Frei Cláudio van Balen, O. Carm.                                                

"Pai, possam eles contemplar a glória que me concedestes, porque me amais". (Jo 17,24)

A espiritualidade carmelitana  faz dedicar-nos a cultivar crescente sensibilidade para captar a atuação da graça ou a presença do transcendente contida em toda a realidade. Assim ajudamos outros a se deixarem tocar, envolver pelo mistério. Receber e transmitir o toque divino é  ponto central do jeito carmelitano de ser.

Partimos do princípio de que todo encontro mais profundo consigo e com a realidade é encontro com Deus que liberta e melhora a qualidade de vida. Tal postura enobrece a pessoa e permite que, nela, Deus aconteça. O encontro com ele, aliás, é o objetivo de toda vivência cristã, de toda atividade e expressão da fé.

Nessa perspectiva, o cultivo do silêncio visa colocar as funções dos sentidos a serviço da fé. Ou seja, em vez de prender o coração a seus objetos sensoriais, esses poderão aguçar nossa receptividade interior, registrando a dimensão oculta na realidade visível: Deus com sua presença amiga e atuação salvadora.

Pratica o silêncio quem, bem integrado e interiormente iluminado, mergulha de tal maneira dentro de seu contexto existencial que, ao lidar com coisas e pessoas, fatos, problemas e emoções, aprofunda sua união com a interioridade que dá a tudo coesão e o relaciona com uma harmonia real ou projetada.

Graças ao silêncio, a vida, o mundo e a história são percebidos como o espaço do Transcendente. Tudo que ali ocupa um lugar ou desempenha uma função, também presta o serviço de imagem, sinal e mediação evocando seu potencial oculto, o poder e o amor de Deus e seu Projeto de Libertação integradora.

O silêncio não produz fugitivos, mas comprometidos; não faz a pessoa insensível, porém mais solidária; não cria alienados, mas conscientiza.. Mais do que estranhos no ninho, gera pessoas de vanguarda na renovação da vida, na melhoria das relações, no desenvolvimento da história e na construção da Igreja.

Como atitude, cultivar o silêncio é uma sensibilização por essa onipresença do “algo mais”  que mantém tudo interligado. De fato, alguém só pode tornar-se contemplativo em atitude, se primeiro se dedica com afinco ao silêncio, a essa abertura ao transcendente na realidade, em busca de uma crescente sintonia.

No Carmelo, as pessoas são motivadas e ajudadas para que se coloquem e conservem sempre na presença de Deus. Sinalizado por tudo e todos, graças à clarividência da fé, ele é o mistério onienvolvente que integra  o existir, interligando todas as suas facetas em uma densidade significativa que leva ao encontro.

Deus presente é dádiva que surpreende e abre novos horizontes; é luz que possibilita o nosso ir e vir, mesmo em meio à escuridão; é força que dá coragem nos embates da vida e é o alvo que sempre de novo encanta e atrai. Graças ao silêncio, o próprio ir e vir nos transporta para dimensões sempre além do “dado”.

Pela contemplação, tudo se encaminha para um sentido integrador, em que o drama não paralisa nem a euforia ilude. Tudo é incorporado ao conjunto e cada um com sua função, bem dentro da tessitura da própria existência,  em benefício do todo. Não desperdicemos nada, tudo é prenhe de um significado.

Em seu esforço de espiritualização, o praticante do silêncio procura ver, através de tudo e por trás do imediatamente dado, uma realidade maior ou diferente, com ofertas e apelos; e de bom grado deixe instrumentalizar-se tanto pelo humilde como pelo grandioso. Assim permite que o universo conspire a seu favor.

Mediante o exercício persistente de, em tudo, captar o “lado de dentro”, o “mistério”, adquire um grau superior de sensibilidade, de modo que, qual cera maleável, tudo e todos possam contribuir para sua transformação. Passo a passo, vivendo fé, esperança e amor, apodera-se de uma leitura correta da vida.

O silêncio é uma ferramenta indispensável para a vida poder irromper em nós e a graça revelar-se em toda a sua pujança. Graças ao silêncio, Deus pode sussurrar a nosso coração o que tem para nos oferecer e como podemos andar por seus caminhos, superando fragmentação através de relações saudáveis.