*Frei John Welch, O. Carm. Whitefriars Hall , Washington
Queremos tudo
“Nossos corações estão inquietos”, escreveu Santo Agostinho, e esta verdade permanece como algo fundamental à condição humana. A inquietude, o desejo humano parece que nunca serão completamente satisfeitos. Podemos ver a inquietude humana expressa na imagem de um bebê que começa a engatinhar e a explorar seu ambiente. A viagem dos primeiros carmelitas que deixaram suas casas para congregar-se num Vale do Monte Carmelo foi movida por este mesmo desejo. Somos verdadeiramente peregrinos.
Nós, os humanos, nunca estamos satisfeitos com o que temos pois, como diz Santa Tereza de Lisieux, queremos tudo. E não descansaremos até consegui-lo. A tradição carmelitana reconhece esta fome do coração humano e diz que fomos feitos desta maneira. Fomos feitos para procurar e explorar, desejar e sofrer até que o coração finalmente encontre algo ou alguém que possa harmonizar ou estar em consonância com a profundidade do seu desejo, até que o coração possa encontrar alimento suficiente para satisfazer sua fome. Chamamos a este alimento, a esta realização, a esta meta do desejo humano, Deus. Durante oitocentos anos os carmelitas têm intencionalmente perseguindo esta realização misteriosa e difícil de encontrar. “desejava viver” escreveu Santa Teresa de Ávila, “e não tinha quem me desse vida...”
Acreditamos, ainda que não o digamos, que todo ser humano está nesta procura. Podemos afirmar isto: cada estudante de nosso colégio, cada membro de nossa paróquia, cada peregrino a nosso santuário, cada candidato em nosso instituto está aberto ao mistério transcendente a que chamamos Deus. Por algum tempo o desejo pode ser negado, a fome temporariamente satisfeita, o desejo afogado, atordoado, debilitado. Mas sabemos que está aí e que de um momento a outro aparecerá. Nossa tradição tem a força, a linguagem, as imagens que nos ajudam a iluminar o que as pessoas estão experimentando no profundo do seu ser.
A tradição carmelitana tenta dar nome a esta fome, dar palavras ao desejo e expressar que o final da viagem está em Deus. O coração humano precisa ter clareza sobre estes seus desejos. O Carmelo sempre tem desejado o mesmo e está disposto a caminhar e acompanhar aqueles com os quais se encontrar neste caminho. Não podemos satisfazer sua fome, mas podemos ajudá-los a encontrar palavras para ela e saber para onde aponta. Temos feito isso na arte, na poesia e na canção, no aconselhamento e no ensinamento, na simples escuta e compreensão. E podemos advertir as pessoas que, no final, as palavras falham e somente fica o desejo em si mesmo.
Um autor contemporâneo diz que o problema sério da espiritualidade hoje em dia é a ingenuidade a respeito do desejo ou da energia que nos move. Nosso desejo espiritual dado por Deus, que pode expressar-se de diversas maneiras, incluindo a energia criadora e erótica, pode ser perigoso para nós se não o soubermos conduzir com cuidado. Somos muito engenhosos a respeito deste nosso profundo desejo e não estamos muito atentos ao perigo. Sem uma atitude de respeito para com esta energia, buscando o modo adequado de assumi-la e administrá-la, muitos adultos se movem entre a alienação deste fogo, isto é, ignoram a existência do desejo e vivem em depressão, ou se deixam ser consumidos por ele e vivem num estado de inflação.
Depressão, neste sentido, significa a incapacidade de desfrutar da vida como um menino, de sentir o verdadeiro prazer. A inflação se refere a nossa tendência de, por momentos, nos identificar-nos com este fogo, com este poder dos deuses. “...Estamos tão cheios de nós mesmos que somos uma ameaça para nossas famílias, amigos, comunidades e para nós mesmos.” Incapazes de conduzir esta energia, ou nos sentimos mortos interiormente ou, pelo contrário, somos hiper-ativos e inquietos . “A espiritualidade trata sobre as maneiras como podemos ter acesso a essa energia e como podemos contê-la.”
* Do livro; AS ÉPOCAS DO CORAÇÃO: A DINÂMICA ESPIRITUAL DA VIDA CARMELITANA