Frei Antônio Corniatti, OFMConv, de São Bernardo do Campo, São Paulo.
(As reflexões sobre a misericórdia são tiradas de um artigo de Frei Hermógenes Harada, OFM (1928-2009) Com adaptação de Frei Antônio Corniatti, OFMConv)
Dia 02 de Agosto (Quinta-feira)
6ª reflexão (Manhã): B) Princípios derivados da Misericórdia para a Vida Fraterna
Princípio 1
Segundo a definição da Misericórdia como a)Amor do Deus Uno e Trino, revelado em Jesus Cristo, como b) Espírito de Misericórdia e como c) Virtude da Misericórdia, todo o plano de doação do Deus do amor, entranhada na ternura e benevolência da mútua comunhão comunitária do Mistério da Santíssima Trindade é o destino, o sentido, o móvel fundamental de toda a vocação e profissão da Vida Religiosa Consagrada.
Pois, participar desse Amor de Deus em íntima união com Jesus Cristo, Nele, por Ele e tornar-se dentro do Corpo Místico de Cristo uma célula viva de comunhão fraterna à imagem e semelhança da comunidade trinitária é a tarefa e incumbência, "compromisso irrenunciável e missão" (Doc. da CIVCSVA, A Vida Fraterna Comunitária, Intr. 2b) da Vida Fraterna Comunitária das pessoas que se doaram total e incondicionalmente a Jesus Cristo, que é a manifestação da Misericórdia do Pai.
Princípio 2
Tudo isso significa que a intimidade de amor, encontro e união com Jesus Cristo no seu Seguimento, e Nele, por Ele e com Ele, o relacionamento de absoluta Intimidade de amor na participação e acolhida da Santíssima Trindade, com outras palavras, toda a nossa Vida Religiosa, a assim chamada vida interior, é fonte, donde brota a força, a clarividência e o calor que sustenta, ilumina e acalenta o amor fraterno comunitário.
Princípio 3
Isto significa também que, para se poder viver a Vida Fraterna Comunitária no sentido plenamente cristão, não basta motivações, animações comunitárias e incentivos usados geralmente para formar uma comunidade fraternal "anímica" (Cf. Dietrich Bonhoeffer, Vida Comum, São Leopoldo, RS, Ed. Sinodal, 2ª Edição, 1986, p.17ss), mas é necessário buscar a concepção e a vivência do que seja amor fraterno cristão, na experiência da vida de Intimidade de Encontro com o Amor-Misericórdia, vindo dos abismos da Santíssima Trindade, em Jesus Cristo[1].
Princípio 4
Isto significa por sua vez que a obrigação e a insistência na Vida Religiosa Consagrada Regular em, com solicitude e amor, cultivar a vida comum, viver em comunidade, espiritual, psíquica e fisicamente pouco tem a ver com conveniência prático-social, com mera disposição jurídica e disciplinar, mas sim com o sentido essencial da nossa vocação e profissão de sermos religiosos, isto é, de termos sido chamados para sermos focos, lares da presença e do prolongamento do Amor do Deus-Misericórdia no meio da Humanidade.
Princípio 5
Tudo isso significa, por fim, que nosso empenho de revitalizar a Vida Comunitária, ao abordarmos as nossas falhas, as defasagens de nossa vida comunitária, suas dificuldades, não devemos nem podemos ser vagos e indeterminados na impostação de nossa busca, mas sim, temos a tarefa de sermos mais nítidos e clarividentes em colocar todas as nossas buscas e tentativas de solução na perspectiva do plano comunitário salvífico do Deus-Misericórdia, que nos quer co-participantes no trabalho de, em toda parte, ocupar sempre mais lugares que sejam focos e lares, habitações, através da nossa vida fraternal comunitária, onde reinem o Espírito e a Virtude do Amor-Misericórdia, da Bondade difusiva de si.
Princípio 6
Segundo a definição da Misericórdia como d) ideal objetivo do projeto de vida, como c) obras de Misericórdia e como f) frutos de Misericórdia, todos os nossos esforços, cuidados e sofrimentos, todas as nossas lutas, preocupações e dificuldades para constituir uma boa e fraternal comunidade são expressões da nossa vontade de estabelecer já na Terra a comunidade do Amor fraternal em Jesus Cristo, a partir e na força do Amor trinitário do Deus-misericórdia.
Segundo os princípios A)1 e B)1, a força de sustentação, a luz de iluminação e o calor do aquecimentos dos nossos corações vem primordialmente do Amor-Misericórdia do Deus Uno e Trino, revelado e presente em Jesus Cristo.
Esse Pai de Misericórdia, cuja medida é o superabundante (Mt 5,20), nos amou primeiro, nos convida a sermos como Ele, que faz nascer o sol para bons e maus e chover sobre justos e injustos, quer que amemos os inimigos, e sejamos perfeitos como Ele é perfeito no amor (Cf. Mt 5, 43-48).
Se esse é, em última instância, o nosso ânimo de fundo, então deveríamos e poderíamos viver as mixórdias e as vicissitudes conflitantes da vida comunitária com muito mais humor, mais cordialidade, mais coragem alegre de ser, sem cairmos tão facilmente em murmurações pessimistas, amando a vida comum como escola de crescimento real na aprendizagem e na imitação do amor-misericórdia, na maneira de pensar, julgar, sentir, fazer e ser, segundo a imensidão, profundidade e jovialidade de Deus.
Para refletir:
Questão
1-Qual a compreensão que eu tenho da Vida Fraterna?
2-Como aparece a misericórdia no texto abaixo?
Texto: No que toca ao empenho de viver a vida fraterna a partir da misericórdia, eis uma história, expressão viva da gentileza da doação:
Era uma vez, uma fraternidade, bem antigamente, quando também os animais eram gente e falavam. A fraternidade era composta de um macaco, de uma raposa e de um coelho. Eram eles tão unidos, tão irmãos que, lá dos céus, a deusa Misericórdia se admirava que pudesse haver sobre a terra “pessoas” tão amantes e amigas entre si.
Decidiu testar, se esse amor mútuo possuía raízes mais profundas de verdadeira bondade e misericórdia.
Tomou a figura de um velho mendigo doente e decrépito, deitou-se a gemer à beira da estrada por onde todas as manhãs os três passavam a caminho de seu trabalho.
Ao avistarem o mendigo, quase moribundo de fome, os três o carregaram pressurosos para a casa, o
deitaram no leito e tentaram dar-lhe de comer. Mas não havia nada na dispensa. Saíram correndo, à busca de alimentos. Algumas horas depois, o macaco voltou com uma cesta de frutas. A raposa, com ovos e galinhas. Mas o coelho não voltou. Veio o almoço, o lanche da tarde, mas o coelho não voltou. Somente à noite, cabisbaixo, voltou com algumas folhas de couve. O macaco e a raposa o repreenderam. Disseram-lhe que ele era atrapalhado, alienado, sem eficiência. Sempre a correr nervoso de cá para lá, de lá para cá, sem sistema, sem disciplina, mexendo o focinho nervosamente.
O coelho ficou muito triste, não tanto pelas críticas, pois já estava acostumado e sabia que eram verdadeiras, mas por não poder oferecer ao visitante faminto senão um nada, apenas umas folhas de couve.
No dia seguinte, acordou cedo, pediu ao macaco que ajuntasse um monte de lenha, à raposa, uma grande quantidade de gravetos e folhas secas. Assim, fez uma grande fogueira. E quando o fogo estava a crepitar alegremente, o coelho pediu desculpas ao velho mendigo por não lhe ter oferecido nada no dia anterior. E então disse: “Meu bom Senhor, nada sou, nada tenho que o possa satisfazer. Mas, se de alguma forma sou-lhe útil e o Senhor se dignar me aceitar, eis-me aqui de boa vontade. Por favor, sirva-se.” E saltou na fogueira e virou um apetitoso assado de coelho.
A deusa Misericórdia ficou tão impressionada com essa doação generosa, simples e humilde do coelho, que o restituiu à vida e o levou para o palácio de prata da Lua, onde ele, no pilão de ouro, generosa e prodigamente fabrica os “motis” da dadivosa doação e misericórdia para os fazer chover sobre a terra.
*CARMELITAS: RETIRO ESPIRITUAL ANUAL.
ORDEM DO CARMO – PROVÍNCIA CARMELITANA DE SANTO ELIAS
Data: 30 e 31 de Julho e 01 a 03 de Agosto de 2018. Início, 30 à noite. Término, 03 ao meio-dia.
Local: Casa São José - Belo Horizonte - MG
Assessoria: Frei Antônio Corniatti, OFMConv
Tema: Nós, frades carmelitas, somos chamados a ser "Misericordiosos como o Pai" na Vida Espiritual-Religiosa, na Vida Fraterna, na Vida de Trabalho e Serviço
Objetivo: Refletir a partir da misericórdia e suas implicações no dia-a-dia da vida consagrada
[1] Não sei se essa suspeita não é infundada e fruto de um desconhecimento da realidade fraternal entre nós. Mas de um tempo para cá, sob o slogan: fraternismo, tentou-se entender o relacionamento fraternal entre nós a partir e na perspectiva de amizade, intimidade etc. que em muitos casos se transformou na substituição do modo de ser da família. Assim, o fraternismo não foi tematizado como ser-fraterno no toque e na busca da mesma vocação e mesma missão. Cf. a crescente tendência de buscar na vida comunitária religiosa, não tanto confronto, busca, estudo da causa comum, referida à nossa vocação, mas sim ambiência de confraternização, a modo de busca do conforto, intimidade, prazer do convívio agradável.