Frei Gilvander Luís Moreira, O. Carm

             Um amigo me confidenciou, em São Paulo: "Outro dia eu estava parado no semáforo. Chegou um mendigo para pedir dinheiro. Eu disse para ele todo cheio de moral:"- Se você não fosse beber pinga, eu te daria dinheiro." O mendigo, sorrindo e de braços abertos, me disse: "- Você disse que não me dá dinheiro, porque sou um vagabundo cachaceiro. Se você viesse dormir comigo umas duas noites aqui na calçada, neste frio lascado, você veria que a pinga é o meu cobertor. Bebo para esquentar meu corpo. Senão não agüento o frio e morro, como muitos outros colegas já morreram. Mas como você dorme no seu quarto quentinho, com ar condicionado, com 2 ou 3 cobertores, é muito fácil para você me chamar de cachaceiro. Bem dizia meu amigo: "Vemos o mundo a partir de onde estão os nossos pés. "Os seus pés estão num bom apartamento e de lá você contempla o mundo."

            Eu estava visitando os barracos na favela Massari, no Parque Novo Mundo, em São Paulo. Entrei num barraco, onde Adriana estava lavando roupa e com o som ligado no último volume. Achei muito alto e perguntei: "- Adriana, por que você gosta do som assim tão alto?" Ela baixou o Som um pouquinho e me respondeu: "- Gosto do som muito alto, porque se abaixo o Som, eu penso e se eu penso, choro, porque a vida para nós favelados é muito dura. Escutar música, no último volume, foi um jeito que encontrei para driblar o monte de problemas que a vida nos oferece; um jeito para sobreviver, já que não temos o direito de viver." Adriana e aquele mendigo lá de São Paulo despertaram em mim a seguinte reflexão: Ouvir o inaudível é imprescindível para quem quer guiar o povo.

            Apenas quando se aprende a ouvir o coração (e estômago, pés, mãos...) das pessoas, seus sentimentos mudos, os medos não confessados e as queixas silenciosas, um líder pode inspirar confiança em um povo, entender o que está errado e atender às reais necessidades dos cidadãos. A morte de um país começa quando os líderes ouvem apenas as palavras pronunciadas pela boca, sem mergulhar a fundo na lama das pessoas para ouvir seus sentimentos, desejos e opiniões reais.