A Tríplice Base da Vida de Oração de Elias

                 Quando Elias, num carro de fogo, foi levado deste mundo, o discípulo Eliseu implorou-lhe o seu duplo espírito. No manto, que apanhou e com que se cobriu, Eliseu recebeu a herança implorada. O manto do profeta significou para ele segurança, e, pelos milagres com ele realizados, os discípulos entenderam que o espírito de Elias se encontrava nele. Andou Eliseu no espírito e na força de Elias; os seus discípulos também o imitaram. Este mesmo espirito tem-no a Ordem do Carmo procurado constantemente conservar nos seus membros, recordando-lhes sempre o ideal do duplo espírito e a promessa da dupla coroa.

Vida na Presença de Deus

                A discussão sobre o grau de contemplação a que Elias foi elevado no monte Horeb não passa duma questão acadêmica. Alguns afirmam que ele viu o Senhor face a face como nós esperamos contemplá-lo no Céu. Todos os escritores espirituais incluem Elias entre os visionários místicos mais favorecidos por Deus. A sua experiência no monte Horeb foi um reflexo antecipado daquilo que havia de testemunhar no Tabor quando o Salvador se transfigurou; Moisés e Elias apareceram como participantes da Sua deslumbrante glória. A Sagrada Escritura narra que a face de Moisés, ao descer do monte Sinai logo após o colóquio com Deus, irradiava tal esplendor e brilho de luz divina, que os judeus não ousavam erguer os olhos para ver-lhe o rosto. De Elias não se diz isto. Vêmo-lo, porém, voltar aos Judeus como vindo dum outro mundo, do próprio Céu, e ouvimo-lo dizer: Vivit Deus in cujus conspectu sto - Vive Deus em cuja presença estou. Eis a base da vida de oração.

               A sua vida na presença de Deus, a consciência de estar diante da face do Senhor, é uma grande característica que os filhos do Carmelo herdaram do insigne Profeta: Conversatio nostra in calis est _ A nossa conversação está nos Céus. Elias, ainda não levado para o Céu, vivia no Céu cá na terra, conservando-se devoto diante do trono de Deus: "Deus vive, estou diante da Sua face". As palavras do Arcanjo Rafael a Tobias são uma reminiscência das palavras de Elias. Acompanhou o jovem Tobias sob o nome de Azarias e, depois de havê-lo trazido são e salvo acabada a viagem, revelou-se como um Anjo de Deus: "Um dos sete que assistimos diante do Senhor". "Parecia-vos que eu comia e bebia convosco, mas o meu alimento é um manjar invisível, e a minha bebida não pode ser vista pelos homens". Esta vida na presença de Deus é de máxima importância na vida religiosa.

               Não é preciso explicar que o exercício da presença de Deus não pertence exclusivamente a Ordem do Carmo. Está na raiz de toda a vida espiritual e, embora haja vários métodos, todos os escritores espirituais o consideram como elemento essencial para o desenvolvimento da vida religiosa. No Carmo, porém, assume posição especial. É significativo que uma das obras mais conhecidas sobre a prática da presença de Deus seja da autoria de um simples Irmão leigo do Carmo de Paris. Frei Lourenço da Ressurreição nasceu em 1666 e morreu aos 25 anos. O livro não passa de um pequenito opúsculo, mas contém quatro diálogos e dezesseis cartas de suma importância. Publicado um ano após a morte do Irmão, foi traduzido pouco depois para o inglês. Desde então tem sido editado em quase todas as línguas, inclusive o esperanto.

               Na nossa época temos um grande exemplo deste exercício em Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face. A sua devoção à Santa Face é a manifestação desta prática. Também a Santa Madre Teresa de Ávila se distinguiu por esta devoção. Em muitas igrejas antigas nossas encontramos vestígios da devoção carmelitana à Santa Face, cuja reprodução pode ver-se no grande fecho da abóbada da capela-mor das nossas antigas igrejas de Mogúncia e Francfort-sobre-o-Meno. Lá do alto contempla as cadeiras corais, e, rodeada de textos apropriados, lembra aos frades e oração que os olhos de Deus sempre estão sobre eles e que eles devem erguê-los para a Santa Face.

 

Amor da Solidão

                Elias não é somente o arquétipo dos contemplativos, colocado bem no centro e coração da Lei Antiga, mas é também um grande asceta. Nisto encontramos uma segunda base para a sua vida de oração: o amor à solidão a que continuamente volta; é o próprio Deus que para aí o dirige. Antes, porém, de orná-lo com os seus dons abundantes, Deus exigiu-lhe profundas renúncias. "O grande eremita, assevera S. Jerônimo, o amante da solidão, éconduzido para o deserto pelo espírito de Deus". É lá que entende as palavras do Salmista: Sedebit sollitarius et tacebit et levabit se supra se - O solitário sentar-se-a e no silêncio elevar-se-a acima de si mesmo.

               No seu desprendimento do mundo achamos uma terceira base para a sua vida de oração. Eleva-se a Deus por meio do sacrifício. "O Senhor chamou-o da sua terra natal e do seu povo". E, como mais tarde Nosso Senhor, prova a amargura do mundo solitário.

               Deus provou o Seu servo de várias e penosas e acima de tudo exigiu-lhe fé incondicional, confiança absoluta na Providência Divina.

               Podemos em verdade afirmar que a vida de alta contemplação do Profeta não se baseia apenas na prática de todas as virtudes, mas que esta prática e exercício da oração e da virtude heróica __ acompanham e seguem as suas visões e graças místicas. Estas graças místicas são dom gratuito de Deus, e Deus só as concede exigindo, como disposição e preparação humanas, sólidas e heróicas virtudes.