*Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.
Os carmelitas hoje não deveriam ter dúvidas sobre o valor do Escapulário e deveriam ser diligentes em defendê-lo. Existe uma falta de coragem entre os carmelitas na propagação do Escapulário. Aqueles que acham que a evidência da historicidade da visão do Escapulário não é convincente, precisam encontrar outros fundamentos para esta devoção. Seu valor contínuo foi afirmado, nestes anos recentes, em duas alocuções de João Paulo II onde ele fala dos múltiplos frutos espirituais surgidos da devoção ao Escapulário.[i] Mas, ao mesmo tempo, devemos estar conscientes do pluralismo da Ordem em cinco continentes. O modo como a devoção do Escapulário é proposta em um lugar, ou tempo, pode não se ajustar a outro.
Contudo, podemos propor cinco princípios teológicos espirituais e pastorais que são bases apropriadas para qualquer pregação do Escapulário. É claro que outros vão fazer outras propostas. O futuro desenvolvimento do Escapulário na Ordem não pode ser previsto, mas pode ser encorajado, dando-se ao Escapulário uma base sólida.
Em primeiro lugar, o Escapulário pertence às categorias de sinal e de símbolo. Ele aponta para algo além de pedaços de pano (ou medalha), para outras realidades. O primeiro simbolismo é o da roupa. O Escapulário representa o hábito carmelitano que é usado num instituto que é profundamente mariano. Nesta Ordem, Maria é vista como Padroeira, Mãe, Irmã e Virgem do Coração Puríssimo. A aceitação do Escapulário é, de certo modo, uma adoção destes valores e destes atributos marianos.
Em segundo lugar, ele é um sacramental da Igreja. O novo Catecismo da Igreja Católica descreve sacramentais da seguinte forma: “São sinais sagrados que denotam uma semelhança com os sacramentos. Eles geram efeitos de uma natureza espiritual, que são obtidos pela intercessão da Igreja”.[ii] O que é novo nesta definição de sacramental quando comparado à teologia mais antiga exposta no Código Canônico[iii] de 1917, é que um sacramental é mais do que um objeto. Como já vimos, ele é um sinal. Assim, ele é eclesial e não pertence unicamente à Ordem Carmelitana. Mas implica que, em nosso caso, é necessário mais do que o mero uso do Escapulário. Se seus efeitos devem ser obtidos através da intercessão da Igreja então, além de usá-lo, deveríamos nos abrir à oração da Igreja, especialmente através da oração particular e da reflexão pessoal. Seu uso deveria ser um convite à oração. Além disso, existe a obrigação pastoral de explicar seu significado como um sinal.
Em terceiro lugar, o Escapulário está associado à Ordem Carmelitana, assim como outros sacramentais são promovidos por outros institutos religiosos como, por exemplo, a Medalha Milagrosa. Aqueles que o usam deveriam ser instruídos na tradição carmelitana da Virgem Maria. A tradição mariana carmelitana, apesar de rica e notável, não é a única na Igreja. Mas ela ocupa seu lugar correto junto às outras. No entanto, algumas pessoas podem não se sentir atraídas por ele. As formas de espiritualidade e de devoção na Igreja são livres e, basicamente, trata-se de como a pessoa é guiada pelo Espírito.
Em quarto lugar, o Escapulário, como afirma Pio XII, é um sinal de consagração. Existe uma grande quantidade de sérios escritos teológicos sobre o significado da consagração, especialmente da consagração à Maria.[iv] A consagração à Maria está firmemente estabelecida na tradição católica. Muitos santos e papas a defenderam. Numerosos institutos religiosos apresentam a consagração à Maria como o coração de sua espiritualidade. Mas em anos recentes houve um sentimento entre alguns teólogos importantes de que a idéia requer uma abordagem teológica maior do que ela freqüentemente recebe. A questão central é que, estritamente falando, existe apenas consagração a Deus e por Deus. Já que a consagração é nossa divinização pela graça, é apenas Deus que é o princípio e o fim da consagração. Neste sentido rigoroso, a consagração não é algo que fazemos, mas é um ato divino em nós. Se nos consagrarmos à Maria, estamos, de fato, apenas ratificando o que Deus já fez por nós através do santo batismo. Uma vez que isso seja compreendido, então não existe realmente um problema numa consagração à Maria. Essa consagração expressa um encontro pessoal íntimo com ela, que implica em confiar, pertencer, autodoar-se, assim como disponibilidade, acessibilidade e colaboração afetiva no serviço da missão de seu Filho.[v]
O papa João Paulo II se vale da rica tradição para usar outras expressões que indicam pertença e disponibilidade: confiança, consagração, dedicação, recomendação, serviço, colocar-se nas mãos de Maria, etc.[vi]
Pode ser que quando falamos sobre o Escapulário num certo lugar, a palavra “consagração” deva ser evitada e uma das alternativas deva ser escolhida. Mas escrúpulos teológicos sobre a palavra “consagração” podem ser respondidos eficazmente com os textos de Miguel de Santo Agostinho e de Maria Petyt citados anteriormente neste capítulo. Existe uma identidade entre o reino de Maria e o reino de Jesus.
Seja o que for sobre a linguagem que usamos, o Escapulário deve ser apresentado como um modo de relacionamento com Maria, de submissão à sua vontade, que é o plano salvífico de Deus. Isso também implica que, por sua vez, ela nos favorecerá com sua intercessão.
Em quinto lugar, deveríamos estar conscientes do papel do Escapulário na evangelização e na religiosidade popular. A religiosidade popular é uma realidade complexa, variando nas diferentes culturas e nos diversos períodos da história.[vii] Ela é considerada positiva, resguardada pela aprovação de Paulo VI em sua exortação apostólica sobre a evangelização, Evangelii nuntiandi,[viii] e fortemente recomendada pela Conferência do CELAM em Puebla (1979)[ix] e por outros encontros Latino-americanos. Mas, mesmo quando não está totalmente purificada dos acréscimos indesejáveis, ou quando expressa parcialmente o mistério cristão, a religiosidade popular é sempre uma janela aberta para o transcendente. Ela invariavelmente proclama nossa insuficiência e a necessidade constante da ajuda divina. Aqueles que usam o Escapulário estão reconhecendo que não são autossuficientes e que precisam da ajuda divina que, neste caso, buscam através da intercessão de Maria.
*UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO. Um Estudo da Herança Mariana na Ordem
[i] Osservatore Romano, 24 e 31 de julho de 1988 = AOC 39 (1988) 4-7.
[ii] N. 1667, cf. Vaticano II, Liturgia SC 60. Ver A. Donghi, “Sacramentali”, NDizLit 1253-1270.
[iii] Cânon 1144.
[iv] A. Boulet, “Peut-on se consacrer à Marie?” em Mater fidei et fidelium. FS T. Koehler. Marian Library Studies 17-23. (Ohio: University of Dayton, 1991) 540-544; A. B. Calkins, Totus Tuus. John Paul II’s Program of Marian Consecration and Entrustment (Libertyville OH: Academy of the Immaculate, 1992); S. De Fiores, “Consacrazione”, NDizMar 394-417; M. O’Carroll, Theotokos 107-109.
[v] S. De Fiores (n. 85) 406.
[vi] Ibid. 406; cf. Calkins (n. 85) passim.
[vii] G. Mattai, “Religiosità popolare’, NDizSpir 1316-1331.
[viii] N. 48 – AAS 68 (1976) 37-38.
[ix] Puebla. Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina. Conclusões. (Vozes Petrópolis: Conference of Catholic Bishops, 1979 – Slough UK: St Paul 1980) nn. 444-469, 910-915, 959-963.