Frei John Welch, O. Carm
Whitefriars Hall , Washington
O propósito da oração é conformar-se com a vontade Deus, escreveu Teresa de Ávila. A pessoa orante está cada vez mais em união com Deus e esta união se expressa no fato de a pessoa desejar mais e mais aquilo que Deus deseja. Nós não nos fazemos mais fortes através da ascética, lutando para submeter nossa vontade à vontade de Deus. Não, o amor de Deus nos convida à transformação de nosso desejo para que nós desejemos o que Deus deseja; queremos o que Deus quer, disse João, “Assim, o que tu queres que peça, peço, e o que não queres, não quero, inclusive nem posso, nem me passa pelo pensamento querer.”
A divinização é a participação gradativa no conhecimento e no amor de Deus. O peregrino fica tão transformado que todo o seu modo de viver se converte em expressão da vontade de Deus. Se podemos interpretar o que Jesus disse, que a vontade de Deus é o bem-estar da humanidade, então a pessoa orante vive mais do que esse bem-estar. Em outras palavras, a pessoa transformada e divinizada vive de tal forma que coopera com o Reino de Deus presente e vindouro.
Estas pessoas são difíceis de se identificar. O Mestre Eickhart nos previne que uma pessoa que vive a partir do seu centro, vive na vontade de Deus. Diz que enquanto outros jejuam, eles comem; enquanto outros estão em vigília, eles dormem; enquanto outros oram eles estão em silêncio. Pois, qual é o propósito da vigília, da oração, do jejum senão o viver do centro da alma que é Deus? É claro que ele está exagerando ao expressar sua compreensão, já que nosso peregrinar nunca acaba deste lado da morte. O que ele quer expressar é a absoluta humanização da pessoa transformada.
Teresa nos disse que estas pessoas não estão continuamente conscientes de sua vida espiritual. A interioridade se converte cada vez menos num ponto de enfoque. Nem Deus lhes preocupa, porque o modo como vivem expressa sua relação com Deus. A meta nunca foi chegar a ser um contemplativo, ou um santo, ou ter uma vida espiritual. A meta sempre foi querer o que Deus quer numa consonância de desejo.
Na conclusão da Regra Carmelitana, Alberto, Patriarca de Jerusalém e o legislador escrevem: “É isto que, com brevidade, lhes escrevemos determinando a forma de conduta, segundo a qual vocês deverão viver. Se alguém fizer mais do que o prescrito, o Senhor mesmo lhe retribuirá quando voltar.” Kees Waaijman do Instituto Tito Brandsma de Nimega vê nesta afirmação uma clara alusão à passagem do Bom Samaritano. O Carmelita assume o papel do hospedeiro. Seus planos e a ordem de sua casa se vêm alterados quando um forasteiro traz um homem machucado para que cuide dele. O forasteiro pede ao hospedeiro que cuide daquele homem machucado e se gastar algo mais, isto é , se fizer mais, o forasteiro na volta o pagará.
O forasteiro, Cristo, pede ao Carmelita que cuide de sua gente durante sua ausência. Ainda que o hóspede não seja esperado e a ordem da casa fique alterada, o hospedeiro obedientemente se ocupa do homem ferido, talvez sem envolver-se emocional ou pessoalmente, e com pouca satisfação. Kees conclui que toda entrega autêntica é essencialmente obscura. A presença que se encontra no profundo do coração do Carmelita é uma noite que guia, uma chama que cura, uma ausência reveladora.
Os frades não tem necessidade de desculpar-se por não ser autênticos carmelitas. Nossa espiritualidade não é de um ascetismo heróico, mas do amor de Deus que conquista e toca cada coração e o faz adoecer, de outro modo não estaríamos aqui.
Assumindo que no cume do Monte Carmelo nos sentimos em casa, quer dizer, nos braços de Deus, e ao mesmo tempo sempre necessitamos de sua misericórdia, nosso ministério é fazer acessível a tradição do Carmelo para ajudar a nossos irmãos e irmãs a ver e ouvir a presença de Deus em suas vidas.
Para manter viva esta chama nos outros, pareceria correto que primeiro nós a tivéssemos acolhido em nossas vidas. Se escutarmos nossos corações, conheceremos os corações das pessoas com as quais trabalhamos e assim as serviremos melhor. Tiremos a poeira de qualquer vocação carmelita e ali encontraremos uma brasa esperando tornar-se uma chama, uma chama que deseja a totalidade, a paz, a segurança, o gozo, a unidade e que encontra sua melhor expressão no serviço aos irmãos e irmãs. Para isso viemos. Para isso estamos aqui.
Resumo
“Entrar no Carmelo” não é simplesmente entrar em um edifício, unir-se a uma comunidade, e assumir um ministério, seja este contemplativo ou apostólico. Pode ser isso certamente, porém, “entrar ao Carmelo” é também entrar em um drama que se realiza no profundo de cada vida humana. O drama do encontro de espírito humano com o espírito de Deus é essencialmente inefável.
Os carmelitas são exploradores do lugar secreto onde Deus habita, esse lugar do espírito humano onde o Mistério se dirige ao espírito. O Carmelo honra essa primeira e privilegiada relação entre criatura e Criador. Os místicos carmelitas tem usado as imagens dos desposórios e, com frequência, a história de amor do Cântico dos Cânticos para captar a intimidade do encontro. A paisagem dos Cânticos começa a dar forma à “terra do Carmelo”
O propósito da oração é a conformidade com a vontade de Deus, nos disse Teresa de Ávila. Nesta relação os desejos do peregrino são transformados de tal maneira que cada vez mais o cristão expressa em sua vida aqueles desejos que estão conformes com os desejos de Deus. Se dissermos que a meta do amor de Deus é o bem-estar da humanidade, então o cristão transformado vive de uma maneira que naturalmente coopera com o Reino de Deus.
Perguntas para reflexão
1-Quem são as pessoas verdadeiramente santas na minha experiência? Como são?
2-Entendo a vida espiritual como um crescimento heroico, ou como um despertar para um amor que brota do centro do meu ser?
3-Estou disposto a confiar, de um modo prático, que o amor de Deus é gratuito, impossível de ser conquistado? Existem maneira sutis em que tento assegurar meu valor?
4-Descanse, tudo já foi feito”, disse um teólogo da graça. O que pode significar esta frase?