Mariano Cera
Para Santa Teresa existe uma exigência essencial antes de aprofundar a oração: a pureza de coração. A oração, encontro entre Deus e o ser humano: encontro que acontece no fundo da alma, lá onde a Bíblia chama de “coração”. Neste coração está o centro de nossa vida religiosa. É ali que Deus mora, e é desta profundidade do espírito que Deus fala.
Mas não se pode escutar esta Palavra de Deus. O encontro se torna impossível quando uma multidão turbulenta de diferentes pensamentos e sentimentos, de afetos e desejos... se aglomeram no coração. É necessário sossego, silêncio, liberdade interior. A pureza de coração não é o vazio, mas o Amor de Deus que exclui o amor de si mesmo. Um só apego humano pode obscurecer a nossa visão ou encontro com Deus: aqui está a raiz de toda a dificuldade da oração. Para realizar uma profunda vida de oração precisamos ser capazes de colocar Deus acima de tudo e de todos.
A oração do cristão é essencialmente oração de Cristo.
A oração, no seu conteúdo genérico, é a vivência de uma relação pessoal e verdadeira entre o ser humano e Deus. O pecado produziu uma ruptura entre a humanidade e Deus. Somente através do Cristo Redentor existe a possibilidade de reatar-se o vínculo de união ser humano-Deus.
O Cristo é o primogênito entre muitos irmãos e nele se recapitula toda a humanidade. Somente por meio dele se restabelecem as relações entre Deus e o ser humano. Por isso, podemos afirmar que existe uma única oração verdadeira, possível: a oração de Cristo.
O cristão se apropria da oração de Jesus em todas as suas dimensões, porque a sua oração, como a Dele, é vivificada pelo mesmo Espírito. Portanto, nossa oração não existe se não é a oração de Cristo. Ou seja, enquanto estamos unidos a Ele e incorporados a Ele: união e incorporação que são realizadas pela graça do batismo.
A novidade da oração cristã está em ser a mesma oração de Cristo, comunicada aos seres humanos.
Cristo nos faz seus membros, vive em nós mediante seu Espírito precisamente enquanto fez nossa a sua oração, e assim nos introduz no mistério da sua relação pessoal com o Pai.
A essência teológica da oração cristã reside em entrar em diálogo com Deus Trindade por meio da mediação de Cristo. A oração do cristão é a oração de um ser humano que foi elevado à ordem sobrenatural e introduzido na família de Deus: filho do Pai em Jesus Cristo (Gl 4,5). A oração cristã é, portanto, essencialmente trinitária, cristiforme e filial. Diálogo de filho com Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Diálogo, escuta, silêncio. A oração então, é antes de tudo diálogo e comunicação entre Deus e o ser humano, onde o centro não somos nós, mas Ele: Ele e nós. Assim a oração se torna amizade.[1]
Outro aspecto mais profundo da oração é a escuta.
É necessário fazer silêncio, transparência, criar a verdade dentro de nós. Deus não falará conosco antes que tenhamos aprendido a tirar as máscaras que escondem nossos rostos. A escuta da Palavra é possível quando e na medida em que a alma preparar em si uma vasta zona de silêncio.
Um último passo - destacado por toda tradição carmelitana - nos diz que o ponto culminante da oração é o amor: “não é outra coisa a oração mental senão é uma íntima relação de amizade, na qual, freqüentemente, nos entretemos a sós com Aquele que sabemos que nos ama”[2]
A oração é amor quando as palavras não têm mais sentido, quando é suficiente um simples olhar para perceber tudo. Quem consegue permanecer muito tempo nesse ponto alto, está saboreando um grande dom de Deus; e quem permanece sempre nele, é santo. Mas é preciso apontar sempre para o alto, para dar força à nossa oração: que nossa vida se torne amor, toda amor, somente amor. “Para avançar sempre mais neste caminho –diz Santa Teresa- o essencial não está no muito pensar, mas no muito amar”.[3]
Podemos dizer que se a oração encontra seu fundamento na fé e o seu ímpeto na esperança, o seu dinamismo essencial brota da caridade, que inspira e anima todas as atitudes do orante.
Jesus nos deixou a oração por excelência, o Pai Nosso, como modelo. Mas também nos deu outras verdadeiras lições sobre a oração:
- Nos ensinou a não falarmos muito quando oramos: “orando, não usem muitas palavras, como fazem os pagãos” (Mt 6,7).
- Ensinou a nunca orar para que nos vejam: “quando orarem, não sejam como os hipócritas... para serem vistos pelos homens” (Mt 6,5).
- Nos disse que antes de orar devemos perdoar: “Quando vocês estiverem orando, perdoem tudo o que tiverem contra alguém, para que o Pai de vocês que está no céu também perdoe os pecados de vocês” (Mc 11,25).
- Nos exortou a sermos constantes na oração: “precisamos orar sempre, sem nunca desistir” (Lc 18,1).
- Devemos orar com fé: “tudo o que vocês na oração pedirem com fé, vocês receberão” (Mt 21,22).
É evidente, portanto, a insistência de Jesus na oração. Temos que orar sempre, orar com persistência e perseverança.
A oração no Evangelho, não significa multiplicar atos ou palavras, mas orientar a alma e a vida toda para Deus, para quem vivemos por Cristo, Nele e com Ele.
A passagem da oração à atitude contemplativa é automática quando a oração é comunicação profunda com Deus. “A contemplação começa quando nós nos confiamos a Deus, não importa o modo que Ele escolhe para aproximar-se de nós. É uma atitude de abertura a Deus, pela qual descobrimos em toda parte a sua presença. Como Maria, refletimos sobre nossas experiências, pois são elas que nos dão consciência do sentido de Deus”.[4]
VARIEDADES DE ORAÇÕES
Falando das várias formas de oração, podemos distinguir a oração pública ou litúrgica e a oração particular. Considerada na sua ‘expressão’, a oração pode ser mental ou vocal.
A oração litúrgica
Esta foi sempre reconhecida como a oração por excelência, a ação sagrada da Igreja unida à História Sagrada. É na ação litúrgica que a Palavra de Deus está presente em todo o seu mistério de força criadora, redentora, santificadora. Esta é a fé.
Na ação litúrgica se anuncia constantemente o retorno de Cristo e a realização de todas as promessas. Esta é a esperança. Finalmente, na liturgia o mistério do amor de Jesus está presente no Sacrifício eucarístico. Eis a caridade.[5]
A colaboração da Igreja em Cristo se dá nas três grandes ações litúrgicas: a Santa Missa, a administração dos Sacramentos, a recitação da Liturgia das Horas. Todo cristão é chamado a participar destas distintas ações litúrgicas para dar à sua oração não apenas um caráter privado, mas também uma dimensão social, comunitária, eclesial, que dará frutos na medida do empenho pessoal.[6]
A oração individual
Para que a participação na ação litúrgica da Igreja dê frutos, é necessário uma intervenção "pessoal", uma verdadeira atividade humana que nos permita descobrir o sentido das ações litúrgicas e que nos faça tirar delas o melhor fruto possível.
A Igreja insiste na importância das práticas pessoais ‘de piedade’, como a oração da manhã e da tarde, a oração do Terço, etc.[7]
A oração verbal e mental
“Não é necessário entender essa distinção como se existisse diferença absoluta e essencial entre as duas..., mas no sentido de que o ser humano pode se dedicar a Deus e às verdades divinas somente com a mente, em perfeito silêncio..., mas pode também expressar seus conceitos e sentimentos com palavras. Para que sua vida espiritual seja perfeita, o ser humano necessita das duas formas de oração”.[8]
Santa Teresa explica melhor quando diz que a oração não é verbal ou mental pelo fato da boca estar aberta ou fechada, pois a oração mental também pode terminar em um diálogo. Por isso seria melhor dizer que a oração vocal é aquela que se faz usando uma fórmula pré-estabelecida, enquanto que a mental é aquela que se faz espontaneamente, expressando sentimentos que brotam do coração.[9]
A mais bela de todas as orações verbais é o Pai Nosso, que brotou da ternura do coração do Senhor. “Algumas vezes, quando meu espírito se encontra numa aridez tão grande que é impossível fazer um pensamento para unir-me ao bom Deus, rezo lentamente um Pai Nosso e depois a saudação do Angelus. Estas orações me arrebatam, nutrem a minha alma bem mais que se as tivesse recitado precipitadamente uma centena de vezes”.[10]
Brenninger nos diz que o valor e a eficácia da oração verbal depende, antes de tudo, da devoção interior. Mas se pode aumentar:
- da origem da oração: o Pai Nosso que nos foi ensinado por Jesus supera em eficiência e em dignidade todas as outras;
- da santidade daquele que reza: quanto mais santidade possui a alma, tanto mais seu louvor e sua súplica são preciosos aos olhos de Deus;
- da companhia dos outros: o Senhor disse: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mt 18,20).[11]
Oração mental é aquela que se faz espontaneamente, que não se prende a fórmulas pré-estabelecidas. É uma oração mais pessoal, na qual transparecem mais as características, as tendências, as necessidades da pessoa. Santa Teresa insiste no caráter afetivo desta oração. Ela afirma que o que deve guiar a razão é que a alma perceba o amor de Deus e responda a este amor falando intimamente com Ele.[12]
Podemos praticar mais a oração mental durante as ocupações cotidianas, o que coincide mais ou menos, com o exercício da “presença de Deus” (veja na pg. ).
Este exercício da "presença de Deus" é fundamental, porque é ele que mantém a alma conscientemente unida a Deus. Este exercício é, ao mesmo tempo, recolhimento interior e ruptura com as coisas do mundo que nos distraem. A presença de Deus constitui na essência de toda verdadeira oração: é a própria oração difundida por toda vida e virtualmente operante em toda ela.[13]
A oração contemplativa
Os místicos nos ensinam que nesta etapa da vida de oração, o cristão é inteiramente transformado no amor de Deus que habita nele. Os sentidos, a mente, todas as aptidões foram purificadas pelo fogo do amor. Todas as coisas revelam, na sua transparência, a presença divina.
O preço da contemplação é a noite escura dos sentidos e do espírito. Somos transformados em Deus. Agora não oramos mais, mas toda a nossa vida é um ato de oração, é sacramento da ação de Deus na história humana.
A luz da sua palavra penetra em nós sem encontrar resistência. Mesmo empenhados na complexidade dos nossos serviços pastorais, não conseguimos viver se não para amar, por amor e no amor. Tudo é dom de Deus.[14]
A oração como vida[15]
Todo movimento em direção a Deus – aspiração, murmúrio, desejo, alegria, hesitação – é sempre uma oração. A oração é antes de tudo tarefa do coração: consiste no querer sempre, e acima de tudo, a vontade de Deus. O verdadeiro caminho da oração é a vida. Uma oração contínua é uma vida inteiramente voltada ao serviço de Deus.
É o amor que dá consistência e unidade à vida. Ação e contemplação não são mais que dois momentos de um mesmo e único amor.
“Jesus, que minha vida seja uma oração contínua; que nada possa distrair-me de ti: nem minhas ocupações, nem minhas alegrias, nem meus sofrimentos... que Isabel desapareça e permaneça apenas Jesus”.[16]
A oração é contínua quando o amor é contínuo. O amor é contínuo quando é único e total. Entendida desta maneira, a oração é sempre possível em qualquer circunstância e em meio a qualquer ocupação. Para um cristão que ama verdadeiramente o Senhor, seria impossível interrompê-la, como seria impossível interromper a respiração. E assim, se compreende como todos, também aqueles que vivem entre os afazeres do mundo, podem cumprir a palavra do Evangelho: “Precisamos rezar sempre”.
O cristão não reza somente quando se dirige a Deus direta e imediatamente com suas práticas devocionais. Mas toda vez que pratica o bem por amor a Deus, não importando suas obrigações, em qualquer obra de apostolado, de caridade, de penitência, de humildade e de serviço oculto.
Vista assim, a oração não se apresenta mais como uma fórmula exterior, uma ação à margem da vida, nem sobreposta a ela, nem como um ato intermitente, mas se revela como o hábito mais necessário da pessoa. Quando o Senhor convidava os apóstolos a orar incessantemente, já dava uma clara indicação a respeito da natureza da oração, cuja essência, para um cristão, se identifica com a própria essência da vida.
Quando a vida é um canto de amor, nossa oração nunca termina.[17] “A vida do Carmelo é uma união perene com Deus, desde a manhã até a noite e da noite até a manhã. Se não fosse Ele a encher nossas celas e nossos claustros, como tudo seria vazio!”[18]
[1] ANCILLI E. op.cit., v.1°, pg. 24-29: tomamos literalmente algumas passagens.
[2] S. Teresa de Jesus, Opere, Vita 8.
[3] S. Teresa de Jesus, Opere, M. IV, 1,7.
[4] A Formação no Carmelo, Roma 1988, n. 10.
[5] CALATI B., Il metodo monastico della preghiera, in ANCILLI E. op.cit., V. 1°, pg. 245-249.
[6] AA.VV., La preghiera liturgica, Teresianum Roma 1964.
[7] ANCILLI E., op. cit. 1°v., pg. 31-32.
[8] BRENNINGER G., Dottrina spirituale del Carmelo, Roma 1952, pg. 646.
[9] S. Teresa de Jesus., Opere, C. 22,24,25; M. I, 1,7.
[10] S. Teresa do Menino Jesus, Gli Scritti, n.318.
[11] BRENNINGER E. op.cit., v.1°, pg. 34.
[12] ANCILLI E. op.cit., v.1°, pg. 33-34.
[13] ANCILLI E., op. cit., v.1°, pg. 34.
[14] FREI BETTO, La preghiera nell’azione, EDB 1977, pg. 66-68.
[15] ANCILLI E. op.cit., v.1°, pg. 34-35. Também VALABEK R. M. Sarete raggianti, Roma 1993, pg. 31-33: FREI BETTO, op.cit., pg. 20-29.
[16] Sr. ELISABETTA DELLA TRINITÁ, Scritti, L.45.
[17] ANCILLI E., op.cit. v.1°, pg. 35.
[18] Sr. ELISABETTA DELLA TRINITÁ, Scritti, L. 179.