"Salsichinha feia, com nome de cachorro"
Foi numa romana e primaveril manhã, 3 de maio de 1886, que nasceu o décimo primeiro filho (quinto dos sobreviventes) do casal Pedro Cristiano Van Eerenbeemt e Joana de Negri.
No dia 5 do mesmo mês foi levado à pia batismal, "primeiro encontro com a graça", na Igreja de S. João dos Fiorentíni, em Roma. O padrinho foi o conde Heitor Genuíni, de quem tomou o nome de Heitor, seguido de Pio, Mariano, Luís.
Pelo nome de Heitor ele próprio não tinha muita simpatia, pois, excetuada a glória troiana, fazia-lhe lembrar muito um nome de cachorros, muito comum na Holanda. Essa antipatia cresceu ainda mais durante sua estada em terras holandesas.
Ele gostava muito de relembrar os fatos de sua infância com uma disposição jovial e com aquele caráter bom, alegre e senhoril, que impressionava até o mais distraído observador.
Referindo-se àquele período, ele se autodefinia como "salsichinha feia, com nome de cachorro", uma "criança meio atrasada", embora isso não fosse verdade; uma criança tímida, isso sim, sem dúvida.
A mãe, não tendo leite suficiente para amamentar esse décimo primeiro filho, teve que contar com uma ama de leite, de Ceccano (Frosinone)* , para onde o pequeno Heitor foi enviado e permaneceu por um longo tempo, depois do período de amamentação. De fato, voltou à família já grandinho e até já sabia falar. Realmente, quando ele voltou para casa, exibiu logo sua linguagem dialetal, ao manifestar uma ligeira indisposição: “Me dói a pança!”. O que provocou grande admiração dos pais e dos irmãos maiores.
O pai, Pedro, de família católica tradicional, nasceu em Hertogembosch (Holanda), no dia 16 de maio de 1846. Importante banqueiro, transferiu-se para Roma em 1870, com uma legião estrangeira, em defesa do Papa. Em Roma, entre outras múltiplas atividades, montou uma loja de livros de música e conseguiu italianizar-se com o nome de Cristiano, em substituição ao seu áspero nome de origem.
A mãe, filha de abastada família romana, nasceu em Roma, no dia 1.º de julho de 1854, sendo oito anos mais jovem que o marido. Casaram-se a 7 de janeiro de 1874. A realização de seus sonhos de amor, abençoados por Deus, é coroada pelo nascimento de uma numerosa prole: são doze os flocos azuis e rosa que se alternaram em casa. Somente seis, porém, sobreviveram, pois os demais bem cedo voaram ao céu. Mas Deus segue com olhar paterno a querida família e, mais tarde, reservará para o seu serviço dois de seus filhos: Emílio e Heitor.
O pequeno Heitor permanece, como se diz, "o caçula da casa", pois os três irmãos: Emílio, Eurico, Ubaldo e a irmã Guilhermina são mais velhos do que ele. Depois dele nasce Ema, a irmãzinha que se tornará um pouco a companheira dos seus brinquedos e das suas recordações.
Depois que voltou da casa da ama, seu período campesino, começou a freqüentar uma espécie de pré-escola, dirigida por uma velha professora. Primeira recordação: um castigo! Uma folha de papel rabiscada dependurada nas costas. Essas atitudes pouco pedagógicas (ainda que em uso naquele tempo), influíam muito no seu caráter já muito tímido, sensível, choramingão, como ele mesmo no-lo apresenta: "... suscetível ao excesso, não suportava repreensões e muito menos castigos ou palmadas, nem da minha mãe; meu pranto e meu ressentimento duravam séculos" (Diário).
Deve ter sido mesmo a falta de tato de alguma primeira professora que influiu de modo tão incisivo sobre ele, também em nível inconsciente. Mas Deus permite o mal para daí fazer surgir o bem. Esses sentimentos, em si mesmos negativos, produzem frutos bons, pois, quando se tornou padre, sentiu sempre grande atração pela juventude, especialmente a mais necessitada, tendo para com ela sentimentos sublimes de respeito e de amor, ajudando-a no crescimento moral e intelectual.
Ajudou os jovens a se formarem de maneira harmônica, para o bem da Igreja e da sociedade, e tornou-se o apóstolo da juventude. "... Recordem-se da nossa santa missão nesta terra: a educação da juventude" (carta às Irmãs, Natal de 1960). Isso foi sempre seu ponto central, até os últimos anos de vida.
De fato, assim se expressava numa de suas últimas cartas às Irmãs: "Tenham grande amor pela juventude, salvem a juventude. Não sejamos indolentes em nada, tenham um coração grande, e, para isso, imitem Jesus” (Natal de 1968).
*Pequena biografia de Padre Lourenço van den Eerembeent, Cofundador da Congregação das Irmãs Carmelitas Missionárias de Santa Teresa do Menino Jesus. (Irmãs Carmelitas Missionárias- Província S. Teresa de Lisieux. Uberaba, 1999)