O Jornalismo profissional sobrevive

 

A desmoralização da imprensa profissional foi uma bandeira de campanha do então candidato Jair Bolsonaro em 2018 e se tornou uma política informal de governo após sua posse como presidente da República. Se é verdade que a vida de jornalistas que cobrem o exercício do poder nunca foi cômoda, não há precedentes para o que aconteceu no País nos últimos quatro anos desde pelo menos o fim da ditadura militar.

Quando não o fez pessoalmente, Bolsonaro açulou seus ministros, auxiliares e apoiadores mais radicalizados para ameaçar e agredir jornalistas. Como chefe de governo, o presidente dificultou tanto quanto pôde o exercício da liberdade de imprensa assegurada pela Constituição, seja banalizando a edição de decretos de sigilo, seja autorizando que órgãos da administração federal se esquivassem de determinações da Lei de Acesso à Informação.

Durante o governo Bolsonaro, os ataques a jornalistas e à liberdade de imprensa atingiram escala inaudita. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) bem destacou há poucos dias, durante a cerimônia de entrega do Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2022, que nos últimos quatro anos aumentaram os processos judiciais contra jornalistas por supostos crimes cometidos contra a honra. Trata-se de mais uma forma de constranger o livre exercício de uma profissão que, nunca é demais lembrar, é protegida pela Constituição, regulamentada por lei e orientada por um código de ética muito rigoroso.

A bem da verdade, essa sórdida campanha para desacreditar o trabalho da imprensa – e, assim, minar a confiança dos cidadãos no trabalho dos jornalistas como forma de turvar a compreensão da realidade – não é um problema exclusivo da sociedade brasileira. Diversos países têm lidado com um dos grandes desafios da atual quadra do século 21: o restabelecimento de um consenso social mínimo acerca do que seja fato. A peculiaridade do caso brasileiro é que Bolsonaro, como chefe de Estado e de governo, pôs-se a liderar essa cruzada contra a imprensa profissional enquanto guardiã da verdade factual.

É típico de populistas que flertam abertamente com o autoritarismo atacar as instituições democráticas que, à sua maneira, traçam uma linha muito bem definida entre realidade e ficção. Não surpreende, portanto, que a imprensa profissional, como guardiã dos fatos, tenha sido alçada por Bolsonaro à condição de “inimiga do povo”. O mesmo aconteceu com instâncias do Poder Judiciário, como guardião das leis, e com as universidades, como centros de produção de conhecimento científico.

Essa disrupção provocada por Bolsonaro impôs desafios não apenas ao jornalismo, mas também aos tribunais superiores. No afã de salvaguardar a democracia nesses tempos esquisitos, ministros que devem zelar pelas liberdades garantidas pela Constituição tomaram decisões que, em alguns momentos, acabaram por enfraquecê-las. A liberdade de expressão não é absoluta, como nenhum direito é, mas é preciso ficar atento para que o remédio contra o golpismo não se torne veneno contra a democracia.

A despeito da magnitude de todos os ataques que sofreu, o jornalismo profissional resistiu e mostrou seu inestimável valor para a construção de uma sociedade mais bem informada e, consequentemente, mais livre e participativa. Todo o descalabro do governo Bolsonaro só veio à luz pelo incansável trabalho de jornalistas que não se intimidaram e desafiaram as barreiras que foram erguidas para dificultar o exercício da profissão.

Este jornal manteve a sociedade bem informada durante um governo que se notabilizou, entre outras razões, por sua recalcitrante hostilidade à imprensa profissional. A revelação de casos como o das “rachadinhas” da família Bolsonaro, o famigerado “orçamento secreto”, “os pastores do MEC” (esquema de corrupção montado no Ministério da Educação), entre tantas outras reportagens, deram ao Estadão papel de destaque no trabalho da imprensa de lançar luz onde o governo Bolsonaro queria que prevalecesse a sombra.

Em menos de um mês, Bolsonaro deixará o poder. Já a imprensa profissional seguirá onde sempre esteve: a serviço da sociedade, publicando as informações que apura com técnica, rigor ético e espírito público. Fonte: https://www.estadao.com.br