A luta de um pastor pela humanização da relação entre cristãos e muçulmanos

 

Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

 

A guerra em Israel deu munição para aqueles que não gostam de religião e especialmente do cristianismo evangélico, justificarem seus preconceitos e afirmarem que todo evangélico é bolsonarista por defender Israel. Não é tão simples. Para compreender melhor a relação entre evangélicos, israelenses e palestinos, pedi ajuda para o pastor Marcos Amado, que atua há 23 anos com organizações cristãs presentes em países islâmicos e é autor do ebook "Israel, o Armagedom e os Árabes Palestinos" (Martureo, 2019).

Para evitar uma interpretação equivocada, Marcos e eu deixamos claro que condenamos veementemente os ataques terroristas do Hamas há uma semana e que somos a favor da existência de dois estados, o de Israel e o Palestino.

Marcos aprendeu árabe vivendo no norte da África por oito anos, como parte do treinamento para ser missionário em países onde é proibido pregar o Evangelho. "Fomos recebidos em casas de muçulmanos como se fôssemos parte da família", ele conta. "Por isso, comecei a me perguntar por que temos uma visão tão negativa sobre eles."

A partir dessa experiência inicial no mundo islâmico, Marcos chegou ao livro "De Quem é a Terra Santa?" (Ultimato, 2016) do autor cristão Colin Chapman, sobre a questão palestina. Depois ele se aprofundou no assunto a partir de estadias nessas áreas e também ao visitar campos de refugiados no Líbano e na cidade de Belém. "Eles vivem à mercê de Israel, têm restrição ao uso de eletricidade, água potável e serviços de saúde", ele relata. "Isso me levou a pensar sobre como nós, cristãos do Ocidente, aceitamos que palestinos vivam como cidadãos de segunda categoria."

Marcos lista vários motivos para explicar por que evangélicos, que deveriam ser contra as guerras e perdoar seus inimigos, apoiam Israel e condenam os palestinos.

O principal motivo para essa posição seria uma interpretação bíblica do século 19 conhecida como "dispensacionalismo". Ela propôs que, antes do fim do mundo, Deus levaria seu povo de volta à Palestina porque, segundo o Antigo Testamento, Israel tem a posse eterna dessa terra. E reergueria o Templo de Salomão, onde está hoje a mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, de onde Cristo governaria por mil anos.

"A partir dessa leitura das escrituras, a criação do Estado de Israel em 1948 foi interpretada, principalmente nos EUA, como um sinal do fim dos tempos", explica Marcos. "Muitos cristãos defendem o moderno Estado de Israel com unhas e dentes pela importância da profecia. E a ocupação das terras palestinas é vista como parte desse processo."
Essa interpretação, que se popularizou principalmente nos EUA, chegou ao Brasil e se tornou parte da cultura dos evangélicos aqui. "Como a maioria dos missionários e dos livros que circulam aqui vêm de lá, mesmo evangélicos que não ouviram falar em dispensacionalismo, tomam partido dos judeus."

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Fonte: https://www1.folha.uol.com.br