(Congresso da Ordem Terceira do Carmo em Aparecida/SP. Dias 3 e 4 de agosto-2019. Tema: A Fraternidade em Obséquio de Jesus Cristo).
*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm
Os três temas: Absoluto, Fraternidade e Missão estão interligados, inclusive na prática da nossa vida. O Absoluto de Deus quando entra na nossa vida leva à Fraternidade. Poderíamos dizer: na medida em que descobrimos o Absoluto de Deus que nos acolhe, acontece em nós um processo de ternura. As interrogações que nos levam à descoberta do mistério do Absoluto de Deus sempre se referem ao amor. Ao amor universal, amor pelo mundo, pela humanidade e, principalmente, amor àqueles que são excluídos do acolhimento.
No fundo a opção pelos pões esconde uma carga muito grande de ternura. Não simplesmente uma ternura que definimos em termos de emotividade. É uma ternura que vai penetrando em todas as fibras do ser da pessoa, na medida em que descobre o Absoluto como alguém que acolhe, e não como alguém que é conquistado. A conquista nunca desperta para a ternura, o acolhimento sim. Isto inclusive em termos de afetividade humana, e em termos psicológicos. Então, a dinâmica da interrogação é sempre a dinâmica do amor divino e do amor humano. É a dinâmica da comunhão, da fraternidade. Isto faz suscitar uma história que revela o amor de Deus que se manifestou em Jesus Cristo. No livro, Oração do tempo Presente, rezávamos: “ Jesus, ternura para a terra, que o vosso retorno cantemos”. É precisamente a ternura do Absoluto, que acolhe, faz existir, cria , sustenta e leva ao cumprimento todas as histórias parciais, incompletas e imperfeitas que nós nos contamos reciprocamente. É Jesus, manifestação do Absoluto de Deus, que leva essas histórias ao seu cumprimento.
Quando u me subtraio ao mundo das relações humanas que tornam uma vida humana autêntica, caio num silêncio terrível, num silêncio que nega qualquer coisa, porque é uma total ausência de história para contar. É precisamente a imagem do mal. É a negação de Deus que através de Jesus Cristo no Espírito Santo é uma palavra viva, um amor partilhado. O amor sempre quer a felicidade do outro. Sem o Absoluto do Mistério de Deus pode haver simpatia, ms isto não quer dizer que eu tenha ternura pela pessoa. Porque a ternura é o desejo inexorável de afirmar o outro. Isto a gente vê até no aspecto biológico no mundo animal: a ternura da mãe gata que caça e traz o ratinho vivo para os filhotes irem aprendendo a caçar. Isto é para afirmá-los. Afirmar o frágil.
O destino do homem é a sua felicidade. Isto já sabíamos pela Filosofia e Teologia Escolástica. É a exigência da felicidade do outro que define o dinamismo fundamental daquele que faz a experiência do Absoluto. Se não existisse a felicidade seria até injusto gerar, dar à luz. Gerar seria ameaçar com uma frustração inimaginável, seria ameaçar com uma dor sufocante. É uma negaça da ternura porque não se deseja a afirmação do outro. Portanto é a negação se de mesmo. O olhar para o outro deveria ser sempre de ternura, deveria traduzir o desejo de afira-lo. Se isto não acontece sempre na nossa vida é porque somos inconscientes ou maldosos. É isto que geralmente acontece. O outro permanece ou se torna um estranho. Quem se ocupa com a educação de crianças e jovens sabe das conseqüências que isso produz, inclusive no campo psicológico. Em Itaguaí começamos um trabalho com meninos de rua e já podemos ver as conseqüência dessa ausência de ternura. São estranhos e nunca descobriram a ternura tão necessária que a pessoa deve ter consigo mesma.
Essa ternura não é alguma coisa abstrata. Ela tem expressões humanas, biológicas, por exemplo a paternidade e a maternidade. A ternura de uma mãe diz respeito ao destino e à felicidade da criança. É uma paixão pelo futuro do filho que está presente, um relacionamento humano carregado de ternura. Esta perspectiva se estabiliza na vida da pessoa como herança do relacionamento com o pai e a mãe, na ternura que a criança tem consigo mesma enquanto cresce. Quando não tem essa herança, a criança cresce estranha a si mesma e se debate sempre em busca de uma identidade própria. Isto se reflete na segurança e alegria de viver. Só temos uma identidade se nos afeiçoamos a ela. Isto vale para mós individualmente como pessoas humanas, no campo psicológico. Mas também não posso ter uma identidade de carmelita, se não tenho afeição, ternura por esta identidade.
FRATERNIDADE: EXPERIÊNCIA DA TERNURA DE JESUS CRISTO
Esta ternura que decore da descoberta do Absoluto, em nós, deve transformar-se poço inesgotável de consciência e de liberdade. Isto tem conseqüências e aplicação para nossa vocação religiosa e carmelita. A nossa vocação carmelitana nunca pode ser um anexo à nossa vida humana e cristã. A vocação surgida num momento histórico vai ser integrada à minha própria vida humana e cristã. Uma separação entre as duas desfaz a mensagem da nossa vida para os outros.
A nossa vida fraterna está intimamente ligada à vivencia do Absoluto. O absoluto deve ser algo presente na minha vida, porque sem esta presença não há possibilidade de ternura e a perspectiva do futuro seria fruto de uma imaginação. Tudo se torna abstrato. Quando a nossa Regra diz que devemos viver em obséquio de Jesus Cristo, supõe uma presença que aconteceu na história. E há tantas afirmações na Bíblia que confirmam esta presença: “( Jô 15, 5 ). “ Tudo foi feito por meio dele, e nada do que foi feito, foi feito sem ele. “( Jô 1,3 ) Não tenhamos pudor para aplicar isso também à própria vida, às capacidades que a gente em e inclusive à nossa realidade humana com todas as potencialidades e riquezas que nela existe. “ Tudo foi feito por meio de...” Apliquemos isso às nossas realizações, ao bem que eventualmente fazemos e espalhamos ao nosso redor. “ Tudo foi feito por ele” “ E a Palavra, o Verbo se fez carne” ( Jô 1, 14 ). É um fato do passado, do tempo em que aconteceu, mas é um fato que permanece presente e é um presente que eu posso abraçar.
O Absoluto está presente como um destino que é iniciativa , que é graça. O destino presente é Jesus Cristo. E se o homem conhece Jesus Cristo, acontece nele a ternura, a segurança, a alegria. ,Às vezes encontramos pessoas tão simples, mas que têm essa ternura que brota do conhecimento do Absoluto em Jesus Cristo. Fora da consciência da presença de Jesus Cristo pode haver riso, pode haver risada, mas não pode haver alegria. É o que dizia São Paulo: “ Alegrai-vos no Senhor, eu insisto, alegrai-vos. O senhor está perto” ( Fl 4, 4 ). E não é simplesmente a alegria de um dia bonito que a gente tem, quando levanta de manhã e o sol brilha. Sem excluir isto, não é isto. É algo permanente. “A vida eterna é esta: que eles conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro e àquele que enviaste, Jesus Cristo”... ( Jô. 17, 3 ) Jesus, pouco antes de começar a sua agonia no Horto das Oliveiras, dizia: “ Continuo a dizer estas coisas para que eles possuam toda a minha alegria” ( Jô 17, 13 ). E mesmo sendo pecadores – e com a gente descobre que é pecador! – a alegria continua nossa herança. É a alegria do perdão. A dor pelo pecado já é o início da alegria.
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.