Frei Joseph Chalmers O.Carm. Ex- Prior Geral.

No 550º- Quingentésimo Quinquagésimo aniversário da Bula Cum Nulla, também celebramos a incorporação dos leigos à Família Carmelitana. A grande maioria de leigos carmelitanos pertencem ao que ainda é geralmente chamado de “Ordem Terceira”. Os termos “Primeira”, “Segunda” e “Terceira” são tirados da Ordem Servita do começo do século XVI. Eles nunca tiveram a intenção de fazer referência a uma hierarquia, mas simplesmente refletiram a realidade histórica de que alguns grupos foram fundados oficialmente antes de outros.

Em algumas Províncias, os membros da Ordem Terceira são chamados pelo nome genérico de “leigos carmelitanos”, apesar deste termo cobrir muitas outras realidades e grupos. Em diversos países existem antigas Fraternidades e Confraternidades Carmelitanas. Também existem muitos grupos novos surgindo em várias partes do mundo. Estes novos grupos dão testemunho da energia criativa que existe dentro da Ordem. Não devemos esquecer, é claro, dos milhões de pessoas que usam o escapulário de Nossa Senhora do Monte Carmelo. O caminho carmelitano tem inspirado muitos leigos pelo mundo a viverem o Evangelho de forma profunda e, às vezes, heróica.

Quero enfocar particularmente nesta carta os membros da Ordem Terceira, ou qualquer que seja o termo usado em diferentes países. Acredito fortemente que os leigos carmelitanos, no sentido de membros da Ordem Terceira, têm uma verdadeira vocação e são portadores de um carisma carmelitano para os outros assim como os frades, as monjas e as irmãs.

Os elementos principais do carisma carmelitano são bem conhecidos: oração, fraternidade e serviço. Estes três elementos são cimentados pela contemplação. Acima de tudo, os carmelitas são chamados a seguir Jesus Cristo e a viver o Evangelho na vida diária. Em nosso seguimento de Cristo, somos inspirados por duas figuras bíblicas: Nossa Senhora e o Profeta Elias. Todo carmelita, religioso ou leigo, é chamado a viver este carisma. O modo como juntamos estes elementos vai variar de acordo com nossa situação na vida. Os leigos devem viver o carisma carmelitano precisamente como leigos. Jesus disse que não estava pedindo ao Pai para tirar seus amigos do mundo, mas para guardá-los do Maligno (Jo 17,15). Todos os carmelitas estão no mundo de alguma forma, mas a vocação dos leigos é precisamente transformar o mundo secular.

A Regra e os Leigos Carmelitanos

A Regra de Santo Alberto é um documento carismático que está no princípio de todas as formas de vida carmelitana. Neste breve texto estão os elementos essenciais do carisma carmelitano em sua fase inicial. Estes elementos foram plenamente trabalhados através dos anos seguintes e a tradição carmelitana foi enriquecida pelas vidas de um grande número de pessoas e especialmente por nossos santos. Toda pessoa que é chamada a viver de acordo com o modo carmelitano dá sua contribuição para a tradição e a transmite para os outros.

Os religiosos carmelitanos têm Constituições por meio das quais a Regra de Santo Alberto é aplicada às condições dos dias de hoje. Do mesmo modo, a Ordem Terceira tem a sua regra. A primeira versão que conhecemos foi publicada em 1675 por Filipe da Visitação. Existem rumores de que, originalmente, ela foi redigida pelo Bem-aventurado João Soreth em 1455, o que é improvável. A atual regra da Ordem Terceira, como as Constituições dos religiosos, busca fazer a ligação entre o ideal carmelitano e a  realidade atual daqueles que se empenham em vivê-la. Nestes últimos anos houve discussões e estudos, a nível nacional e internacional, com o objetivo de atualizar a regra da Ordem Terceira. Espero que, em breve, estejamos em posição de apresentar um texto adequado à Santa Sé, para posterior aprovação e publicação.

Por todo mundo existem muitos padres diocesanos e diáconos permanentes que são membros da Ordem Terceira. A vocação deles é diferente da maioria dos leigos. No entanto, para todos os membros, a espiritualidade carmelitana é a inspiração na vivência que eles têm da mensagem do Evangelho em sua vida diária.

A regra da Ordem Terceira define a missão dos leigos carmelitanos, que está enraizada no batismo e pelo qual cada cristão partilha no mesmo sacerdócio de Cristo, na sua dignidade real e em seu ministério profético. Os leigos exercem estas funções participando plenamente da vida da Igreja e aplicando os benefícios da liturgia em sua vida diária. Desta forma eles contribuem para a santificação do mundo.

Dentro desta vocação batismal comum, alguns leigos são chamados a participar do carisma de uma família religiosa particular. Professar como membro leigo carmelita é uma repetição intensificada de nossas promessas batismais. Entrando na Ordem eles assumem para si o carisma carmelitano, que é profundamente marcado pela oração. Portanto, a oração, tanto litúrgica quanto pessoal, é uma parte vital e integrante da vida do leigo carmelita. A participação, diária se possível, na celebração da Eucaristia, é a fonte da vida espiritual e da fecundidade apostólica. O ofício divino, como uma partilha na oração de Cristo, é encorajado pelo leigo carmelita e também é uma fonte de grande ajuda na jorna espiritual. A oração pessoal é vital para a vida dos leigos carmelitas e os meios tradicionais, encontrados na espiritualidade carmelitana, são especialmente enfatizados. Acima de tudo temos a lectio divina, a escuta orante da Palavra do Senhor, que quer nos abrir para um relacionamento íntimo com Deus, em e através de Jesus Cristo. A devoção a Nossa Senhora é marcante para o leigo carmelitano, porque ela é a Mãe do Carmelo.

Como todos os carmelitas, o leigo carmelitano é chamado a alguma forma de serviço, parte integrante do carisma dado à Ordem por Deus. Os leigos têm a missão de transformar a sociedade secular. Eles podem fazer isto de diferentes formas, de acordo com suas possibilidades. O grande exemplo para a ação profética é Elias, cuja atividade se origina numa profunda experiência de Deus.

A fraternidade também é um elemento essencial do carisma carmelitano. Os leigos carmelitanos podem criar comunidade de várias formas: em suas próprias famílias, onde a igreja doméstica pode ser encontrada; em suas paróquias, onde cultuam a Deus com seus companheiros e companheiras, tomando parte plenamente nas atividades da comunidade; em sua comunidade carmelitana leiga na qual encontram apoio para a jornada espiritual; no local de trabalho e no lugar onde moram. Este último necessita do testemunho daqueles que estão comprometidos com o amor ao próximo, como Cristo nos ensinou, contribuindo assim para a transformação do mundo de acordo com o plano de Deus.

A contemplação é o que cimenta os outros elementos do carisma. Como todos os membros da Família Carmelitana, os leigos carmelitanos são chamados a crescer no relacionamento com Cristo até se tornarem seus amigos íntimos e, como tais, ser uma poderosa influência transformadora no mundo. A assistência tradicional para o desenvolvimento da contemplação está muitas vezes ausente de nosso mundo, que é marcado pela atividade frenética. Portanto, os leigos carmelitanos devem encontrar tempo, para deixar de lado os cuidados da vida diária por um instante e permitir que Deus fale a seus corações em silêncio. Fortalecidos por este alimento, eles podem continuar sua jornada e olhar para o mundo com novos olhos. Os contemplativos podem ver a presença de Deus em situações improváveis. Deus sempre nos precede e está presente em qualquer situação antes de chegarmos. É nosso dever descobrir a presença de Deus nas coisas que nos rodeiam e proclamar esta presença para nosso mundo.

O Desafio

Ser um leigo carmelitano não é apenas uma vocação acrescentada à vida. É uma vocação. Por isso, uma formação sólida é essencial assim como para os frades, as monjas e as irmãs. O desafio principal que os leigos carmelitanos encaram é traduzir os elementos essenciais do carisma carmelitano para a vida diária. Vamos tomar como exemplo a devoção à Nossa Senhora. Esta é uma parte profunda da tradição carmelitana. O que esta devoção significa no início do século XXI? No ano de 2001, a Ordem celebrou o 750º aniversário do escapulário. O papa lembrou, em sua carta pelo ano mariano carmelitano, que o escapulário era essencialmente o hábito da Ordem e, por isso, aquele que o usa deve ter alguma ligação com a Ordem e com sua espiritualidade. O escapulário é um símbolo poderoso da presença de Nossa Senhora não apenas nesta vida, mas também na transição desta vida para a vida eterna com Deus. O escapulário também implica num duplo compromisso. Nossa Senhora é a Padroeira, a Irmã e a Mãe dos carmelitas e, como tal, cuida de nós. Por outro lado, devemos colocar em prática as virtudes de Maria em nossa vida diária. Portanto, uma devoção carmelitana à Nossa Senhora não é realizada simplesmente pela recitação de algumas orações, sejam elas poucas ou muitas.

Sendo uma Ordem, redescobrimos, nestes anos recentes, a Lectio Divina como um poderoso caminho de oração e de vida. A Lectio Divina é a escuta orante da Palavra de Deus que, como toda oração, busca abrir-nos à contemplação. Nossa Senhora é o modelo daquela que escutou a Palavra de Deus. É claro que não é suficiente apenas ouvir a Palavra. Maria a colocou em prática e nós também devemos fazer isso (cf. Lc 8,21). Na proposta tradicional da Lectio Divina, existe um tempo para a meditação sobre a Palavra que escutamos e esta ponderação deve levar-nos à oração que, por sua vez, leva ao silêncio, um silêncio profundo e aberto à contemplação. São João da Cruz escreveu, “Busque na leitura e você encontrará na meditação. Bata na oração e ela se abrirá para você na contemplação” (Máximas e Conselhos, 79).

Maria, a Mãe do Carmelo ouvir e viveu a Palavra. Ela acolheu a Palavra e a meditava da maneira como a Palavra chegava até ela, nos acontecimentos de sua vida. Na Anunciação, ela aceitou e cooperou com a vontade de Deus que lhe foi trazida pela mensagem do Anjo. Aos pés da cruz ela aceitou e cooperou com a vontade de Deus através de sua dor. Nas palavras do Magnificat encontramos Maria, a contemplativa a olhar para o mundo através dos olhos da fé e glorificando a Deus pela realização do plano divino.

Todos os carmelitas têm um relacionamento pessoal com Maria. Os carmelitas leigos têm que viver este relacionamento, imitando suas virtudes, ouvindo a Palavra de Deus na vida diária. O mundo em que vivemos nos encara com muitos desafios. As estruturas sociais que amparam a fé desapareceram em muitas áreas e a opção de seguir a Cristo precisa de coragem. A vocação dos leigos cristãos, acima de tudo, é a de ser fermento no coração do mundo secular. Os leigos carmelitanos vivem esta vocação, inspirados pela tradição carmelitana. No Magnificat, Nossa Senhora dá glória a Deus porque ela está consciente que Deus está agindo na transformação da realidade mesmo que as aparências evidenciem o contrário. Os leigos carmelitanos também permanecem com Maria aos pés da cruz, cooperando com a misteriosa vontade de Deus que deseja salvar todos os homens e todas as mulheres. Vivendo o Evangelho diariamente como Maria, nossa Padroeira, Irmã e Mãe, os leigos carmelitanos exercem seu papel na transformação do mundo.

Conclusão

Nos últimos anos o conceito de “Família Carmelitana” tornou-se parte de nosso modo normal de pensar. Todos os carmelitas, religiosos e leigos, são membros da mesma família e vivem a mesma vocação de modos diferentes de acordo com os diferentes estados na vida. Somos herdeiros de uma grande tradição e temos o dever sagrado de passar esta tradição aos outros. Temos de fazê-lo de uma forma harmoniosa, através nossas vocações pessoais.

Como membros da mesma Família, estamos unidos uns aos outros através de nossa oração feita uns pelos outros, e também por nossa assistência mútua. Deste modo, seremos testemunhas poderosas, na Igreja e no mundo, de que o carisma carmelitano está vivo e inspira continuamente as pessoas a viver a mensagem de Jesus Cristo. Através dos séculos da existência da Ordem, existiram muitas formas pelas quais as pessoas encontraram inspiração no carisma carmelitano. A Igreja aprovou oficialmente algumas destas formas enquanto outras pessoas preferem uma ligação mais livre com a Família. Algumas destas novas formas de ser carmelita, que estão emergindo nos dias de hoje em diversas partes do mundo, podem ser o começo de um novo trabalho do Espírito. Permaneçamos abertos à inspiração do Espírito e, com discernimento, saibamos ler os sinais dos tempos. O carisma de nossa Ordem encerra uma grande criatividade. Demos graças a Deus por sermos chamados ao Carmelo e agradeçamos a Deus por todos os nossos irmãos e irmãs.

Que Deus abençoe nossa Família e nos leve a todos e todas para nossa terra celestial. Que Nossa Senhora do Monte Carmelo nos ensine a ouvir a Palavra de Deus e saibamos colocá-la em prática em nossa vida diária.