Frei Emanuele Boaga, O. Carm. e Augusta de Castro Cotta, CDP

(Institutum Carmelitanum- Comissão Internacional Carisma e espiritualidade)

A presente reflexão gira em torno de dois centros de atenção: 1) o primeiro nos ajudará a ver como se formou e se desenvolveu a fraternidade no caminho histórico da Ordem, em suas linhas gerais e com particularidades próprias a cada situação. 2) O segundo ao contrário, conduzirá ao aprofundamento de algumas expressões particulares de sua prática, através do exame de alguns textos escolhidos em nossos escritores espirituais e nas Constituições da mesma Ordem, escritos que têm influenciado amplamente o modo de entender e de viver a fraternidade.

Linhas gerais

Falar da fraternidade, como foi compreendida e vivida nas primeiras gerações carmelitanas, é difícil, não apenas pela escassez de documentação, mas, sobretudo, porque, se de uma parte é muito forte a utopia proposta pela Regra, [utopia sem dúvida presente na formação dos candidatos e na vida dos religiosos], por outra parte, os textos constitucionais (desde os primeiros conhecidos, os de 1281 e 1294) desenvolvem um discurso finalizado mais a punir as faltas de fraternidade na vida da comunidade do que a estimulá-la. Entre estas culpas as mais graves são as referentes à discórdia, uma vez que conduziam à destruição da unidade. As normas consititucionais, na época medieval, mostram claramente que muito cedo, na vida da Ordem, o caminho para realizar a vida fraterna encontra limitações e ambiguidades, exigindo purificação para encarnar o ideal da fraternidade.

O fenômeno do conventualismo [que ao início era um estilo com interpretação realista da vida, realizado com equilíbrio e moderação], trouxe várias dificuldades que se difundiram e trouxeram grande degeneração da vida comum nos séculos XIV-XV minando a vivência comunitária. Para compreender o que ocorria, basta pensar nas consequências negativas provenientes dos desvios gerados pelos privilégios, isenções e similares, transformados em abusos. A fim de enfrentá-los no interior da Ordem,, são realizadas as Reformas. Estas enfrentam o tema da fraternidade, unindo-o àquele da austeridade, da pobreza (renúncia às diferenças entre os religiosos e aos títulos, etc). A mesma pobreza torna-se o “banco de prova” da sinceridade e da autenticidade da vida fraterna. Difunde-se também o uso de designar a vida fraterna com os termos de “vida comum”, à qual vem dada uma ênfase dentro do claustro com as consequências entre outras, de acentuar a separação da vida secular. Além disto, há também influência de outros fatores, entre os quais se destaca aquele que se torna sempre mais presente na espiritualidade cristã: a acentuação da separação entre a oração e o apostolado, trazendo como consequência o crescimento do dualismo contemplação-ação.

A seguir, como fruto e consequência desta última postura, passa a ser determinado para as antigas ordens (monásticas e mendicantes) uma identificação entre a vida religiosa e a vida regular e comum. O Concílio de Trento trabalha com esta visão, sendo também assim empreendidas as obras seguintes das reformas promovidas pelos Papas (Clemente VIII, Inocêncio X e Inocêncio XII). Certamente, nesta perspectiva estão presentes aspectos positivos, embora tenha emergido, no decorrer do tempo, o predomínio da observância organizada e da coletividade sobre o aspecto comunitário-fraterno. É muito interessante observar como S. Teresa de Jesus pretendia privilegiar as pequenas comunidades que permitem uma vida de comunhão, através de uma integração baseada na fé e na caridade. A Santa de fato, fala da sua comunidade como de um pequeno “colégio apostólico ou de Cristo”, no qual todas se amam e se ajudam reciprocamente.

Para completar este quadro, é necessário considerar também um outro aspecto da fraternidade: a relação com o mundo exterior e, particularmente com aqueles que fazem parte da Família da Ordem, ou seja, a “Fraternitas Ordinis”.

Sem descer em detalhes sobre a origem histórica e o desenvolvimento da “Fraterrnitas Ordinis”, nas suas várias formas de agregação-oblação das monjas e de outros membros (irmãos e terciários) da Família do Carmelo, é suficiente aqui lembrar os valores e os conceitos ligados à fraternidade e emergentes de toda esta realidade que gravita em torno aos frades , ou seja:

 

  • A vocação, o chamado por Deus para pertencer à Família do Carmelo
  • O estilo de vida simples e pobre
  • A participação e a osmose carismática nos vários níveis.

A utopia da fraternidade, enfim, está também expressa na arquitetura do convento. O convento apresenta-se realmente como um modelo de vida fraterna, prefigurando a vida na Jerusalém celeste, através de uma comunhão, com estruturas e espaços arquitetônicos próprios e com inserção dialética na estrutura urbana. Pode-se mesmo falar da existência de uma arquitetura própria carmelitana, sobretudo nos séculos XVI-XVIII, ainda que os módulos ou as formas de construção pareçam semelhantes àquelas de outras Ordens. Analisando-se a configuração dos conventos desta época, mesmo dentro da diversidade que cada situação exigia, encontra-se presente uma concepção carmelitana da fraternidade. Isto é testemunhado não apenas pelas normas constituicionais ou estatutárias que oferecem sugestões para a construção dos edifícios conventuais, mas também pelo estudo das relações entre os frades, na mesma época e das quais hoje se tem conhecimento. Aqui apresentamos brevemente as perspectivas abertas por uma leitura em chave de fraternidade das estruturas arquitetônicas dos conventos no período indicado.

O convento é lugar da experiência do amor fraternal e ao mesmo tempo, é símbolo da fraternidade ligada à pobreza.