INTRODUÇÃO
Ao final deste curso suponho que todos vocês se tornaram especialistas na espiritualidade de Teresa e de João. Portanto, serei cauteloso!
Como indivíduos, cada um de nós tem seu próprio jeito de viver o Evangelho, como uma resposta pessoal ao chamado de Cristo para segui-lo. As grandes tradições espirituais – carmelitana, franciscana, jesuíta, dominicana – evoluíram durante centenas de anos e ainda estão em processo de evolução. A tradição carmelitana nos oferece um lar e o meio que nos ajudam a nos tornarmos aquilo que Deus sabe que poderemos ser. Se as grandes tradições espirituais falharem em seu desenvolvimento e não forem mais capazes de dar assistência às pessoas em seu seguimento de Cristo dentro das circunstâncias de cada nova era, então elas morrerão e vão dar lugar a novos movimentos.
As fontes da espiritualidade carmelitana são o Evangelho, que é a lei suprema para todos os religiosos (cf. Perfectae Caritatis, 2), seguido da Regra e das Constituições, e pelas figuras do profeta Elias e de Nossa Senhora. Santa Teresa e São João da Cruz foram formados e alimentados nessa tradição espiritual. Eles não surgiram do nada. Eles desenvolveram a tradição, mas esta certamente não começou com eles, nem parou de evoluir após a morte deles. A popularidade de Teresa e de João vai além da Igreja Católica e muito além das fronteiras do cristianismo. Para compreender tal relevância, precisamos nos voltar brevemente para algumas tendências contemporâneas.
Parece que hoje vivemos num mundo sem esperança. Nosso mundo está devastado por guerras, declaradas ou não-oficiais. Dois terços da humanidade vivem numa pobreza miserável enquanto uma minoria tem muito. Muitos morrem de fome, enquanto a indústria que mais cresce no Ocidente é a que investe no combate à obesidade. O secularismo cresce com toda força, pelo menos no ocidente. A norma é um ateísmo prático. O ateísmo intelectual do século XIX produziu uma vaidade no imaginário humano. Acreditava-se que os seres humanos tinham atingido a maturidade e que não precisavam mais de Deus. Não havia mais necessidade da existência de um ser divino para preencher o vazio no conhecimento humano. Acreditava-se intensamente que os seres humanos logo seriam capazes de fazê-lo. Essa segurança foi abalada por todas as guerras em que nosso mundo se envolveu, no terrorismo, e nos eventos como a tsunami na Ásia, que demonstram que os seres humanos são muito pequenos quando comparados aos atos poderosos da natureza.
A ciência, a tecnologia e a rápida industrialização do ocidente falharam em realizar suas promessas. As descobertas científicas são excitantes e têm produzido mais bens de consumo do que nunca. Pela internet podemos nos comunicar quase que instantaneamente com pessoas a milhares de quilômetros. Contudo parece que perdemos nossa alma. O valor é medido pelo que podemos produzir. As drogas, como tentativa dolorosa de fuga da realidade, são um grande problema, pelo menos nas sociedades ocidentais. No entanto, em meio ao desespero, houve um novo aumento no interesse pela espiritualidade e não na religião institucional. Podemos ver um exemplo desse interesse pela espiritualidade na enorme publicidade dada à morte e ao funeral do Papa João Paulo II, assim como ao Conclave que se seguiu.
Os anos 60 e 70 viram uma revolução nas sociedades ocidentais. Muitos jovens decidiram “cair fora”, rejeitando os pseudo-valores do consumismo. Os jovens do ocidente passaram a ter um grande interesse pelo misticismo oriental. As formas mais exuberantes de revolução desapareceram, mas permanece uma inquietação, uma sede, uma fome de Deus. João da Cruz e Teresa falam à fome de tantas pessoas pelo Absoluto. Os dois apresentam um Deus transcendente que, ao mesmo tempo, está muito perto de nós. Eles não apresentam um caminho fácil, mas a maioria das pessoas não acredita em respostas fáceis. João e Teresa nos dizem a verdade – se vale a pena possuir alguma coisa, ela exige o sofrimento. Os dois reafirmam a mensagem do Evangelho – “Busquem o Reino de Deus, e Deus dará a vocês essas coisas em acréscimo” (Mt 6,33; Lc 12,31); “Quem procura conservar a própria vida, vai perdê-la. E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mt 10,39; 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24; 17,33; Jo 12,25).