Frei Bruno Castro Schröder, O.Carm Convento do Carmo da Bela Vista, São Paulo.

1- INTRODUÇÃO

Quando  somos  tomados  pelo  senso  comum  corremos  o  risco  de  nos depararmos com situações em que ficaremos sem palavras diante do outro. E, nesse  sentido,  agarramos  com  unhas  e  dentes  discursos  exíguos  ou  nos deparamos com a árdua vereda que chamamos de pesquisa. Este   presente   ensaio   nasce   de   uma   necessidade   subjetiva   de compreender melhor como se dá a relação do ser irmão na Ordem do Carmo tendo como eixo o texto da Regra dada por Alberto, o Patriarca de Jerusalém, norteadora dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem do Carmo. Em um primeiro momento se apresentará a dimensão Antropológica do estudo  ao  ser  colocado  como  se  dá  a  clericalização  da  Ordem  através  das épocas; posteriormente o enfoque se dará pelo estudo da influência paulina na espiritualidade  carmelitana,  a  dimensão  bíblica-espiritual;  alfim  duas  grandes rupturas ilustram a o aspecto histórico e lançam luzes para o futuro, consistem na  difusão  para  a Europa  em  1238  e  na  Congregação  Geral  de 1974.  Estes dois   momentos   históricos   servem   a   nós   de   objeto   de   estudo   para   se compreender o ser irmão na Ordem do Carmo, mas, também ilustram o futuro de todos quantos desejem ser frades sacerdotes ou não. A confluência  destes  três  pontos  leva-nos  a  refletir  de  modo  sólido questões pertinentes a todos os membros da Ordem. Leva-nos a olhar para o outro  como  se  estivéssemos  olhando  para  nós  mesmos.  A  perceber  o  quão complexo  é  esse  organismo  vivo  chamado  Ordem  dos  Irmãos  da  Bem- Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo.

2- PROCESSO DE CLERICALIZAÇÃO DA ORDEM

Após a terceira cruzada, por volta do ano de 1192, um grupo de eremitas latinos se estabeleceu junto ao Monte Carmelo na Palestina e alí constituíram

1 Texto  apresentado  à  comunidade  conventual  do  Carmo  da  Bela  Vista  de  São  Paulo  em novembro de 2017. As sugestões e indicações propostas por frei Tadeu Passos de Camargo passam  pela  leitura  da  obra  Quæ  Focas  vidit?  de  frei  Benigno  Dissel  (1945)    ainda  não localizada. Um  ermo  nas  antigas  instalações  de  um  mosteiro  bizantino  de  Wadi  ain  esSiah.

Muito   pouco   se   sabe   das   condições   de   vida   daqueles   primeiros eremitas. Não sabemos se eram cruzados ou peregrinos, nobres ou plebeus. Sabe-se  participavam  nas  cruzadas  para  visitarem  a  Terra  Santa  e  estavam submersos na espiritualidade pellegrinaggio, ou seja, apresentavam uma forte característica metanoica, eram um grupo de leigos  viventi in santa penitenza. Tendo  como  experiência  de  vida  a  solidão,  a  leitura  da  Sagrada  Escritura, oração, contemplação, trabalho manual, jejum, vigílias e obras de misericórdia.

A este grupo, entre os anos de 1206 e 1214, o patriarca de Jerusalém, Alberto, lhes escreve uma Regra de Vida. “Questa Regola non fa distinzione tra sacerdoti e non sacerdoti: chiama tutti semplicemente „fratres‟” (BOAGA, 1982, p. 1). As principais decisões, as preocupações da vida conjunta, o bem-estar espiritual dos frades (Regra do  Carmo  II, III e XI)  eram  divididas por todos e todos participavam dos trabalhos manuais (RC XV).

A única distinção que pode ser elencada na Regra diz respeitos àqueles que sabiam ler e os que não o sabiam. O texto em seu capítulo VIII, antes da correção  inocenciana,  estabelecia a recitação do “Salterio” aos  letrados  em contraponto  à  recitação  de  um  certo  números  de  Pater  por  aqueles  que  não sabiam ler. A introdução das horas canônicas só se dará em 1247. Segundo o historiador  Emmanuele  Boaga  (1934-2013)  é  neste  momento  histórico  que alguns teóricos dirão repousar a gênese da clericalização da Ordem. Entretanto este  momento,  para  o  historiador  carmelita,  nos  diz  apenas  duas  coisas.  A primeira é que o empenho em santificar as horas do dia não são um privilégio do clero, mas de todos. E isso se verifica desde as raízes judaicas. Outra coisa, o senso de atividade pastoral que era assumido naquele tempo, a celebração pública e coral das horas canônicas.

Faz-se salutar pontuar a clericalização da Ordem no século XIII. Após a migração  para a  Europa  e  sua  introdução no  meio urbano  (mendicanismo)  é manifesto   o   processo   de   transformação   institucional.   As   necessidades pastorais da urbe exigiram da Ordem à presença de cada vez mais sacerdotes entre os frades. A influência da legislação dominicana (mitigação da Regra) e, no ano de 1228, a introdução no Corpus Iuris Canonici a absoluta proibição da pregação  leiga  por  Gregório  IX  foram  elementos  para  a  clericalização  da Ordem.  Outros  fatores  como  a  abertura  ao  mundo  universitário  fizeram-se coadjutores para a separação entre os clérigos e os não-clérigos que por sua vez começam a se distanciar devido a alfabetização.

Entretanto   em   1281   nas   constituições   mais   antigas   que   se   tem conhecimento,  é  clara  a  nota  separatista  entre  clérigos  e  os  leigos  embora ainda haja pontos de contato. Nelas os frades leigos “vanno in coro com i chierici per mattutino, vespri e compieta […];  portando  il  vestito  come  i  chierici  ad  eccezione dell‟almuzia2     o   abito   corale;   prendono   parte   il   capitolo conventuale, settimanale com parità di diritti com i chierici; però non  prendono  parte  al  capitolo  quotidiano  dele  colpe  dopo Terza, se non in determinate accasioni; non prendono parte al capitolo provinciale e generale. Non possono i laici studiare, ne avere  libri  in  uso  proprio  nemmeno  portar  ela  tonsura  como  i chierici;  devono  però  essere  istruiti  ed  esercitati  in  qualque mestiere utile  all‟Ordine e ad essi è affidata la cucina. Quatro volte l‟anno è spiegata loro la Regola in língua volgare”

(BOAGA, 1982, p. 3)

Mas em 1291 no Capítulo Geral de Treviri abate-se o último resquício de paridade  entre  tais  frades.  Os frades  leigos  perdem  o  exercício  do  direito  de voz passiva e ativa. “La  disposizione  sanscise  così  la  completa  e  definitiva clericalizzazione dell‟Ordine” (BOAGA , 1982, p.3) .

Após  o  Concílio  de  Vienne  (1311-12)  os  frades  leigos  constituem  um terço do grupo religioso e começam a serem conhecidos como semifratres ou servifratres.

3- A TÔNICA PAULINA NA REGRA DO CARMO

Há  na  Ordem  do  Carmo  a  tônica  da  espiritualidade  paulina,  expressa inicialmente   na  Regra  de  Vida   dos  Irmãos   pela   tradição  oral  e  escrita.

2 Cappa  canonicale,  distintiva  dei  canonici  di  alcuni  catedrali  o  collegiate,  consistente  in  un piccolo  mantello  di  pelliccia  con  capuccio  grande,  che  copre  anche  le  spalle.  (ZINGARELLI,

1994, p. 72) Destacam-se  três  características  próprias  do  Apóstolo  Paulo  na  exortação albertina ao grupo de eremitas do Monte Carmelo, são elas:

 

  1. A Exortação;
  2. O Discernimento e
  3. A Militância3.

 3.1 - A EXORTAÇÃO

 É evidente pelo número de vezes que o Apóstolo das Gentes é citado, entretanto também o é por seu estilo literário. “Paulo recorre à figura literária da exortação4  para enfatizar a autenticidade da vida cristã como uma identidade coerente à verdade do Evangelho” (MATOS, 1998, p. 17).

Todo neo-batizado, para Paulo, é um „ser-novo-em-Cristo‟ e é impelido a viver  em  plenitude  essa  novidade.   A  estrutura  dos  textos  em  forma  de exortação  nos  textos  paulinos  nos  oferece  uma  reflexão  sobre  o  “sinergismo evangélico”, ou seja, a  dialética  de  proposta  e  que  nos  convida  a  dar  uma resposta.

Porém, não é o Patriarca que nos exorta, mas sim o próprio Deus que nos  convida  a  viver  a  Regra;  que  nos  fala  de  uma  vocação  comum  no pluralismo de suas manifestações, quer como sacerdotes ou não.

Assim como as exortações paulinas às comunidades, a Regra também nos impele a nos tornarmos “cristiformes”; tornar-se  como  Cristo  ou  um  alter christus,  parafraseando  (MATOS,  1998,  p.17)  não  se  trata  de  um  preceito alheio à natureza humana, mas de um modus vivendi que emerge da própria identidade de filhos de Deus.

Aquele que recebe a exortação e a abraça é impelido a uma existência que transforma o ouvinte, dando-lhe uma vida nova, que se constitui na “forma de vida praticada pessoalmente por Jesus e por Ele proposta aos discípulos”

(Vita Consecrata, 31).

3  Militia Christi, é a “„denúncia‟ de tudo o que impede a Boa-Nova de ser uma realidade viva, é

o anúncio alegre e amoroso do Reino, é a luta contra as „forças do mal‟”. (MATOS, 1998, p. 67).

4   O termo “exortação” está diretamente ligado à  palavra  grega  παρακαλεω,  que  quer  dizer

“chamar para algo”, “animar”, “convidar” implica uma ação e diz respeito a um chamado

paterno ou um convite fraterno.

3.2- DISCERNIMENTO 5

A segunda característica presente os escritos paulinos e concernentes à tessitura na Regra do Carmo é a capacidade de discernimento, decorrente de “uma vivência coerente da identidade cristã” (MATOS, 1998, p. 40) iniciada na exortação.  O  discernimento  possui  uma  tríplice  ação,  ele  impele  a  conhecer, perceber  e  apreciar,  fazendo  com  que  o  crente  oriente-se  interiormente  para tudo aquilo que seja “justo e santo”.

É  por  meio  de  um  sincero  discernimento  que  podemos  corresponder existencialmente   ao   convite   a   sermos   signum   fraternitatis   em   meio   à Comunidade  Eclesial.  Sendo  assim,  uma  “autêntica  consagração  inclui necessariamente   o   discernimento   como   atitude   evangélica   absolutamente central” (MATOS,   1998,   p.36).   Faz-se   mister   o   crescimento   individual   e comunitário da “lucidez espiritual” que deve se traduzir em escolhas cada vez mais realistas e amadurecidas. (VC, 73).

O  Apóstolo  das  Gentes  emprega  o  termo  δοκιμάζω (dokimázo)  para exprimir a ideia de “discernimento”, ademais, no mundo grego significa “separar o  verdadeiro  do  falso  e  ficar  com  aquilo  que  era  reconhecido  como  bom  e autêntico” (MATOS, 1998, p. 39). É por meio do exercício contínuo do discernimento que o cristão, homem novo em Cristo, unifica-se em inteligência e  coração,  em  teoria  e  prática  para  tornar-se  imagem  de  Cristo,  bondade, justiça e verdade.

3.3- MILITÂNCIA

A Militia Christi advém, por sua natureza, do discernimento e é intrínseca à consagração. Aquele que movido pelo chamado e discernindo aquilo que é justo  e  santo  está,  eminentemente,  em  uma  luta  constante,  torna-se  um militante. Viver em obséquio de Jesus Cristo não tem implicações tão somente subjetivas,  de  cunho  particular,  mas  faz  com  que  toda  a  existência  humana ocorra se transforme. “A laboriosidade no silêncio e na paz será o sinal de que os irmãos     terão     alcançado     a     maturidade     das     relações

5   Δοκιμάζω, 1. provar, experimentar; 2. distinguir o  que  é  melhor;  3.  Interpretar,  explicar, discernir. (RUSCONI, 2005, p. 135).

interpessoais, baseadas na justiça e no amor. […] Firmes na palavra e na lei do Senhor, constroem como irmãos o próprio ser  que  crescerá  até  a  maturidade  de  uma  vida  comunitária capaz   de   diálogo,   de   entendimento   e   de   generosidade”.

(THUIS, 1983, p. 25)

Encontra-se    uma    complementação    a    este    tema    na    Bullarium Carmelitanum, ao afirmar que “No Ocidente, com a aprovação definitiva da Regra e a sua adaptação, o obséquio ao Cristo se enriquece na modalidade da vida  apostólica  pelas  estradas  do  mundo  em  benefício  dos  irmãos” (apud THUIS, 1983, p. 25).

São  Paulo  estabelece  uma  íntima  relação  entre  a  consagração  ao Senhor e a missão apostólica. “A missão do consagrado não é primeiramente um   engajar-se   em   obras,   mas   sim   um   empenhar-se   numa   existência transfigurada, iluminada por dentro pela presença amorosa de Deus” (MATOS,

1998, p. 66). Presença essa que nos impele cada vez mais a nos pormos em busca da vontade do Senhor com atenção aos “sinais dos tempos”.

4- DUAS GRANDES RUPTURAS

Duas fontes de interpretação, dois marcos na história da Ordem podem ser  usadas  para  entender  o  fenômeno  do  ser  irmão  e  do  ser  clérigo  na instituição. Com o termo ruptura podemos entender uma “nova compreensão, uma maneira diferente de serem vividos os elementos constitutivos” (LIBANIO,

1981, p. 11). A análise a partir de rupturas é de natureza epistemológica, pois nos  leva  a  elevação  dos  atuais  paradigmas.  Considerar-se-á  os  seguintes momentos históricos:

  1. A difusão para a Europa em 1238 e
  2. A Congregação Geral de 1974.

4.1- A DIFUSÃO PARA A EUROPA

Poucas décadas após o estabelecimento dos eremitas latinos em Wadi ain es-Siah, em Accon e Tiro a estabilidade política na Palestina foi ameaçada pela crescente investida sarracena (muçulmana)6  contra os cristãos do Oriente Médio. Nos anos que se seguiram (1238), por força da instabilidade política na Palestina, se deu a difusão dos carmelitas em direção ao continente europeu, primeiro   nas   ilhas   de   Chipre   e   da   Sicília   e   depois   para   Grã-Bretanha, Alemanha,  França.  Aqueles  que  saíram  retornaram  para  os  seus  países  de origem na porção ocidental da Europa.

A  relação  dos  carmelitas  com  a  urbe  não  se  dá  desde  os  seus primórdios,  mas  tal  experiência  marcou  de  forma  tão  profunda  e  forte.  Ao menos três motivações podem ser elencadas para que se optasse pelo estilo urbano de vida:

  1. A) de ordem     econômica:     possibilidade     de     garantia     da sobrevivência por meio das “esmolas”, as novas fundações seguem os critérios demográficos e econômicos;
  2. B) de ordem pastoral: desde as origens no Monte Carmelo houve certa preocupação no âmbito pastoral ademais para a criação da estrutura típica dos Mendicantes;
  3. C) de ordem cultural:   as   exigências   pastorais   e   os   desafios culturais  do  tempo  levaram  os  carmelitas  ao  ingresso  no mundo universitário .

Observa-se  que  uma  mudança  abrupta   como  essa  tenha  rasgado grandes conflitos internos. Após o retorno à Europa alguns frades desejaram reproduzir as mesmas condições daquelas vividas na Palestina: “Às exigências profundas do deserto e da escuta contínua da Palavra de Deus” (BOAGA,

1989,  p.  41).  Dois  grupos  distintos  se  formaram  dentro  da  Ordem,  um  que desejava “assegurar a proeminência e a eficácia da vida contemplativa com abertura às diversas formas de apostolado” (idem),  e  outro  que  abraçava  o compromisso apostólico crescente.

6 Sarraceno é um termo histórico utilizado para se referir a um determinado grupo humano, e cujo  significado  alterou-se  com  o  passar  do  tempo.  Originalmente,  no  fim  da  antiguidade  e início da era cristã, tanto na língua grega quanto latina, a palavra se referia a um povo que vivia nos  desertos  da  província  romana  da  Arabia  Petraea  (atualmente  parte  de  Egito,  Arábia Saudita, Jordânia e Síria), e formava uma comunidade totalmente distinta dos árabes. Autores gregos  como  Ptolomeu  se  referem  a  algumas  das  comunidades  da  Síria  e  do  Iraque  como Sarakenoi. Já  na Europa  da Alta Idade Média, consideravam-se sarracenos as tribos árabes pré-islam.  Por  volta  do  século  XII,  "sarraceno"  passa  a  ser  sinônimo  de  "muçulmano".  In: https://www.infoescola.com/historia-oriente-medio/sarracenos/.

As  interrogações  que  daí  surgiram  sobre  o  modo  de  como  se  deveria viver o carisma carmelitano estão presentes até os nossos dias, embora este tenha sido o tema subjacente na promissora Congregação Geral de 1974.

4.2- A CONGREGAÇÃO GERAL DE 1974

Dos dias 23 a 28 de setembro de 1974 foi celebrado em Villa Cavaletti, em Roma a Congregação Geral convocada segundo os dispositivos números

333-336   das   Constituições   do   Capítulo   Geral   de   1971.   Grandes   nomes integraram  essa  comissão:  Carlos  Cicconetti,  Carlos  Mesters,  Paulo  Gollarte, Otger Steggink, Emanuele Boaga.

A   Congregação   Geral   traz   para   o   bojo   da   discussão   uma   forte consciência da busca de identidade – “Per molti carmelitani è stato ottenebrato, per  così  dire,  il  centro  dela  loro  vita”  afirma   Thuis   em   seu   primeiro pronunciamento  na  Congregação  Geral  (1974,  p.  167)  -  e  a  faz  a  partir  da recuperação do núcleo axiológico proposto pela Regra de Vida: a fraternidade e  a  oração.  Percebe-se  que  com  a  recuperação  deste  elemento  seremos capazes  de,  nas  situações  históricas  concretas,  uma  vivência  coerente  e autêntica do carisma carmelitano.

Sobre  a  fraternidade  somos  inspirados  ao  ler  o  texto  da  Congregação Geral que nos anima ao afirmar que temos necessidade uns dos outros, pelo motivo que juntos poderíamos encontrar inspirações comuns de acordo com o nosso tempo. Portanto fraternidade e oração devem ser um contato recíproco entre aqueles que guardam a Regra de Vida, não como um “passaporte”, um objeto   a   ser   conquistado,   mas   devemos   tê-la   como   um   itinerário   de crescimento e por ela “i nostri occhi e il nostro cuore possono vedere e intuire che cosa Dio ora ci chiede”.  (THUIS,  1974,  p.  168)  A  regra  nos  é  um instrumento de transcendência dos limites de nossa existência concreta. É no encontro  com  Deus  que  se  chega  a  verdadeira  força  libertadora  capaz  de vencer tudo aquilo que deturpa no homem a imagem de Deus.

As discussões relatadas no documento são de grande lucidez. Aborda- se de modo real a situação  da vida fraterna dentro de nossos conventos. As mudanças históricas consideráveis à vida conventual carmelita. São nove anos após o Concílio Ecumênico Vaticano II e somente três após o Capítulo Geral. Um acontecimento relativamente recente na história da Ordem.

5- CONSIDERAÇÕES

Em última instância a questão mais profunda não é a dialética existente entre  leigos  e  clérigos,  mas  a  do  referencial  da  própria  identidade  do  ser- carmelita. Algo que é muito evidente  nos primeiros capítulos  e congregações gerais pós conciliares, principalmente a de 1974.

A  Vida  Religiosa  Carmelita  não  pode  viver  sob  a  égide  do  imperativo categórico da “contraposição”, estabelecendo conceitos identitários a partir de seu oposto. A identidade do clérigo não se constitui na negação do ser-irmão e nem o leigo na negação daquilo que se compreende a partir do serviço eclesial ministerial. O elemento fundante, portanto fundamental, da Vida Religiosa é a experiência de Deus é ela que leva alguns cristãos a viverem em comum (fuga mundi) em vistas a um serviço eclesial. (LIBANIO, 1981, p. 23)

Dois são os momentos de grande mudança na Ordem, ou pelo menos dois grandes momentos para a reflexão sobre a identidade do ser-carmelita: o primeiro é a migração para a Europa (inicio de um modo de vida muito próprio e diverso do vivido até então. Citamos, por exemplo, a inserção na urbe e nos meios acadêmicos). Outro momento é a Congregação Geral convocada após o Concílio  Ecumênico  Vaticano  II  (1962-1965)  que  propôs  um  novo  modus pensandi (a perda da ótica ad extra do ser-carmelita, a sua diaconia no meio eclesial para adotar uma postura ad intra, refletindo e questionando-se sobre a sua própria identidade). Como nos recorda Falco Thuis em uma carta, dirigida aos irmãos e irmãs da Ordem, enviada após o Capítulo Geral de 1977.

“O  legislador    [Alberto]    exorta    os    nossos    eremitas    ao desenvolvimento  da  própria  personalidade  e  ao  harmônico crescimento   em  fraternal  comunhão   por  meio   também   da solidão e do silêncio, e indica a dependência vital do Cristo, o Senhor, e o caminho para alcança-la” (THUIS, p. 24, 1983)

Resta-nos,  após  esses  estudos,  tomarmos  a  postura  daqueles  que, maravilhados com o novo, se debruçam e buscam sempre mais. Debruçar-se para  a  pesquisa  e  o  estudo,  mas  também,  debruçar-se  diante  do  outro diferente. Acolhê-lo com  reverência e perceber nele parte daquilo que há em mim.   Parte   do   mesmo   carisma,   da   mesma   Regra   de   Vida,   da   mesma espiritualidade.

Após  esse  breve  ensaio  sobre  o  ser  irmão e  a  Regra  do  Carmo pude verificar  que  em  nossa  história  não  há  um  movimento  linear  de  superação, onde  o  momento  “frades  leigos”  tenha  sido  sobreposto  pelo  momento “clérigos”. Percebo a pluralidade de vocações que podem co-existir  sob  o manto de nossa Mãe e Irmã, Maria.

Encerro  essas  considerações  fazendo  minhas  as  palavras  de  Falco

Thuis ao abrir a Congregação Geral de 1974: “Spero con fermezza que insieme possiamo creare un‟atmosfera fraterna ai fini di un fruttuoso dialogo, in cui forse possiamo scorgere il, passaggio del Signore‟” (THUIS, 1974, p. 169).

6- REFERÊNCIAS

BOAGA,  Emanuele.  Como  pedras  vivas:  para  ler  a  história  e  a  vida  do

Carmelo. Roma, 1989

BOAGA, Emanuele. Il Religioso fratello carmelitano. In Il fratello religioso nella comunità ecclesiale oggi. CIPI: Roma, 1983, pp 141-150

LIBÂNIO,  João  Batista.  As  grandes  rupturas  sócio-culturais  e  eclesiais:  Sua incidência para a Vida Religiosa. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1981

MATOS, Henrique Cristiano José. A vida consagrada à luz da espiritualidade paulina: subsídios para a formação permanente. São Paulo: Paulinas, 1998

THUIS, Falco J. Fascinados pelo mistério de Deus. Roma, 1983

THUIS, Falco J. Prior Generalis allucutionem pronuntiat. In: ANALECTA. Roma, v. 31, n. 4, 1974.

ZINGARELLI, Nicola. Vocabolario dela língua italiana. 12 ed. Milano: Zanichelli, 1994.

*A Pedido do então formador, Frei Jerry, O. Carm, no ano de 2017 na Comunidade Carmelitana Edith Stein, em Belo Horizonte, os jovens estudantes carmelitas fizeram os seguintes trabalhos:

1- Basílica do Carmo, História e Espiritualidade - Frei Juliano Luiz, O. Carm.

2- A Poesia de Santa Teresa de Jesus como manifestação do Inefável - Frei André Lima, O. Carm

3- O ser Irmão e a Regra do Carmo - Frei Bruno Schröeder, O. Carm.

4- O Prior como exemplo para a Comunidade - Frei William Pereira, O. Carm.

(Aguarde a publicação aqui no Olhar)