*Mística e Profecia no Carmelo: As Monjas Carmelitas-03
Irmã Maria Elizabeth da Trindade (Elizabeth Fátima Daniel) Carmelo São José, Passos (MG), BRASIL.
(Este trabalho contou com a preciosa colaboração de Irmã Maria Madalena da Cruz, do Carmelo de Brasília, e Irmã Maristella do Espírito Santo, do Carmelo de Montes Claros, ambos Carmelos da Associação São José, no Brasil)
JUSTIÇA E PAZ: LUTAR PELA RECONSTRUÇÃO DE UMA CONVIVÊNCIA SOCIAL MAIS JUSTA E MAIS FRATERNA
Graças à sua vocação contemplativa, ao seu “meditar dia e noite na Lei do Senhor”, a carmelita vai penetrando no mistério de Deus revelado em sua Palavra, Jesus, e a partir desta descoberta é capaz de traçar metas para uma luta pela justiça e paz na humanidade. Mesmo sem ter consciência disto, ela acaba por fazer sua análise de conjuntura, percebendo onde está a raiz das injustiças e da falta de paz no mundo. Mas o que mais ajuda nesta luta pela justiça e a paz é, com certeza, o testemunho que ela é chamada a dar, através de sua convivência em Comunidade.
Reconstrução a partir de dentro
Tendo Maria como Mãe e Mestra, nossos mosteiros são convidados a ser escolas de fraternidade, pois foram idealizados como “colégio de Cristo”, como família. “Como mãe de tantos, Maria fortalece os vínculos fraternos entre todos, estimula a reconciliação e o perdão e ajuda os discípulos de Jesus Cristo a experimentarem como uma família, a família de Deus.”[1]
Mas, pergunto-me se de fato nossas Comunidades estão sendo lugares de convivência justa e fraterna? Será que não nos deixamos envolver por competições, sede de poder, onde a pessoa acaba valendo menos que a lei? Ou nos colocamos como o centro de todo cuidado e atenção, à custa do sacrifício de toda uma Comunidade que espera de cada religiosa um testemunho de “despojamento de si, caridade fraterna e humildade”, como nos sinaliza o Caminho de Perfeição?
Nosso grande desafio hoje continua a ser este: de lutarmos pela reconstrução de nossa convivência social interna mais justa e fraterna, ou seja, de formarmos Comunidades que sejam de fato orantes e fraternas, espelhos da Trindade Santa. Formamos uma família com os frades carmelitas descalços, mas nosso relacionamento fraterno precisa ser purificado, reconstruído, passando da dependência ao respeito mútuo, à reciprocidade, dando testemunho de que somos irmãos e irmãs que se amam e se ajudam na caminhada do mesmo ideal, construindo juntos o Carmelo na América Latina.
Temos muitos recursos que nos são oferecidos pela nossa própria vocação para este reconstrução:
- Oração pessoal e comunitária: a oração vai abrindo horizontes de auto-conhecimento, auto-aceitação e também de conhecimento da realidade da comunidade e suas possibilidades de crescimento. Ao nos reunirmos para a oração litúrgica sete vezes ao dia nos vemos obrigadas a estar próximas fisicamente, a sentirmos a presença umas das outras, a enfrentarmos as dificuldades relacionais sem fuga. Por outro lado a própria oração litúrgica, máxime os Salmos, nos fala da vida; eles são espelhos de nossas atitudes e nos levam a um refazer de relações, transformando a proximidade física também em proximidade espiritual.
- Diálogo fraterno: A nossa Regra nos convida ao diálogo comunitário e crescimento fraterno: “Aos Domingos, ou noutros dias quando necessário, reuni-vos para tratar da observância da vida comum e do bem espiritual das pessoas.”[2] Embora durante séculos estes momentos da vida das Comunidades se reduzissem a meros formalismos, após o Concílio Vaticano II houve um esforço de se introduzir o diálogo com maior liberdade e transparência. O diálogo frades/monjas pode ser uma excelente ajuda mútua na realização vocacional e na elaboração de projetos comuns, dentro do âmbito e respeito de cada realidade. A presença dos Frades Carmelitas Descalços e do Assistente religioso em nossas Associações dos Carmelos no Brasil tem sido uma boa experiência de caminho conjunto no conhecimento recíproco e na elaboração de projetos e cursos.
- Silêncio e solidão: O silêncio e a solidão, mais do que elementos ascéticos, são para a carmelita o ambiente do encontro com o Senhor da vida e do encontro consigo mesma. Como nosso horário está mesclado de elementos comunitários e eremíticos, estes últimos se tornam terapêuticos para a cura de nossas relações fraternas. Após qualquer desencontro inter-pessoal, com o retorno ao silêncio e à solidão, somos convidadas a repensar nossas atitudes e a buscar uma solução no amor. Não há meios paliativos nem subterfúgios; se queremos ser pessoas livres e pacíficas temos que enfrentar as situações difíceis pela frente e resolvê-las com maturidade.
- O mesmo ideal vocacional: Fomos chamados a uma mesma vocação na Igreja e pela Igreja e este chamado nos dá forças e inspiração na solução de problemas comunitários e nos lança numa busca da verdadeira fraternidade, desprovida de toda ilusão e sentimentalismo. O amor é uma decisão inerente à nossa vocação e deve ser buscado com todas as forças até o fim da vida.
A partir desta perspectiva podemos ver que nossa luta pela justiça e pela paz começa dentro de nossas casas, em nossa Ordem, mas não fica apenas aí. A partir da solidão do claustro lançamos um desafio e convite aos que, desde as mais variadas maneiras de encontros – nem sempre geradores de relação profunda, diálogo e interação – estão buscando a experiência de uma verdadeira relação: sejamos construtores de fraternidade, na justiça e na paz!
*II-Congresso ALACAR. Tema: Mística e Profecia no Carmelo. BOGOTÁ, COLOMBIA. OUTUBRO 2009- Na experiência e na vivência das monjas, por Irmã Maria Elizabeth da Trindade (Elizabeth Fátima Daniel) Carmelo São José, Passos (MG), BRASIL
[1] D.A. 267
[2] R 15