Capítulo I: Dom e missão da Ordem
- Em Jesus Cristo, Filho do Pai e «primogênito de toda a criação»[1], vivemos uma nova maneira de união com Deus e com o próximo e, assim, tornamo-nos participantes da missão do Verbo Encarnado neste mundo e formamos a Igreja, que é em Cristo «como que o sacramento ou sinal, o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano»[2].
- Vivendo no obséquio de Jesus Cristo[3] e abraçando o seu Evangelho como norma suprema da nossa vida[4], tendemos, na força do seu Espírito, que distribui os Seus dons como quer[5], para um mútuo serviço entre nós e para com os outros homens. Cooperamos, assim, para que se realize neste mundo o desígnio de Deus, que a todos quer reunir num Povo Santo[6].
- Entre os dons do Espírito encontra-se também a vida evangélica, que professamos como religiosos, chamados por Cristo para viver e propagar a Sua força transformadora e libertadora e a vida evangélica de modo peculiar, eficaz e atual. Esta vida caracteriza-se por uma busca intensa de Deus na adesão total a Cristo, que se manifesta pela vida fraterna e pelo zelo apostólico.
- Tal vocação traz consigo a plena aceitação das condições que Cristo pede àqueles que querem segui-Lo neste gênero de vida, quais sejam: a aceitação da vontade de Deus, como participação na obediência de Cristo; a vida pobre e de comunhão de bens, como expressão da nossa união em Cristo e da recíproca união evangélica com os irmãos; e, enfim, a castidade consagrada, como expressão do amor a Deus e aos irmãos.
- Entendemos a nossa vida consagrada acima de tudo como um convite e um grande dom de Deus, pela qual Ele nos consagra a Si para servir os irmãos segundo o exemplo de Cristo. Esta vocação aperfeiçoa em nós, também, a virtude carismática da vida baptismal e crismal na nossa fraternidade comum, pelo facto de que nos une, de modo peculiar, à Igreja e nos prepara para o serviço de Deus e dos homens, «na implantação e consolidação do reino de Cristo nas almas e de o levar a todas as regiões»[7].
- Por isso, nós –Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo– interrogamo-nos e perguntamo-nos quais são, entre tanta variedade de carismas e de vocações, as características que dão à nossa família religiosa a sua fisionomia própria na Igreja.
- No tempo das Cruzadas na Terra Santa, fixaram-se, em vários lugares da Palestina, alguns eremitas. Alguns desses, «à imitação do profeta Elias, homem santo e amante da solidão, levavam vida solitária no monte Carmelo, perto de uma fonte, chamada fonte de Elias. Nas suas pequenas celas, semelhantes a colmeias, como abelhas do Senhor recolhiam o mel divino da doçura espiritual»[8].
- A pedido dos mesmos eremitas, Santo Alberto, patriarca de Jerusalém, reuniu-os num único «collegium» e deu-lhes uma forma de vida segundo o seu ideal ("propositum")[9] eremítico e correspondente ao espírito da assim designada peregrinação à Terra Santa e da comunidade primitiva de Jerusalém[10]. Estes eremitas, de facto, impelidos «pelo amor à Terra Santa, tinham-se consagrado nela Àquele que a tinha conquistado com a efusão do seu sangue, para servi-lo sob o hábito da religião e da pobreza»[11], permanecendo «em santa penitência»[12] e formando uma comunidade fraterna.
- Essa forma de vida foi aprovada sucessivamente por Honório III, em 1226, por Gregório IX, em 1229, e por Inocêncio IV, em 1245[13]. Este último pontífice aprovou-a, enfim, definitivamente, como a verdadeira e própria regra, em 1247, adaptando-a às condições de vida do Ocidente[14].Tal adaptação foi feita pelo Papa Inocêncio IV, quando os Carmelitas começaram a emigrar para o ocidente, a fim de fugir das perseguições dos adversários e manifestaram a vontade de ter um género de vida, «no qual, com a ajuda de Deus, tivessem a alegria de aproveitar à própria salvação e à do próximo»[15].
- A aprovação da Regra, feita por Inocêncio IV, fez com que os Carmelitas se colocassem ao serviço da Igreja, seguindo o ideal comum dos Mendicantes, ou então das ordens de fraternidade apostólica, conservando todavia a especificidade do seu carisma inicial[16], que refulgiu como a prerrogativa do Carmelo no decorrer dos séculos, quer entre os seus membros quer na Igreja, graças especialmente aos mestres de vida espiritual, que Deus suscitou na Ordem.
- Esta Regra traça as linhas mestras da vida carmelita no obséquio de Cristo, isto é, do espírito da Ordem: meditar dia e noite na lei do Senhor[17], no silêncio e na solidão, para que a Palavra de Deus se torne abundante no coração e na boca de quem a professa[18]; praticar assiduamente a oração, especialmente com vigílias e salmos[19]; revestir-se das armas espirituais[20]; viver em comunhão fraterna, expressa na celebração diária da Eucaristia[21], no encontro dos irmãos em forma de capítulo[22] e na comunhão dos bens[23]; correção fraterna e caridosa das culpas[24]; austeridade de vida pelo trabalho e pela mortificação[25], fundada na fé, na esperança e no amor; conformidade da própria vontade com a vontade de Deus, procurada na fé pelo diálogo e pelo serviço do prior aos irmãos[26].
- Características da espiritualidade do Carmelo são também o carima eliano, que os carmelitas desenvolveram quando viviam no Carmelo, lugar das façanhas do grande profeta, e a familiaridade da vida espiritual com Maria, da qual são sinais eloquentes o título de Irmãos e a primeira igreja no monte Carmelo, a ela dedicada.
- Enquanto o gênero humano inicia um novo período histórico, nós, Carmelitas, animados pelo Espírito que opera na Igreja, aplicamo-nos a adaptar às novas condições o nosso programa de vida[27], esforçando-nos por compreender os sinais dos tempos, para examiná-los à luz do Evangelho, do nosso carisma e do nosso patrimônio espiritual[28], para incarná-lo nas diversas culturas.
* CONSTITUIÇÕES DA ORDEM DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DO MONTE CARMELO ( Aprovadas pelo Capítulo Geral celebrado em Roma no ano de 1995)
[1] Col 1,5.
[2] LG 1.
[3] Cfr Regra, Prólogo.
[4] Cfr PC 2.
[5] Cfr 1 Cor 12,11.
[6] Cfr LG 9; GS 32.
[7] LG 44.
[8] Jacques de Vitry, Historia Orientalis, c. 51 e 52, ed. J. Bongars, Gesta Dei per Francos, Hanover, 1611, I, pp. 1074s.
[9] Cfr Regra, Prólogo.
[10] Cfr Regra, cc. 7, 14, 10 com Jo 15,4; 14 23; Heb 13,14; Ap 21; Regra, cc. 7-11 com Act 2,42-46; 4,32-36.
[11] Bula Ex vestrae religionis, de Urbano IV, de 5 de Agosto de 1261, em Bull. carm., I, 523.
[12] Cfr Rubrica I, das Constitutiones capituli Londinensis anni 1281, ed. L. Saggi, em AnalOCarm 15 (1950), p. 208.
[13] Cfr as Bulas Ut vivendi normam, de Honório III, de 30 de Janeiro de 1226; Ex officii nostri, de Gregório IX, de 6 de Abril de 1229; Ex officii nostri, de Inocêncio IV, de 8 de Junho de 1245: in Bull. carm., I, pp. 1, 4-5, 5.
[14] Cfr Bula Quae honorem Conditoris, de Inocêncio IV, de 1 de Outubro de 1247: in Bull. carm., I, p. 8.
[15] Bula Paganorum incursus, de Inocêncio IV, de 27 de Julho de 1246: ed. A. Staring in Carmelus 27 (1980), pp. 281-2.
[16] Cfr Regra, cc. 7, 14; Constitutiones 1281, p. 210.
[17] Cfr Regra, c. 7.
[18] Cfr Regra, cc. 7, 14, 16.
[19] Cfr Regra, cc. 7, 8.
[20] Cfr Regra, c. 14.
[21] Cfr Regra, c. 10.
[22] Cfr Regra, c. 11.
[23] Cfr Regra, cc. 4, 9.
[24] Cfr Regra, c. 11.
[25] Cfr Regra, cc. 12, 13, 15.
[26] Cfr Regra, cc. 17-18.
[27] Cfr Congr. gen. 1992, 466.
[28] Cfr PC 2.
aprovadas pelo Capítulo Geral
celebrado em Roma no ano de 1995