Frei Petrônio de Miranda, O. Carm

 

Após longas e intermináveis noites de calor, manhã de sol, tarde de raios, trovões, relâmpagos e chuvas intermináveis, finalmente chegou o dia 20 de março de 2013. Era o início de mais uma estação.

O outono despontava naquela manhã cinzenta, chuvosa e fria. Sim, cinzenta e fria como as diversas vidas enroladas nos pedaços de cobertores e panos velhos da Praça da Sé, centro da capital paulista. Os transeuntes evitavam olhar para tais loucos de uma sociedade enlouquecida no grande hospício a céu aberto.

Os pastores gritavam anunciando o apocalipse. O turista contemplava a beleza arquitetônica da Catedral da Sé, a imagem de José de Anchieta em volta dos índios lembrava a fundação da cidade e os tempos das aventuras jesuíticas para salvar almas. Aquela praça não tem dono, raça ou cor.

Todos tem uma história para contar, uma alegria para partilhar ou uma desgraça para lamentar. O nome é Pedro, Francisco, Teresa, Josefa, Maria... São nomes com histórias, vidas roubas, quebradas e enlouquecidas pelo corre-corre da cidade grande desumana, violenta e fria.  E você, qual o seu nome?

 

“Qual o meu nome? O nome é Alcides Pereira dos Santos. De onde eu sou? Sou do Paraná, Colorado no Paraná. Quanto tempo eu vi pra cá? Faz 90 dias. Se eu moro na rua? Eu tou em situação de rua. Tava num abrigo, no abrigo que tava  fechou as portas. Agora tou dormindo enfrente do Corpo de Bombeiros, eles tão me ajudando até a Santa Casa pro tratamento de retornar que não tenho outro lugar pra ficar, um meno dormir lá na frente só. Por que eu vim pra São Paulo? Pro tratamento de  câncer e miopia que essa semana retrasada cai duas vezes dento do bueiro!  Que sem enxergar, que enxerga mal, até machucada a perna ainda, bati a testa, deslocou a clavícula que ainda dói ainda. Quando foi ontem fui no mercado buscar umas frutas, o resto das frutas pra gente comer, cai foi no esgoto. E só era barro! Cai dento e ficou lama até aqui no meio da canela e a coluna tá descolada e piorou a situação”.

 

Sou viajante, cruzo montanhas, ultrapasso barreiras, derrubo muros e saio em aventura na busca por novas experiências nas grandes cidades. Sou pobre, não tenho nada, mas sinto uma força que me joga nas estradas da vida. O que faço para viajar? Como vim para São Paulo? De carona?  “Não, não foi bem de carona, uma pessoa deu assistência pra chegar até aqui”.

Tenho a minha história. Ela é só minha e de mais ninguém! Gosto da vida e luto para sobreviver nas ruas, becos e vielas da cidade grande. Porém eu tenho um problema sério. Como assim? Não entendi. Que problema?

 

“O cabelo tá caindo tudo, mas Deus é maior e não vai deixar acontecer o pior comigo. Eu tenho que continuar com o tratamento se não fica cego e se ficar cego vira catarata então tão me ajudando o máximo possível”.

 

No corre-corre desta Praça lembro-me da minha família. Aqui não estou sozinho, não sou mais um peregrino. A lembrança do meu passado me dar animo para viver o presente. Sim, lembro-me da luta da minha esposa, a alegria da minha filha ao acordar de manhã e se preparar para ter mais um dia de aula. Sim, nos jovens passando nestas ruas vejo o olhar do meu filho como se estivesse me pedindo um pouco de amor e uma palavra de carinho. Mas o senhor tem esposa e filhos ou está viajando, inventando histórias?

 

“Sou casado e tenho dois filhos, Andressa com dois s e Carlos Eduardo. Ela tem 19 e ele tem 17. O nome da minha mulher é Ana Lúcia. Por que eu deixe a minha família? Por causa desse tratamento porque lá a medicina não tá avançada como na capital então tive que procurar outro lugar se não tava ficando cego. Se a família sabe que eu moro na rua? Mais ou menos. As condições também tá precárias e não tem como dá uma existência de lá pra cá. Tem que se virando como Deus quer”.

 

Nasci em uma cidade pequena de Santa Catarina. Os 22 dois mil habitantes de Colorado são amigos. Lá todos se ajudam e gostam de dar um bom dia, uma boa noite. Somos amigos e gostamos de conversar, parar, estender as mãos. Sim, lá as pessoas são calmas e geralmente vivem tranquilas sem muitas preocupações. São Paulo não, aqui todos vivem correndo, olha com desprezo e parece que estão com medo. Medo? Mas o senhor tem medo de viver nas ruas?

 

“Tou apavorado! Sem destino sem saber se vai pra direita, pra esquerda, ponde vai. Sempre dependendo de um auxílio. Esse tempo todo, sempre dependendo de um auxílio”.