Os primeiros Carmelitas, estabelecidos ‘perto da fonte de Elias’, escolheram esse homem do deserto como seu pai e guia. Jacques de Vitry — como já mencionamos — fala, por volta de 1228, de eremitas latinos no Monte Carmelo que “a exemplo e no seguimento do santo homem e eremita, o profeta Elias... vivem uma vida de solidão”. Elias se torna para eles um arquétipo vivente e ativo, um modelo que reúne desejos, aspirações, valores e comportamentos. Assim, o fato de se encontrarem ‘na vizinhança’ de Elias transformou-se em símbolo de uma realidade que ultrapassa o próprio fato. Aliás, já existia na tradição monástica a convicção de Elias ser ‘o príncipe dos monges’. Vários Padres da Igreja veem nele a personificação de uma vida em perfeita união com Deus.

Após a migração para Europa (1238), desenraizados do lugar original e encontrando-se num quadro jurídico pouco claro e estável, surge para os carmelitas o problema de explicar em que consiste seu vínculo espiritual com o Profeta. O desejo de eles terem, como as outras Ordens Religiosas do Ocidente, um Fundador que encarasse seu propositum vitae [seu projeto de vida consagrada], contribuiu para intensificar a consciência Eliana, quanto à sua ligação com o Profeta na condição de “filhos espirituais”, em linha de sucessão ininterrupta.

Significativo, nesse contexto, é a Rubrica Prima, que, na realidade, é uma espécie de ‘orientação explicativa’, dada pelo Capítulo Geral de Londres, em 1281: “Não sabendo alguns irmãos, jovens na Ordem, dar uma resposta adequada aos que perguntam de quem e como é que a nossa Ordem teve o seu princípio, respondemos-lhes nós em sua vez, deixando uma fórmula por escrito. Dizemos, pois, em testemunho da verdade, que desde os tempos dos profetas Elias e Eliseu, que viveram piedosamente no Monte Carmelo, alguns santos padres do Antigo Testamento, atraídos à solidão da mesma montanha para a contemplação das coisas celestiais, ali junto da fonte de Elias, perseveraram louvavelmente em santa penitência, acompanhada constantemente de atos de virtude. Alberto, patriarca de Jerusalém, reuniu em comunidade os seus sucessores, em tempos de Inocêncio III, e deu-lhes uma Regra que Inocêncio e muitos outros pontífices confirmaram com bulas, aprovando a dita Ordem. Nós, seus seguidores, observando esta mesma Regra, servimos o Senhor, até ao dia de hoje, em muitas partes do mundo”. (18)

Nasceu, assim, a ‘lenda’ de a Ordem do Carmo ter como seu fundador Elias, estando os atuais membros em linha de direta descendência deste Profeta do Primeiro Testamento!

Também devemos levar em consideração que a nova situação histórica dos Carmelitas, transferidos para Europa, exigia a busca de um equilíbrio interno da Ordem, conjugando a dimensão contemplativa e apostólica de sua vida. Na pessoa do profeta Elias, essa integração se mostra possível e fecunda. De fato, Elias apresenta-se como um modelo exemplar de intimidade com Deus, de comunicação constante com o Senhor, de vida solitária e mortificada, imersa na escuta da Palavra divina, em permanente busca da vontade do Senhor. Tomando o Profeta como ‘pai espiritual’, os Carmelitas encontram nele valores que caracterizam seu próprio ideal de vida: pureza de coração, amor à solidão, renúncia, humildade, caridade, em suma, a busca de uma vida que não tem outro objetivo a não ser Deus e sua causa. Elias simboliza, assim, a alma que arde de paixão por Deus e de fidelidade à sua Aliança, denunciando tudo que é idolatria (1Rs 18; 2Rs 1) e injustiça (1Rs 21). O profeta é, igualmente, modelo de atividade apostólica, questão de grande atualidade no novo contexto histórico. Assim, o livro Formação dos Primeiros Monges comenta que, apesar de Elias e seu discípulo Eliseu viverem preferencialmente no deserto, não deixaram — a pedido de Deus e para o proveito espiritual do povo — de visitar a cidade, realizando nela milagres, condenando vícios e exortando os homens a se converterem ao Deus vivo e verdadeiro.

O culto oficial ao Profeta Elias surge no século XVI. Sua festa aparece, pela primeira vez, em 1551, mas efetivamente é estabelecida em 1585 e fixada no calendário litúrgico no dia 20 de julho. A demora de se celebrar liturgicamente sua memória se explica pelo fato de, na época, existir uma crença popular que afirmava o Profeta nunca ter morrido e, por isso, deveria voltar para ser martirizado antes do retorno final de Cristo! E é fato consumado de que não pode ser celebrada a festa litúrgica de alguém que ainda não morreu! Nas Constituições atuais dos Carmelitas (1995) encontramos uma significativa explicação de como a Ordem, hoje, avalia a herança profético-eliana de suas origens:

“Elias é o profeta solitário que cultiva a sede de Deus único e vive na sua presença (cf. 1Rs 17,1.15; 18,19-21; 2Rs 1,2). Ele é o contemplativo raptado pela paixão ardente pelo absoluto de Deus (cf 2Rs2,1-13), cuja ‘palavra ardia como fogo’ (Eclo 48,1). É o místico que, depois de um longo e penoso caminho aprende e lê os novos sinais da presença de Deus (cf. 1Rs19,1-18). É o profeta que se envolve na vida do povo e, lutando contra os falsos ídolos, o reconduz à felicidade da Aliança com o único Deus (cf. 1Rs 18, 20-46). É o profeta solidário com os pobres e marginalizados e que defende aqueles que sofrem violência e injustiça (cf. 1Rs 17,7-24; 21,17-29).

O Carmelita aprende, pois, com Elias ser homem do deserto, de coração indiviso, que está todo diante de Deus, todo entregue ao serviço de Deus, o homem que faz uma escolha sem compromissos pela causa de Deus e por Deus arde de paixão. Como Elias, crê em Deus, deixa-se conduzir pelo Espírito e interioriza a Palavra no próprio coração, para testemunhar a presença de Deus no mundo, aceitando que ele seja realmente Deus na sua vida. Enfim, vê em Elias, unido ao seu grupo profético, a fraternidade vivida na comunidade, e com ele aprende a ser canal da ternura de Deus para com os indigentes e os humildes”