas. E particular porque não desejo emprestar nome e credibilidade a uma plataforma que favorece comportamentos criminosos. Popularidade é útil, mas não a qualquer preço.

Como presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), professora e voz com acesso ao debate público, meu trabalho é ensinar e tornar a informação científica disponível e amigável para todos. Isso, faço em diversos veículos de mídia. O IQC, enquanto instituição, seguirá disponibilizando conteúdo nas mídias sociais enquanto ainda for possível extrair algumas migalhas de trabalho útil dessas plataformas. Fonte: https://oglobo.globo.com