Jacques Távora Alfonsin

Queridas mães sem-terra e queridas mães sem-teto. Com licença. Permitam, por favor, que neste segundo domingo de maio de 2015,  dia consagrado a reverenciar vocês, a gente entre nesse barraco improvisado onde vocês estão, para fazer uma visita, dar a vocês um abraço e um beijo com muito amor, carinho e emoção.

Mesmo envergonhados, pois viemos lá do centro da cidade, onde tudo é tão diferente daqui, com nossas casas bem abrigadas, servidas de luz, água, saneamento, próximas de escolas, creches, hospitais, bombeiros, tudo à nossa disposição e encontramos vocês nesse lugar  desprovido de tudo isso, incômodo, desconfortável, aberto a intempéries e  doenças, por tanto tempo esperando…

Por isso, perguntar a vocês como vão, parece-nos sem nenhum sentido, tanto atraso e demora o reconhecimento do direito de vocês de acesso à terra é responsável pela pobreza, pela miséria e pelo aperto que vocês sofrem em tantas regiões de um país, onde o que não falta é espaço.

Por isso, a nossa primeira palavra para vocês nessa visita, não pode ser outra do que a de uma saudação muito amorosa e fraterna, mas também cheia de esperança.  Como aconteceu no passado, com outras duas mulheres, essa esperança não é vã.

Maria, uma senhora grávida muito pobre como vocês, foi visitar sua prima Isabel, também grávida de um menino, a quem depois foi dado o nome de João Baptista. O nascituro vibrou de alegria no seio de Isabel com aquele encontro e Maria entoou um canto cujo eco ainda hoje se faz ouvir, tão atual se mostram letra e harmonia, no dia das mães:

“De agora em diante, todos vão me chamar de mulher abençoada, porque Deus Poderoso fez grandes coisas em mim. O Seu Nome é Santo e Ele mostra Sua Bondade a todos”…

Vejam queridas mães. Independentemente da fé presente ou não em cada pessoa, se um Deus quer nascer de mulher, como qualquer filha ou filha de uma sem-terra ou de uma sem-teto, não há saudação mais apropriada para o dia das mães do que essa. Existe sim Uma Bondade que não discrimina ninguém, como a das mães, que não custa dinheiro, como a das mães, que não desanima, como a das mães, que não se deixa vencer por problemas, dificuldades e carências, aparentemente insuperáveis, como a das mães.

Nossa segunda palavra, então, é de um agradecimento muito grande a vocês. Porque o parto posterior dessa Maria se deu nas mesmas condições em que vocês vivem agora e, ainda assim, pode-se dizer que mudou todo o curso da nossa história. Ela também estava acampada, os motivos para todo esse desconforto e incômodo, em tudo semelhantes aos de hoje sobre vocês, já tinham sido por ela previstos quando continuou cantando na visita feita à sua prima:

“Deus levanta a sua Mão Poderosa e derrota os orgulhosos com todos os planos deles; derruba dos seus tronos reis poderosos e põe os humildes em altas posições; dá fartura aos que têm fome e manda os ricos embora com as mãos vazias.”

Como pode ser isso? Vocês ainda acreditam em tal vitória? Que poder tão forte é esse? Pois é. Essa é a principal razão do nosso agradecimento, queridas mães. Todo o sofrimento, toda a dor, toda a penúria revelada pela presença de vocês aqui, é um exemplo de fé e de vida para outro tipo de fé e outro tipo de vida. Até para outro modelo de mãe que nós queremos e precisamos aprender.

Se quem espera sempre alcança, como se ouve frequentemente, a esperança de vocês, como a de Maria, não é passiva à  maneira de quem conta com a chegada de uma esmola; não é individual como quem espera só para si e não para todas/os; não é paga em dinheiro, como quem não tem outra preocupação na vida que não a de trocá-la por lucro, juro e pagamento do psiquiatra para suportar todo esse peso malsão, que acaba por deixar suas vítimas “despedidas de mãos vazias”.

Bem ao contrário, essa esperança é sustentada por coragem, brio, moral, dignidade, cidadania e muita alegria. Até a morte de vocês, como aconteceu com Rose e Margarida Alves, não afeta essa esperança. Nem a morte das/os filhas/os de vocês, como aconteceu com a do Filho de Maria, e vem se repetindo em despejos massivos, do tipo Corumbiara, Eldorado dos Carajás e São Gabriel, alguns garantidos por sentença e força pública, como também aconteceu com Ele.

Nada disso é capaz de fazer vocês desistirem. Muito obrigado, portanto, amadas mães pobres, sem-terra e sem-teto.

Nossa terceira palavra é um convite. Vamos olhar juntas/os para o chão. Aí está a nossa outra mãe, mãe de vocês também. A nossa  mãe terra, tão sofrida, humilhada e explorada como vocês. Do seu ventre fecundo, como o de Maria e o de vocês, nascem filhas e filhos-sementes, árvores, frutos, o muito mais do que suficiente para alimentar e abrigar a humanidade inteira. No entanto, tem sido reduzida a uma mercadoria  muito cobiçada pelo extremo valor por ela alcançado como escrava de compra e de venda.

Medida, ferida, patenteada, registrada, estuprada por todo o tipo de interesse, egoísmo, depredação e veneno, seu sangue, em rios e águas interiores, está muito sujo, de uma sujeira imune a qualquer diálise. Daqui a pouco vai estar morto como mortos estão os peixes, as aves e qualquer animal que ele dessedentava. Uma natureza toda voltada para a vida, queridas mães, está sendo vencida por uma outra que pretende substituí-la, a do dinheiro e do mercado. Isso tem um efeito irreversível no útero da nossa mãe. Ele corre o risco de abortar todo o seu potencial de geração da vida.

Isso é coisa para estar se dizendo num dia que deveria ser só de festa e boas lembranças? A nossa homenagem se explica e justifica justamente por isso, queridas mães. Vocês dão uma resposta real e concreta a toda a injustiça causadora desses males, sem se deixar abater. Vocês acreditam, apesar de tudo; têm fé na organização que as reuniu aqui, em perseverar resistindo a todos os lobos vestidos de cordeiro que nos rondam,  ameaçam, roubam e matam.

A esperança de vocês é alegre, mesmo em meio a dor e ao sofrimento, como alegre foi o canto de Maria. O amor de vocês nos é oferecido como um presente tão generoso e gratuito, também como o dela, que nós nem temos como retribuir. Nenhum arsenal de guerra e ódio, nenhum acúmulo financeiro avaro a ponto de negar satisfação das necessidades mais elementares das/os pobres de todo o mundo, nenhuma força militar e política de absoluta autoridade e arbítrio, tem poder superior à bondade, ao amore à essa generosidade de vocês.

Deem-nos a honra, queridas mães, deem-nos a oportunidade de ficar aqui mais um pouco. Aceitem nosso propósito confiante de não abandonar nem de deixar vocês sozinhas, como Maria não deixou Isabel nem Seu Filho, mesmo quando Ele morria na cruz, assassinado como muitas/os das/os filhas/os de vocês morrem hoje e pelas mesmas razões.

A mãe terra prometida está longe mas já se avista e, por maior que seja nossa fraqueza, isso também ela não repara, como toda a mãe faz. Ela quer nos acolher em seu seio, abraçar-nos sem reservas, pronta a nos sustentar, alimentar e abrigar.  Por contar conosco para isso, no dia das mães, nos dias da mãe terra, abraçadas/os a todas as mães sem-terra e as sem-teto, homenageamos todas elas, assumindo o compromisso de, a seu exemplo, enfrentarmos todo o mal e toda a injustiça que nos separa, divide, fere, exclui e mata.  No festivo parto de um novo tempo, celebraremos o dia das mães preservando e defendendo tudo o que nos une, soma, cura e inclui, assim garantindo a todas/os uma nova vida, vida em abundância. Fonte: https://rsurgente.wordpress.com