Frei Carlos Mesters, O. Carm.
O Evangelho de Lucas gosta de imitar o jeito do Antigo Testamento. O Cântico de Maria é uma retomada do cântico de Ana, mãe do profeta Samuel (1Sm 2,1-10). Maria, a mãe de Jesus, representa o povo do Antigo Testamento que reconhece em Jesus a chegada do Novo e, por isso, canta a sua gratidão. Jesus é o Novo que chega; ele realiza a promessa do Antigo que se despede.
Lucas 1,46-47: Minha alma proclama a grandeza do Senhor
Para entender bem todo o significado do Cântico de Maria, é importante lembrar que Lucas, quando fala de Maria, ele pensa nas comunidades. No Antigo Testamento, o povo de Deus era simbolizado como sendo a Filha de Sião. Maria é a nova Filha de Sião. Ela representa o novo povo de Deus que nasce ao redor e a partir de Jesus. Quando Maria começa a cantar, não é só ela que canta, mas nela e com ela cantam as pequenas comunidades cristãs, cantamos todos nós. Como Maria, as comunidades proclamam a grandeza do Senhor e se alegram em Deus, pois em Jesus e por Jesus, Deus veio realizar as promessas de salvação que animaram a esperança que guiou o povo durante séculos. Jesus é o “sim” de Deus a todas as promessas do passado (2Cor 1,19-20).
Lucas 1,48: Todas as gerações me proclamam bem-aventurada
Maria proclama a mudança que aconteceu na sua própria vida, “porque Deus olhou para a humilhação da sua serva”. Ela e, depois dela, as comunidades têm consciência das coisas grandes que Deus operou nelas em favor de toda a humanidade: “todas as nações vão proclamar-me bem-aventurada”. Isto acontece assim, não por mérito de Maria nem dos pobres, mas por iniciativa da misericórdia de Deus.
Lucas 1,49-50: O todo poderoso fez grandes coisas em mim
Deus realizou maravilhas em Maria e nas Comunidades. Para vir ao mundo, Deus não pediu licença ao imperador romano, o dono do mundo, mas foi falar com uma moça pobre e humilde, lá em Nazaré, para ela dar o seu consentimento. Ela deu o seu consentimento e, por isso, a Palavra de Deus se fez carne e começou a viver no meio de nós. Os pobres deram o seu consentimento e, por isso, Deus pôde chegar perto e encarnar-se na vida deles, para que eles se tornassem, como diz a profecia de Isaías, a “Luz das Nações” (Is 42,6; 49,6). É esta experiência tão bonita do amor de Deus, que é celebrada no cântico de Maria e das Comunidades.
Lucas 1,51-53: Derruba os poderosos e eleva os humildes
Em seguida, Maria canta a fidelidade de Deus para com seu povo e proclama a salvação que Ele estava realizando. A expressão "braço de Deus" evoca a libertação do Êxodo e indica a força salvadora de Deus. Finalmente, depois de tantos séculos de espera ansiosa, a esperança dos pobres se realizou. Com a vinda de Jesus aconteceu a mudança que lês tanto esperavam: “dispersou os soberbos de coração, derrubou os poderosos dos seus tronos, elevou os humildes, encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias”. Isto não significa que a mudança fosse apenas uma virada da mesa: os de cima para baixo e os de baixo para cima. Não! Nas comunidades dos pobres as causas das desigualdades e das injustiças começam a ser eliminadas e agora todos e todas poderão conviver na fraternidade, na justiça e na paz.
Lucas 1,54-55: Em favor de Abraão e sua descendência para sempre
No fim, Maria lembra que tudo isto é expressão da misericórdia de Deus para com o seu povo e da sua fidelidade. Em Jesus se realiza a esperança, suscitada nos pobres pela promessa feita por Deus a Abraão e a seus filhos para sempre. A Boa Nova de Deus veio, não como recompensa pela observância da Lei, mas como expressão da bondade e da fidelidade de Deus às suas promessas.