Para as mulheres negras, violências iniciam-se na concepção, passando pela saúde, educação, moradia e mercado de trabalho, finalizando com a interrupção da vida.

 

Amini Haddad Campos e Karen Luise Vilanova Batista de Souza, O Estado de S.Paulo

O movimento mundial dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher teve início em 1981, intitulado “as mariposas” em homenagem às irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, assassinadas em 25 de novembro de 1960, na República Dominicana, quando foram submetidas às mais diversas situações de violência e tortura. Na data, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebra o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

No Brasil, os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher consolidam ações entre 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, e 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Violências contra mulheres, em especial contra negras, externam uma naturalizada “cultura” que hierarquiza homens e mulheres (subjugação do feminino) e pessoas brancas e negras (subjugação racial), com consequências sociais gravíssimas.

Segundo estudos (Violence against Women, do UN Department of Public Information) são decorrências desses condicionamentos do feminino a violência doméstica/familiar, a sexual e a psicológica; as ofensas e a exposição da intimidade nas mídias; o tráfico internacional de mulheres/meninas; a mutilação genital feminina; o matrimônio forçado; os leilões de meninas/mulheres; os feminicídios; a violência econômica (exploração doméstica, desnível na herança, diferenças salariais; a violência obstétrica; a seleção pré-natal à garantia de nascimento de meninos; o aborto de fetos femininos (desqualificação estabelecida); a eliminação de embriões femininos; a desnutrição de bebês meninas (do não desenvolvimento à morte); a delimitação de atividades (imposição); a limitação da identidade/personalidade, com imposição de véus, burcas, xadores; o turismo sexual; o descrédito/desqualificação de testemunhos de mulheres; o impedimento à cidadania (trabalho, votar/ser votada); a violência política contra mulheres; a perseguição; a discriminação representativa nas cúpulas (ausência de mulheres); a desqualificação feminina nas promoções de carreira (uso de termos pejorativos), entre outras ocorrências e situações categorizadas por vulnerabilidades múltiplas, que condicionam gradações majoradas de violações aos direitos humanos de mulheres e meninas.

Não se deve descurar das suscetibilidades profundas na sociedade. Assim, veem-se potencializadas as violações conforme perfil feminino, na modalidade de análise existencial (raça, etnia, deficiência) ou circunstancial (violações no momento do parto ou de atendimento médico, por exemplo).

Os direitos humanos são universais, mas as práticas para lhes darem concretude partem de paradigmas nos quais as mulheres e as pessoas negras não se sentem contempladas. Por isso, compete a todas as pessoas a adoção de práticas que busquem a superação do histórico emudecimento desses sujeitos, com a construção de um novo tempo no qual todas e todos sejam vertentes nobres de iniciativas à promoção da equidade. É importante que a sociedade civil e seus representantes possam dialogar com vistas à superação dessas modalidades de violência.

É nesse contexto que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assumiu relevante compromisso à representação feminina nos espaços de poder, ciente de que há relação direta entre a invisibilidade do feminino e as graves violações aos direitos humanos, conforme expresso na Declaração de Pequim.

Com esse foco, foram adotadas ações para o desenvolvimento de políticas judiciárias de promoção da equidade para efetiva participação feminina, expressa na Resolução CNJ n.º 255/2018, bem como delimitação de acesso à justiça, conforme orientação para julgamento com perspectiva de gênero, por meio da Recomendação CNJ n.º 128/2022. A campanha dos 21 dias de ativismo pela equidade e fim da violência contra mulheres e meninas é mais uma ação do Conselho Nacional de Justiça que visa alcançar o equilíbrio e a justiça para todas as pessoas.

A escolha simbólica do Dia da Consciência Negra para dar início a essa agenda guarda consigo a necessidade de dar visibilidade ao que as estatísticas recorrentemente demonstram: mulheres negras são as maiores vítimas de feminicídio (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021) e de outras tantas violações de direitos humanos que as colocam na base da pirâmide social.

Para as mulheres negras, em razão de sua dupla vulnerabilidade, as violências contra elas iniciam-se desde a sua concepção, passando pela saúde, educação, moradia e mercado de trabalho, finalizando com a interrupção de suas vidas, expressão máxima das violências de gênero e de raça, em processos de constante negação de humanidade.

Em uma sociedade democrática, evidencia-se um dever à existência do valor humanidade. Reconhece-se que a consecução desse valor, representativo de todas as pessoas, é sustentado no vetor do artigo 3.º da Constituição federal, que prevê como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

*JUÍZAS AUXILIARES DA PRESIDÊNCIA DO CNJ. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br