O Presente artigo quer trazer uma contribuição modesta à história da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, na época anterior ás revelações de Paray-le-Monial, pondo à luz aquilo que a respeito do Sacratíssimo Coração de Jesus têm de mais relevante os êxtases de Santa Maria Madalena de' Pazzi. Esta grande Santa do Carmelo, de fato, no que diz respeito à devoção ao Sacratíssimo Coração de Jesus, foi desmerecidamente deixada no esquecimento. J. Bainvel, por exemplo, no seu artigo sobre o Coração de Jesus no Dictionnaire de Théologie Catholique (t.III, col.271-351) sobre a nossa Santa refere apenas o seu testemunho sobre a devoção de São Luís de Gonzaga ao Sacratíssimo Coração de Jesus (col. 314 - veja I, 118).

            A Santa do Carmelo foi conduzida a outras contemplações profundas, que talvez poderiam facilmente juntar-se ao seu referido assunto; de fato mais de uma vez foi arrebatada em êxtase na contemplação da chaga do Lado Sagrado do Redentor. Todavia no presente artigo foram tomados em consideração os traços dos seus êxtases, que se referem diretamente ao Sacratíssimo Coração de Jesus.

            Prelúdio das maravilhosas revelações de Paray-le-Monial foram aquelas que, um século antes, o Senhor se dignava fazer à mística Santa do Carmelo, Santa Maria Madalena de' Pazzi.

            A esta alma eleita, para quem parecia que não existiam mais as barreiras entre o tempo e a eternidade diante dos êxtases constantes, durante os quais mergulhava na contemplação do mistério de Cristo, muitas vezes o Senhor mostrou o seu Coração divino. Entre ardentes chamas e raios brilhantes, como símbolo do imenso amor que trazia pelos homens, a Santa viu o Coração de Jesus, aquele Coração de carne, ferido pela lança, que então a ela se revelava assim como um século mais tarde se revelou a Santa da Visitação, Santa Margarida Maria Alacoque: era como "o ninho" do amor de Jesus pelos homens (II 346), amor imenso, que se fez patente pela chaga que nele abriu a lança do centurião (II 431).

            Brilhante como o sol, chamejante como uma fornalha ardente, lançando raios de fogo, Jesus mostrou o Seu Coração a Santa Margarida Maria (Vie et oeuvres  2e ed. T.II  p.381).

            De visão semelhante gozou Santa Maria Madalena: "Ó humanidade do meu Cristo!... Flores estão nos teus pés, nas tuas mãos frutos e pedras preciosas, mas no Coração flechas em grande abundância!" ─- exclama um dia a Santa arrebatada em êxtase (II 441). Em outra ocasião "via sair do Coração de Jesus uma grandíssima fornalha de amor, que continuamente emitia setas e raios de fogo sobre os corações dos seus eleitos" (II 259).

            As místicas elevações sobre o Coração de Jesus, que a Santa do Carmelo proferia, arrebatada em êxtase, são um comentário antecipado e admirável das mensagens de misericórdia transmitidas desde Paray-le-Monial.

            "As almas fervorosas chegarão em breve tempo a grande perfeição", dizia o Coração de Jesus a Santa Margarida Maria. A Santa Maria Madalena Jesus concedeu contemplar a perfeição que alcançam estas almas fervorosas ─- as verdadeiras esposas que repousam no Teu divino beneplácito ─- entrando no divino Coração pela chaga do Lado sagrado, que ficou aberta, diz a Santa, como "porta (...), para que pudessem entrar com o desejo de repousar naquele Coração" (II 431). A linguagem que a Santa no rapto do êxtase usa ao descrever-nos a perfeição alcançada pela alma no Coração de Jesus é a linguagem da mais alta mística, feita de contrastes e paradoxos, visto que deseja exprimir experiências inefáveis de um modo inacessível aos sentidos. Vede: "Bem-aventurada pelo amor se inebria e não fica saciada; sacia-se e sempre tem sede; consuma-se e não é destruída; morre pela doçura numa vida eterna e é uma vida como uma morte, porque nada sente de si mesma, mas tudo de Deus; e é uma morte toda vida, porque é completamente bem-aventurada sem nunca ver o fim. «In nidulo meo moriar» desta morte, que é vida, mas «multiplicabo dies», pois viverei sempre felicíssima e por toda a eternidade que há de seguir-se" (II 431). A alma vive de amor "com um total abandono que faz de si mesma, em tudo e através de tudo, (estar) em Deus" (II 169), amor com o qual ama ao seu próximo também e "não ama somente as criaturas próximas dela e as ajuda, mas extende-se o seu amor às almas do Purgatório e as ajuda com sufrágios, esmolas e outras orações e obras de piedade" (II 169). É a perfeição enfeixada na caridade.

            Nas revelações de Paray-le-Monial Jesus prometeu aos devotos do Seu Coração divino a paz às suas famílias, a consolação nas suas penas, prometeu ser o seu refúgio seguro na vida e na morte; à Sua esposa fiel do Carmelo o Senhor revelou quanta paz, consolação, segurança encontrariam as almas no seu Coração! Mostrou, de fato, à Santa extática o Seu Coração divino como um precioso vaso que continha um "puro, atraente, doce e delicado licor" que - como entendeu a Santa ─- era o "puríssimo e simplicíssimo amor de Deus". Pois bem, este licor precioso, que a alma hauria do Coração de Jesus, a confortava de um modo maravilhoso, porque ele "sacia todos os desejos, cura todas as enfermidades, tranqüiliza nas tribulações e pacifica a alma com Deus; daí, encontrando-se a alma tão pacificada com Deus, não se aquieta se não vê ainda os próximos na mesma paz: e esta é aquela paz que supera todos os sentidos (...). A alma que possui tal precioso licor recebe na terra um penhor do Paraíso e está adornada de todas as virtudes" (III 389).

            "A devoção ao Meu Coração afervorará as almas tíbias", confiava Jesus a Santa Margarida Maria. Santa Maria Madalena foi arrebatada um dia em êxtase, quando contemplava o Seu Senhor. Viu então como do Seu Coração borbulhava "uma fonte belíssima", cuja água bebida pelas almas produzia nelas dois efeitos: "refrescava e aquecia: primeiro refrescava aquelas que estavam queimadas pelo fogo da soberba; depois aquecia os tíbios, fazendo-os todos fervorosos de amor no serviço de Deus" (II 269).

            "No Meu Coração os pecadores hão de encontrar a torrente e o oceano da misericórdia", dizia Jesus nas aparições de Paray-le-Monial. A Santa do Carmelo compreendeu qua a chaga aberta do Coração de Jesus era "uma porta, por onde poderemos entrar à vontade para recolhermos os mais ricos tesouros da divina misericórdia, se tivermos vontade" (II 431).

            Este amor de Jesus ─- como foi contemplado pela Santa do Carmelo e pela Santa da Visitação e cujo símbolo era o Coração de Jesus que elas viam brilhante como um sol em meio de raios e de chamas ─- era, sem dúvida, um amor glorioso, mas Jesus quis que Santa Margarida Maria ouvisse os tristes lamentos do Seu Coração amargurado ─- dizia Ele ─- com a ingratidão dos homens, daqueles, principalmente, que mais deviam amá-Lo. Pois bem! Nem mesmo esta nota característica das revelações de Paray-le-Monial faltou nas revelações do Carmelo. Um dia, encontrando-se em oração diante do Santíssimo Sacramento exposto para as Quarenta Horas, Santa Maria Madalena foi arrebatada em êxtase: apareceu-lhe Jesus "derramando grande quantidade de sangue pelas suas sagradas Chagas abertas", demonstrando "um tão grande amor por todas as criaturas" e do Seu Coração saíam "algumas chamas como pequeninos fachos". À vista de tanto sangue, exclamou a Santa: "É desprezado pela criatura ingrata o Sangue que pelas suas cinco Chagas derrama o Verbo Humanado; é desprezado o amor que, ao derramá-lo, ele está demonstrando". Convidou-a então Jesus a contemplar os pecados das almas, que eram mais obrigadas a amá-Lo e que são a causa dos tormentos que padece" (II 171).

            O Coração de Jesus reservou para Santa Margarida Maria a missão de transmitir a todas as almas as mensagens de misericórdia e revelar-lhes os tesouros de amor, que Ele encerra, para atraí-las todas para junto de si.

            As místicas elevações da Santa do Carmelo, arrebatada em êxtase na contemplação do Sacratíssimo Coração de Jesus, preludiam as harmonias de Paray-le-Monial. Umas e outras se fundem na mesma visão do Coração de Jesus, que nos pede o nosso pobre coração e nos dá em troca o Seu, que é fonte de todo o bem pelo tempo e pela eternidade.