*Dom Vital Wilderink, O . Carm. In Memoriam
O ABSOLUTO É DESTRONADO
Há um outro fenômeno que devemos considerar: a modernidade. Todos nós podemos perceber como ela entra cada vez mais no Brasil. Uma das suas características é a procura do imediato, do relativo. Inclusive a ciência, que caracteriza a modernidade, acentua, torna mais aguda a consciência da relatividade, da provisoriedade das hipóteses. Pois a própria ciência e tecnologia, embora exaltadas como algo absoluto, progridem a partir da descoberta do relativo. Portanto, a modernidade é muito caracterizada por esta procura do relativo e não pela procura do absoluto, porque acha que o absoluto, se existe, é inascessível.
É bom colocarmos a nossa reflexão sobre o Absoluto de Deus num contexto concreto. Assim não trabalharemos com imagens do Absoluto, mas poderemos descobrir o risco de sua busca. Dizia João Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”. Graças a Deus é perigoso viver, porque na vida de cada dia existe o risco do Absoluto. No fundo, o relativo nunca pode significar um risco, nunca assusta tanto. O que assusta é precisamente o Absoluto. Desconfio daquele que fala com a maior facilidade do Absoluto que está presente em sua vida. Onde está esse Absoluto?
Vamos esclarecer o termo do ponto de vista filosófico: Absoluto é o que se entende como ser “ por si mesmo”. Determina uma coisa por sua substância ou essência, portanto sem referências de fora.
Na nossa cultura ocidental, o absoluto sempre esteve muito presente, até o século passado quando surgiu o positivismo na França e que., depois, teve muita influência aqui no Brasil. Mas podemos dizer que o Absoluto foi destronado pelo seu contrário que é o relativo, com a vinda do positivismo que está na raiz da modernidade. No nosso século, e a gente percebe isso muito mais vivamente agora, o absoluto é destronado. É bom que tomemos consciência disto. Como Carmelitas, peregrinos do Absoluto, temos que encontrar, na nossa missão um jeito que responda a este mundo da modernidade que invade cada vez mais a América Latina. Até nas estruturas da convivência humana o absoluto desapareceu. Do absolutismo político chegamos ao liberalismo. Parece uma coisa que não tem nada a ver com a espiritualidade, mas tem sim. Aparecem temáticas como: tolerância, liberdade, individualismo, antidogmatismo. São todos sintomas que fazem perceber como o absoluto, nas suas várias expressões culturais, foi destronado pelo relativismo.
Há um espírito crítico hoje muito mais forte que antigamente. A recusa de aceitar uma verdade definitiva é muito forte. Nos nossos retiros antigamente ouvia-se muitas vezes aquela frase: “ O que é isto em comparação com a eternidade?” Pulava-se do cotidiano para a eternidade, cuja definição ficava meio no ar, pois não havia aquilo que hoje caracteriza o nosso dizer, o nosso experimentar o Absoluto, esta questão da busca. Diante de um problema, uma dificuldade, uma decepção... devíamos dizer: “ mas o que significa isto em comparação com a eternidade?” Pulava-se !... Hoje, ao admitir o eterno, o absoluto, temos muitos mais consciência de uma busca. O eterno não é uma hipoteca que pesa sobre o temporal, como era antigamente. Hoje o eterno, o absoluto são mais uma busca.
É sintomático o interesse que se tem, principalmente nos países do 1º mundo, por questões problemáticas, parece que existe um certo prazer em abordá-las. Isto é muito significativo porque faz perceber como o absoluto foi destronado pelo relativo. É sintomático também o gosto pela pluralidade de experiências. Isto faz com que o movimento em linha reta para cima se mude para horizontal. A noção de hierarquia cedeu lugar à noção de relatividade. Relatividade que significa, às vezes, relacionamento por oposição. São sintomas que devemos levar em conta para que não sejamos simplórios, quando pretendemos ter, como Carmelitas peregrinos do Absoluto, uma missão no nosso mundo, caracterizado por todos esses traços que tentei explicar.
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita e 1º Bispo de Itaguaí/RJ - foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.