Frei Carlos Mesters, Carmelita.

Em cada um dos três anúncios, Jesus fala da sua paixão, morte e ressurreição como sendo parte do projeto de Deus: “O Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e depois de três dias ressuscitar” (8,31; cf 9,31; 10,33). A expressão deve indica que a cruz já tinha sido anunciada nas profecias (cf Lc 24,26).

Cada um dos três anúncios da paixão é acompanhado de gestos ou palavras de incompreensão por parte dos discípulos. No primeiro anúncio, Pedro não quer a cruz e critica Jesus (8,32). Jesus reage e chama Pedro de Satanás, isto é, aquele que o desvia do caminho de Deus (8,33). No segundo anúncio, os discípulos não entendem, têm medo e querem ser o maior (9,32-34). No terceiro anúncio, eles estão assustados, com medo (10,32), e querem promoção (10,35-37). É porque nas comunidades para as quais Marcos escreve o seu evangelho havia muita gente como Pedro: não queriam a cruz! Eram como os discípulos: não entendiam a cruz, tinham medo ou queriam ser o maior; viviam assustados e queriam promoção.

Cada um dos três anúncios traz uma palavra de Jesus que critica e corrige a falta de com­preensão dos discípulos e ensina como deve ser o comportamento deles. No primeiro anúncio, ele exige: negar-se a si mesmo, carregar a cruz e segui-lo, perder a vida por causa dele e do evangelho, e não ter vergonha dele e da sua palavra (8,34-38). No segundo, exige: fazer-se servo de todos, e receber as crianças, os pequenos, como se fossem ele mesmo, Je­sus (9,35-37). No terceiro, exige: beber o cálice que ele vai beber, não imitar os poderosos que exploram, mas sim imitar o Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir (10,35-45).

Em dois dos três anúncios Jesus pede silêncio. Ele parece não querer publicidade (8,30; 9,30). A mesma preocupação ele mostra depois da Transfiguração (9,9). Estas ordens de silêncio aos apóstolos tem a ver com a variedade que havia na esperança messiânica. O povo não tinha condições de aceitar um condenado à cruz como o Messias, pois a ideologia dominante só divulgava a imagem do Messias glorioso: rei, doutor, juiz, sacerdote, general! Ninguém se lembrava do Messias servidor e sofredor, anunciado por Isaías! Só mesmo quem decidisse caminhar com Jesus na mesma estrada do compromisso com os pequenos em vista da realiza­ção do Reino seria capaz de aceitar o Crucificado como o Messias. Só a prática poderia abrir para o anúncio!

Abre parêntesis. Antes disso, em três outras ocasiões, Jesus já tinha imposto silêncio aos demônios (1,25; 1,34; 3,12) e, três outras vezes, tinha dado ordem aos que foram curados de não divulgar a cura (1,44; 5,43; 7,36; 8,26). Mas nestes casos, o significado da ordem do silêncio é outro. Jesus pede silêncio, mas obtem o resultado contrário. Quanto mais proíbe, tanto mais a Boa Nova se espalha (1,28.45; 3,7-8; 7,36-37). A força da Boa Nova é tão grande que ela se divulga por si mesma! Aliás, é só três ou quatro vezes que Jesus pede silêncio aos curados. Nas muitas outras vezes, não o pede. Uma vez até pediu publicidade (5,19).