As informações sobre eremitas ocidentais que vieram à Terra Santa na época das Cruzadas, estabelecendo-se no Monte Carmelo em meados do século XII, são escassas. No entanto, é aí que encontramos as raízes da futura Ordem do Carmo. Há um documento de notável valor histórico proveniente de Jacques de Vitry (1180-1254), bispo de Acre, entre 1216 e 1228. Na sua obra Historia Orientalis (capítulos 51 e 52) descreve o que chama de ‘renascimento da Igreja’ naquelas regiões e faz menção de eremitas que moram no Carmelo ‘perto da fonte de Elias’:

“Desde então iniciou-se o reflorescimento da Igreja Oriental e a expansão da vida religiosa no Oriente. A vinha do Senhor brotou novamente. Parecia realizada a palavra dos Cânticos: o inverno passou e as chuvas pararam; nos campos reapareceram as flores, chegou o tempo da poda.

 Pois, das diversas partes do mundo, de todas as línguas e raças, de todas as nações, confluíram à Terra Santa piedosos peregrinos e religiosos, atraídos pela fama dos Lugares Santos. Igrejas antigas foram restauradas. Graças à liberalidade dos príncipes e às esmolas dos fiéis, foram reedificados mosteiros religiosos e, por toda a parte, as igrejas providas suficiente e dignamente de ministros e de alfaias necessárias para o culto divino.

Varões santos, despedindo-se do mundo, impelidos por diferentes sentimentos e desejos e inflamados pelo amor do serviço divino, escolheram lugares, cada um conforme o próprio ideal e piedade. Uns, seduzidos pelo exemplo de Nosso Senhor, preferiram a vida eremítica naquele deserto inesquecível de Quarantena, onde Jesus jejuou quarenta dias depois do batismo, e aí lutavam heroicamente para o Senhor, vivendo em pequenas celas. Outros, imitando o exemplo do homem santo e solitário, que foi o profeta Elias, professavam a vida eremítica no monte Carmelo, sobretudo na parte que se avança sobre a cidade de Porfíria, a atual Haifa, próxima de uma fonte, conhecida como a Fonte de Elias, não longe do mosteiro de Santa Margarida. E ali, como abelhas do Senhor, produziam o mel da doçura espiritual nas colmeias das suas humildes celas”.

Jacques de Vitry — como ele mesmo diz no prefácio de seu livro — visitou pessoalmente os lugares por ele descritos, o que confere ainda maior valor a seu relato. Provavelmente se trata de dois grupos distintos de ‘monges’. Uns são latinos isto é, provenientes do Ocidente, outros gregos, como deparamos de dados contidos num manuscrito do primeiro quartel do século XIII, intitulado: Les chemins et les pelegrinages de la Terre Sainte.

“Perto da Abadia de Santa Margarida, na vertente do mesmo Monte [Carmelo], depara-se um lugar mui pitoresco, onde moram monges latinos que se chamam Irmão do Carmelo. Ali existe ainda uma pequena capela de Nossa Senhora. Há naquele terreno grande abundância de águas saudáveis, que jorram dos penhascos. A Abadia [de Santa Margarida] dos Gregos dista dos eremitas latinos uma légua e meia”.

A nós interessam mais diretamente os eremitas do Monte Carmelo que procedem do Ocidente, liderados por um certo ‘B’. “Eram eremitas leigos que peregrinaram da Europa Ocidental para a Terra Santa, provavelmente com o voto de ficar aí para sempre. Não sabemos como era precisamente o relacionamento deles com ‘B’. Talvez tenham chegado à Terra Santa sob a direção dele. Talvez ‘B’ morasse como eremita no Monte Carmelo e tomasse sob a sua responsabilidade os eremitas que chegaram aí. É certo, porém, que ainda não se tinha, ligado uns aos outros por um voto religioso”. (5)

Tradicionalmente o Monte Carmelo é um ‘lugar santo’, indicado como a residência habitual do grande profeta Elias. Ainda restam traços de grutas naturais de anacoretas que, ao longo dos tempos, viviam naquele local. O Carmelo atrai a muitos que ‘procuram a face de Deus’, pois é o lugar onde Deus ‘se faz conhecer’ e onde se experimenta ‘quem Ele é’ (cf. 1Rs 18,20-40). Devida à sua rica vegetação — Carmelo significa também ‘jardim’ — tornou-se em Israel um símbolo de graça e prosperidade.

Os eremitas procuraram esse lugar como espaço privilegiado de libertação interior e purificação de coração. É igualmente lá que podiam contemplar e saborear o poder e a doçura da presença divina. Além disso, a solidão e o despojamento proporcionavam uma transformação da pessoa, obra de Deus nele, resultando numa profunda unificação interior. Trata-se, na verdade, de uma crescente identificação com Cristo.

A categoria espiritual de deserto possui, inegavelmente, uma dimensão profética. Denuncia a fixação em ‘valores que passam’ e aquele que nele se adentra percebe mais claramente a transitoriedade da vida com a experiência de que ‘só Deus é absoluto’.

O deserto também é visto como ‘lugar de luta’ contra tudo que obstaculiza a ação de Deus, dentro e fora do cristão. Deste modo torna-se um espaço privilegiado de militância contra as forças do mal e isso em nome da própria coerência evangélica.

Sobre a vida dos peregrinos eremitas que se estabeleceram no Monte Carmelo, na época das Cruzadas, pouco sabemos com certeza. Tudo indica que moravam isoladamente, sem nenhuma organização específica. O que os unia era o espírito de Elias e seu ideal de vida, realizado “num ambiente de simplicidade de estruturas, que favorecia a solidão e a oração. Mas o grupo, de fato, não limitava sua experiência unicamente ao aspecto eremítico (o deserto, a solidão), mas o ampliava pelo obsequium Iesu Christi, vivido na Terra Santa, ao serviço (solatium) da própria Terra Santa. A escolha do lugar para a própria moradia pelos eremitas latinos no Wadi ain es-Siah (= vale do peregrino ou vale dos ermitães), que, além de oferecer grutas e ambiente para a vida solitária, era também o caminho principal dos peregrinos entre Accon e Cesareia, parece falar deste serviço porque é fácil supô-lo pensando nos costumes e exigências dos peregrinos que, a cada ano, chegavam mais numerosos. Neste caso se poderia pensar que os primeiros carmelitas tinham apostolado que poderia ser incluído em justas ocasiões, nas quais fala a Regra, com dispensa da permanência contínua nas celas”.